Decisão nº 1310 de STF. Supremo Tribunal Federal, 9 de Febrero de 2010

Magistrado ResponsávelMin. Cármen Lúcia
Data da Resolução 9 de Febrero de 2010
Tipo de RecursoAção Civel Originária

Desição

DECISÃO CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. ART. 297, §§ 3º E 4º, DO CÓDIGO PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA EM DOCUMENTOS E PAPÉIS RELACIONADOS COM A PREVIDÊNCIA SOCIAL. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Relatório 1. Conflito negativo de atribuições protocolado neste Supremo Tribunal Federal, em 22.12.2008, e autuado como Ação Cível Originária, objetivando resolver pendência entre o Ministério Público de São Paulo e o Ministério Público Federal quanto à atribuição para apurar os crimes previstos no art. 297, § 4º e 337-A do Código Penal. O Caso 2. Em 4.7.2008, ao julgar a Reclamação trabalhista n. 145/2008 ajuizada por Terezinha Santos Nachbar contra a Rio Sul Serviços S/C Ltda e o Banco do Brasil S.A, o Juízo da Primeira Vara da Justiça Federal do Trabalho de Piracicaba “reconhece[u] o vínculo empregatício havido entre as partes desde 06/06/2006, e conden[ou] RIO SUL S/C LTDA e BANCO DO BRASIL S.A, de forma subsidiária, a pagar-lhe:a) aviso prévio; b) saldo de salário de 22 dias; c) salário trezeno de 2007; d) salário trezeno proporcional de 2008 (1/12 avos); e) férias vencidas de 2006/2007, acrescidas de 1/3; f) férias proporcionais de 2007/2008 (7/12), acrescidas de 1/3; g) salário do mês de novembro de 2007; h) execução direta das parcelas de FGTS e multa de 40% do período sem registro, bem como dos meses de novembro e dezembro de 2007; i) multas dos artigos 467 e 477 da CTL; j) 15% do valor apurado em liquidação a título de honorários advocatícios sucumbenciais (...). [Determinou também fossem] observa[dos] os prazos, parâmetros e penalidades determinadas na fundamentação acerca de registro em CTPS e obrigações de fazer previdenciárias e fundiárias. (...) Atente a Secretaria para a imediata expedição dos ofícios determinados na fundamentação supra (...)” (fls. 17-18, grifos no original). 3. Em 31.7.2008, o Procurador da República da Procuradoria da República no Município de Piracicaba/SP sugeriu o arquivamento das peças informativas (n. 1.34.008.000464/2008-78) em relação ao crime previsto no art. 337-A do Código Penal e requereu a remessa de cópia dos autos “à d. Justiça Estadual da comarca de Piracicaba, para a adoção das medidas que entender cabíveis concernentes à conduta descrita no art. 297, § 4º, do Código Penal” (fl. 4, grifos no original). 4. Em 4.9.2008, o Juízo da 1º Vara Federal de Piracicaba/SP entendeu “procedentes as razões expostas no requerimento ministerial, pois, conforme salientado pelo representante do parquet, não há elementos suficientes para a propositura da ação penal. (...) [E determinou o] encaminh[amento de] cópia dos presentes autos ao Ministério Público Estadual da Comarca de Piracicaba/SP, para apuração da suposta prática do delito tipificado no art. 297, § 4º, do Código Penal, conforme requerido pelo Ministério Público Federal” (fl. 25, grifos no original). 5. Em 12.11.2008, o 15º Promotor de Justiça de Piracicaba/SP suscitou o presente conflito negativo de atribuições ao argumento de que “o crime de falsificação de documento público previdenciário não deve ser apreciado pela Justiça Estadual, por força do disposto no artigo 109, inciso IV, da Lei Maior, porquanto se verifica que o principal sujeito passivo desse delito é o Estado, personalizado na entidade autárquica responsável pelo gerenciamento da Previdência Social (o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS), autarquia, aliás, estruturada em plano federal, pela União” (fl. 34). 6. Em 11.12.2008, o Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo acolheu a representação do 15º Promotor de Justiça de Piracicaba/SP e determinou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal (fls. 39-43). 7. Em 5.3.2009, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo “não conhecimento do presente conflito, e conseqüente encaminhamento dos autos ao Juízo Criminal da Comarca de Piracicaba/SP para que se pronuncie acerca de sua competência para o feito. Caso ultrapassada essa preliminar, manifesta-se pelo reconhecimento da atribuição do Ministério Público Federal” (fl. 52). Examinados os elementos constantes nos autos, DECIDO. 8. O que se põe em foco na presente Ação Cível Originária é a fixação da atribuição em favor do Ministério Público Federal ou do Ministério Público do Estado de São Paulo para tomar “as providências (...) necessárias a apuração do delito tipificado no art. 297, § 4º, do Código Penal” (fl. 1). 9. Na assentada de 28.9.2005, ao julgar a Petição n. 3.528/BA, Relator o Ministro Marco Aurélio, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a sua competência para solucionar conflito de atribuições entre órgãos no Ministério Público de diferentes entidades da federação, em razão do que previsto no art. 102, inc. I, alínea f, da Constituição da República: “COMPETÊNCIA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. Compete ao Supremo a solução de conflito de atribuições a envolver o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - ROUBO E DESCAMINHO. Define-se o conflito considerado o crime de que cuida o processo. A circunstância de, no roubo, tratar-se de mercadoria alvo de contrabando não desloca a atribuição, para denunciar, do Ministério Público Estadual para o Federal” (DJ 3.3.2006). Em 6.12.2007, ao julgar a Petição n. 3.631/SP, de Relatoria do Ministro Cezar Peluso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu: “EMENTA: 1. COMPETÊNCIA. Atribuições do Ministério Público. Conflito negativo entre MP de dois Estados. Caracterização. Magistrados que se limitaram a remeter os autos a outro juízo a requerimento dos representantes do Ministério Público. Inexistência de decisões jurisdicionais. Oposição que se resolve em conflito entre órgãos de Estados diversos. Feito da competência do Supremo Tribunal Federal. Conflito conhecido. Precedentes. Inteligência e aplicação do art. 102, I, "f", da CF. Compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir conflito negativo de atribuição entre representantes do Ministério Público de Estados diversos. (...)” (DJ 7.3.2008, grifos nossos). Naquela assentada o Ministro Cezar Peluso consignou: “(...) A peculiaridade do caso está em que, embora evidente a divergência entre os Ministérios Públicos, às suas manifestações sucederam as decisões judiciais. Daí, a aparência de conflito negativo de competência, e não, de atribuição. Ocorre que a atuação do Poder Judiciário, tanto no Estado do Mato Grosso do Sul (fls. 21), como no de São Paulo (fls. 45), se limitou a decisões que acolheram os pedidos do Ministério Público, nos exatos termos que constam dos autos (i), e a fazer chegar ao Superior Tribunal de Justiça o conflito negativo de atribuições (ii). Noutras palavras, não foi praticado nenhum ato de conteúdo jurisdicional com força bastante para atrair a tipificação de conflito negativo de competência. A decisão do magistrado paulista encontra apoio na manifestação do Ministério Público, cujo conteúdo está em suscitar conflito de atribuições acerca do órgão que deva formular opinio delicti com base no IP nº 03.002521-4. Nada proveu a respeito de competência jurisdicional. Como se vê, o Poder Judiciário não foi provocado a definir competência de nenhum de seus órgãos, senão que apenas atendeu a requerimento do Ministério Público para fazer chegar ao Superior Tribunal de Justiça o incidente administrativo já mencionado, que caracteriza mero conflito de atribuições. E, no que tange à competência para apreciar conflito de atribuições do Ministério Público, a jurisprudência recente desta Corte é firme, no seguinte sentido: “COMPETÊNCIA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. Compete ao Supremo a solução de conflito de atribuições a envolver o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - ROUBO E DESCAMINHO. Define-se o conflito considerado o crime de que cuida o processo. A circunstância de, no roubo, tratar-se de mercadoria alvo de contrabando não desloca a atribuição, para denunciar, do Ministério Público Estadual para o Federal” (PET nº 3.528, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 03.03.2006). E, ainda: “1. COMPETÊNCIA. Atribuições do Ministério Público. Conflito negativo entre MP federal e estadual. Feito da competência do Supremo Tribunal Federal. Conflito conhecido. Precedentes. Aplicação do art. 102, I, "f", da CF. Compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir conflito negativo de atribuição entre o Ministério Público federal e o Ministério Público estadual. (...)” (ACO nº 853, Min. CEZAR PELUSO, DJ de 27.04.2007). Conheço, assim, do conflito negativo de atribuições, e passo-lhe à análise do mérito” (...)”(DJ 7.3.2008, grifos nossos). No mesmo sentido foi o julgamento da Ação Cível Originária n. 889/RJ, da relatoria a Ministra Ellen Gracie: “DIREITO PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO. COMPETÊNCIA DO STF. LOCAL DA CONSUMAÇÃO DO CRIME. POSSÍVEL PRÁTICA DE EXTORSÃO (E NÃO DE ESTELIONATO). ART. 102, I, f, CF. ART. 70, CPP. 1. Trata-se de conflito negativo de atribuições entre órgãos de atuação do Ministério Público de Estados-membros a respeito dos fatos constantes de inquérito policial. 2. O conflito negativo de atribuição se instaurou entre Ministérios Públicos de Estados-membros diversos. 3. Com fundamento no art. 102, I, f, da Constituição da República, deve ser conhecido o presente conflito de atribuição entre os membros do Ministério Público dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro diante da competência do Supremo Tribunal Federal para julgar conflito entre órgãos de Estados-membros diversos. 4. Os fatos indicados no inquérito apontam para possível configuração do crime de extorsão, cabendo a formação da opinio delicti e eventual oferecimento da denúncia por parte do órgão de atuação do Ministério Público do Estado de São Paulo. 5. Conflito de atribuições conhecido, com declaração de atribuição ao órgão de atuação do Ministério Público onde houve a consumação do crime de extorsão” (DJ 28.11.2008). E, ainda, na Ação Cível Originária n. 1.013/BA, o Ministro Eros Grau, retomando o que decidido na Petição n. 3.528/BA, registrou: “De acordo com a decisão proferida na referida Petição, a fixação do Tribunal competente decorrerá da natureza do conflito, que, por sua vez, só se revelará após a manifestação dos juízos perante os quais atuam os membros dos Ministérios Públicos. (...) 8. Conforme se verifica, ficou assentada a seguinte distinção: quando há conflito virtual de competência, isto é, há divergência nos pronunciamentos dos juízos perante os quais oficiam os membros dos Ministérios Públicos em conflito, a competência será do Superior Tribunal de Justiça. Caso contrário, se ambos os juízes se manifestarem no mesmo sentido, caberá ao Supremo Tribunal Federal a solução da questão. 9. Como dito, no caso em tela não houve manifestação de nenhum órgão jurisdicional, de onde ressai a competência da Corte para dirimir o conflito negativo de atribuições ora assinalados” (DJ 16.4.2009). 10. Diferentemente do que se deu nos precedentes acima apontados (PET 3.528/BA, ACO 889/RJ e PET 3.631/SP), nos quais os juízos estaduais e federais acolheram os despachos ofertados pelo Ministério Público estadual e federal, no caso vertente não consta nos autos manifestação do Juízo estadual da Comarca de Piracicaba/SP, tendo sido os autos encaminhados diretamente pelo Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo a este Supremo Tribunal Federal, após manifestação do Promotor de Justiça de Piracicaba/SP (fls. 27-37). A despeito disso, entendo que a questão jurídica posta nestes autos há de ser conhecida e julgada. A uma, porque como bem destacado no voto do Ministro Marco Aurélio na Petição n. 3.528/BA, citando Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, quando “o juiz determina o encaminhamento dos autos do inquérito para outro órgão do Ministro Público, o que faz exercitando unicamente atividade administrativa, como chefe que é dos serviços administrativos do cartório... O despacho de encaminhamento tem natureza simplesmente administrativa... Não existe nenhuma atividade jurisdicional e mesmo judicial na hipótese. Uma vez que, na prática, existe um despacho administrativo, lacônico que seja, não podemos transformá-lo de uma penada, sem o exame mais cauteloso de cada hipótese em declinação da competência de um juízo, sob pena de subvertermos toda ordem processual, além dos demais e gravíssimos inconvenientes e ilegalidades que tal medida acarretaria” (DJ 3.3.2006). A duas, porque apesar de não constar nos autos da presente ação despacho do juízo estadual sobre sua competência, tramitaram neste Supremo Tribunal outras ações cíveis originárias versando sobre a atribuição do Ministério Público federal ou estadual para tomar “as providências (...) necessárias a apuração do delito tipificado no art. 297, § 4º, do Código Penal”(fl. 1). Nessas ações, em especial, na de n. 1.262/SP, Relator o Ministro Joaquim Barbosa e na de n. 1.261/SP, Relator o Ministro Menezes Direito, os juízos federal e estadual da Comarca de Piracicaba/SP limitaram-se a dar cumprimento ao que solicitado pelo Ministério Público federal ou estadual. 11. Reconheço, pois, a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar o presente conflito de atribuições. 12. Conforme salientado, este Supremo Tribunal julgou processos análogos ao vertente (ACO 1.282/SP, Relator Ministro Joaquim Barbosa, ACO 1.262/SP, Ministro Eros Grau e ACO 1.258/SP, Relator Ministro Menezes Direito). Dentre eles, somente o Ministro Eros Grau, acolhendo a preliminar de não conhecimento suscitada pelo Ministério Público Federal, decidiu pelo encaminhamento dos autos ao juízo estadual de Piracicaba/SP (ACO 1.282/SP, DJ 6.2.2009). 13. Adotando o parecer apresentado pelo Ministério Público Federal na Ação Cível Originária n. 1.258/SP, cujos fundamentos jurídicos foram reproduzidos no que juntado às fls. 48-52 destes autos, o Ministro Menezes Direito superou a preliminar de não conhecimento, e, monocraticamente declarou a atribuição do Ministério Público Federal nos termos seguintes: “Conflito de Atribuição autuado como Ação Cível Originária. O Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo suscitou o conflito negativo de atribuição com o Ministério Público Federal para a investigação de supostas práticas do crime de falsificação de documento público previsto no art. 297, § 4º, do Código Penal. Eis a síntese dos fatos constantes nos autos. Após julgar parcialmente procedente a reclamação trabalhista ajuizada por Elaine Dantas Silva contra a empresa “Restaurante e Peixaria Tambor”, o Juiz da 1ª Vara do Trabalho de Piracicaba/SP encaminhou cópia do termo de audiência à Procuradoria da República daquele Município, para a apuração de eventual prática dos crimes de sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do CP) e falsificação de documento público (art. 297, § 4º, do CP), conforme ofício de fl. 10. O Ilustre representante do Parquet federal requereu o arquivamento da respectiva peça informativa, com relação ao crime de sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do CP), e requereu a remessa de cópia do feito para a Justiça Estadual da Comarca de Piracicaba/SP, para que o Ministério Público do Estado de São Paulo tomasse as medidas necessárias no que concerne ao crime de falsificação de documento público (art. 297, § 4º, do CP - fls. 3 a 5). Acolhendo esse parecer, a Juíza Federal daquela Comarca determinou a remessa dos autos ao Ministério Público Estadual (fl. 24). Recebidos os autos naquele Parquet estadual, o Promotor de Justiça Antonio Rodrigues Vilela, entendendo ser competente a Justiça Federal, para processar e julgar a eventual ação penal pelo crime previsto no art. 297, § 4º, do Código Penal, suscitou conflito de atribuição, manifestando-se no sentido de que os autos sejam encaminhados ao Ministério Público Federal, para o que de direito (fls. 31/46). Acolhendo essa manifestação, o Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo determinou a remessa do presente conflito negativo de atribuição a esta Suprema Corte (fls. 50 a 54). Distribuída a ação, determinei a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República (fl. 58), tendo a ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques, em parecer aprovado pelo Procurador-Geral da República Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, se manifestado pelo não-conhecimento do presente conflito, “... e conseqüente devolução ao Juízo Criminal da Comarca de Piracicaba/SP para que se pronuncie acerca de sua competência para o feito. Caso ultrapassada essa preliminar, manifesta-se pelo reconhecimento da atribuição do Ministério Público Federal” (fls. 61 a 65). Decido. Inicialmente, admito a competência desta Corte para resolver conflito de atribuições entre Ministério Público estadual e o Ministério Público Federal. Tal competência foi firmada nos julgamentos da PET nº 3.528/BA, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 3/3/06; e da ACO nº 853/RJ, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de 27/4/07, superando-se o entendimento em contrário. No mérito, resolvo o conflito para afirmar a atribuição do Ministério Público Federal, pelos fundamentos a seguir expostos. Conforme observou a ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques, “... o suposto crime cometido pelos representantes da empresa RESTAURANTE TAMBOR LTDA. - ME seria a falta de anotação do contrato de trabalho e da remuneração na Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS - de ELAINE DANTAS SILVA, fato que configuraria o crime de falsificação de documento público previsto no art. 297, § 4º, do CP (fls. 12/20)” (fl. 64). Segundo leciona Luiz Regis Prado, “No § 4º, incrimina-se a conduta omissiva de deixar de inserir em qualquer um daqueles documentos relacionados nos incisos do parágrafo anterior o nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços, alternativamente (basta a omissão de uma dessas informações). O tipo subjetivo está representado pelo dolo e pelo elemento subjetivo do injusto, consistente na especial finalidade do agente de fazer, com o documento, prova perante a Previdência Social” (Prado, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: doutrina: jurisprudência selecionada: conexões lógicas com os vários ramos do direito. 4ª ed. revista, atualizada e ampliada, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, pág. 846). O bem jurídico tutelado pelos §§ 3º e 4º do art. 297 do CP, portanto, é a fé pública relativamente aos documentos pertinentes à entidade ali referidos. No caso presente, o documento cujas anotações foram omitidas pelo empregador, como dito, é a Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, diretamente relacionado às atividades desenvolvidas pela Previdência Social. Não foi por outro motivo que a Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques, ressaltou os seguintes aspectos: “18. A Lei nº 9.983/2000 acrescentou os §§ 3º e 4º ao art. 297, do Código Penal, para incriminar condutas de falsidade ideológica em documentos e papéis relacionados com a Previdência Social, substituindo o art. 95, alíneas g , h e i , da Lei nº 8.213/91. 19. O objeto jurídico protegido é a fé pública, em especial a veracidade dos documentos relacionados à Previdência Social. Ou seja, o sujeito passivo é, primeiramente, o Estado e, em caráter subsidiário, o segurado e seus dependentes que vierem a ser prejudicados [DELMANTO, Celso [et al]. Código penal comentado. 6 ed. atual. e ampl. RJ: Renovar, 2002, P. 588]. 20. A norma penal prevista no art. 297, § 4º, exige a lisura na relação estabelecida pelo empregador com o órgão da Previdência Social, constituindo os assentamentos da CTPS os parâmetros legítimos para os cálculos contributivos. O segurado, por sua vez, é protegido porque somente a partir de informações válidas serão alcançados benefícios igualmente válidos [JESUS, Damásio E. de. CTPS: Deixar de registrar empregado não é crime. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, nº 18. Fev - Mar/2003. P. 12/13]. 21. Não se pode negar, portanto, a existência de um interesse específico da União, já que se tem um dano potencial aos serviços federais que têm a privatividade de sua expedição, estando a eles necessariamente vinculados [RTJ 116/162, Rel. Min. Rafael Mayer; RE nº 135.243/DF. Rel. Min. Celso de Mello. DJ 17.6.2005]. 22. Dessarte, sendo o bem jurídico tutelado a fé pública e o sujeito passivo a Previdência Social, é inegável a aplicação do art. 109, IV , da Constituição Federal, significa dizer, a atribuição é do Ministério Público Federal” (fls. 64/65). Foi nesse sentido o julgamento, pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, do Conflito de Competência nº 58.443/MG, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJ de 26/3/08, cuja ementa se deu nos termos seguintes: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. ART. 297, § 4.º, DO CÓDIGO PENAL. OMISSÃO DE LANÇAMENTO DE REGISTRO. CARTEIRAS DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. INTERESSE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. JUSTIÇA FEDERAL. 1. O agente que omite dados na Carteira de Trabalho e Previdência Social, atentando contra interesse da Autarquia Previdenciária, estará incurso nas mesmas sanções do crime de falsificação de documento público, nos termos do § 4.º do art. 297 do Código Penal, sendo a competência da Justiça Federal para processar e julgar o delito, consoante o art. 109, inciso IV, da Constituição Federal. 2. Competência da Justiça Federal”. No seu voto, a eminente Relatora destacou que: “De início, cabe esclarecer que a CTPS foi instituída pelo Decreto n.º 21.175/1932 e regulamentada pelo Decreto n.º 22.035/1932, sendo o documento considerado obrigatório para todo trabalhador. A CTPS é o único comprovante da vida funcional do empregado, que irá garantir os direitos trabalhistas, os benefícios previdenciários e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS. Em regra, o empregado que trabalha com carteira assinada está automaticamente filiado à Previdência Social, distinguindo-se dos autônomos e dos prestadores de serviços temporários que podem se inscrever e pagar como contribuintes individuais. Cumpre esclarecer que a Previdência Social é organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória. Nos termos do art. 29 da Consolidação das Leis do Trabalho e art. 201 da Constituição Federal, cabe ao empregador, ao contratar um empregado, realizar as anotações e contribuir para a Previdência Social, garantindo às pessoas por ele contratadas os direitos trabalhistas e previdenciários. Dessa forma, a conduta de quem omite dados na CTPS se subsume ao art. 297, § 4.º, do Código Penal, transcrito a seguir: ‘Art. 297. Falsificar, no todo em parte, documento público ou alterar documento público verdadeiro: ena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. [...] § 3.º. Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir: [...] II - na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita; [...] § 4.º Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3.º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços’. Como se vê, o empregador que deixa de registrar a Carteira de Trabalho e Previdência Social estará incurso nas mesmas sanções do crime de falsificação de documento público. Cabe ressaltar que o § 4.º do art. 297 do Código Penal foi acrescentado pela Lei n.º 9.983/2000, que também acrescentou outros crimes contra a Previdência Social (delito de apropriação indébita previdenciária e o crime de sonegação previdenciária), como bem explica Fabbrini Mirabete, no seguinte excerto: ‘Também pela Lei n.º 9.983, de 14-7-2000, foi acrescentado o § 4.º ao art. 297, para incriminar a conduta de quem omite, nos documentos mencionados no § 3.º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços, sujeitando o agente às mesmas penas das falsidades anteriores. Trata-se, também, de falsidade ideológica por omissão, que tem como objeto material folha de pagamento, documento de informações para fazer prova perante a previdência social, Carteira de Trabalho e Previdência Social, documento que deva produzir efeito perante a previdência social, documento contábil ou qualquer outro relacionado com as obrigações e direitos da empresa perante a previdência social.’ (in Código Penal Comentado, 3.ed, Atlas, p. 1918) Verifica-se, de plano, que o principal sujeito passivo do delito é o Estado, representado pela Previdência Social e, em segundo lugar, a vítima, que deixa de possuir as benesses do registro de sua CTPS. Dessa forma, existindo interesse da Previdência Social, que integra diretamente a Seguridade Social prevista no art. 194 da Constituição Federal, evidencia-se a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal’. Ante o exposto, conheço do conflito e acolho o parecer da Procuradoria-Geral da República, para declarar a atribuição do Ministério Público Federal” (DJ 24.11.2008, grifos nossos). No mesmo sentido foi a decisão monocrática do Ministro Joaquim Barbosa na Ação Cível Originária n. 1.262/SP: “(...) No caso, embora o Juízo Federal da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Piracicaba tenha reconhecido expressamente a sua incompetência (fls. 29), o Juízo de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Piracicaba nada disse a respeito, limitando-se a encaminhar o feito a esta Corte, conforme requerido pelo Ministério Público estadual (fls. 119). Daí por que entendo não se tratar de conflito de competência, mas sim de atribuições (entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público estadual), na linha do que decidido na petição 3631 (rel. min. Cezar Peluso, DJe de 7.3.2008). Ultrapasso, dessa forma, a preliminar levantada pela Procuradoria-Geral da República quanto ao não conhecimento do conflito. No que diz respeito ao mérito, a PGR observou que (...) 21. O objeto jurídico protegido pelos §§ 3º e 4º do art. 297 do CPB é a fé pública, em especial a veracidade dos documentos relacionados à Previdência Social. Ou seja, o sujeito passivo é, primeiramente, o Estado e, em caráter subsidiário, o segurado e seus dependentes que vierem a ser prejudicados. 22. A norma penal prevista no art. 297, § 4º, exige a lisura na relação estabelecida pelo empregador com o órgão da Previdência Social, constituindo os assentamentos da CTPS os parâmetros legítimos para os cálculos contributivos. O segurado, por sua vez, é protegido porque somente a partir de informações válidas serão alcançados benefícios igualmente válidos. 23. Não se pode negar, portanto, a existência de um interesse específico da União, já que se tem um dano potencial aos serviços federais que têm a privatividade de sua expedição, estando a eles necessariamente vinculados. 24. Dessarte, sendo o bem jurídico tutelado a fé pública e o sujeito passivo a Previdência Social, é inegável a aplicação do art. 109, IV, da Constituição Federal, significa dizer, a atribuição é do Ministério Público Federal” (fls. 128-129). Entendo que, no mérito, razão assiste à Procuradoria-Geral da República. Como o sujeito passivo do crime sob enfoque é uma autarquia federal, a competência para processar e julgar tal delito é da Justiça Federal (CF, art. 109, IV), o que, por conseguinte, implica a atribuição do Ministério Público Federal para o caso. Por fim, anoto que questões como esta têm sido decididas monocraticamente, conforme se vê, por exemplo, na ACO 1.078, julgada de forma monocrática pelo relator (rel. min. Ricardo Lewandowski), em 22.10.2009. Do exposto, conheço do conflito de atribuição para declarar ser do Ministério Público Federal a atribuição para o caso, devendo os autos ser remetidos à Procuradoria da República em Piracicaba, para as providências que entender cabíveis” (DJ 2.12.2009, grifos nossos). Na mesma linha, ACO 1.261/SP, Rel. Min. Menezes Direito, decisão monocrática, DJ 24.11.2008. 14. Pelo exposto, conheço da presente Ação Cível Originária e julgo-a procedente para declarar a atribuição do Ministério Público Federal, devendo os autos ser remetidos à Procuradoria da República em Piracicaba/SP. Publique-se. Brasília, 9 de fevereiro de 2010. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora

Partes

Agte.(s) : Joel Dias Rosário e Outro(a/S)

adv.(a/S) : Juliana Bergamaschi Botta

agdo.(a/S) : Iene Participações Ltda.

adv.(a/S) : Susana de Freitas Valle e Silva

Publicação

DJe-039 DIVULG 03/03/2010 PUBLIC 04/03/2010

Observação

Legislação Feita por:(Aah)

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