Decisão nº 4319 de STF. Supremo Tribunal Federal, 19 de Febrero de 2010

Magistrado ResponsávelMin. Joaquim Barbosa
Data da Resolução19 de Febrero de 2010
Tipo de RecursoAção Direta de Inconstitucionalidade

Desição

DECISÃO: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar, ajuizada pela Convenção de Ministros das Assembléias de Deus Unidas do Estado do Ceará - COMADUEC, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, aprovado pelo Decreto Legislativo 698/2009, publicado no dia 08.10.2009, oriundo do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, assinado em 13.11.2008. A requerente sustenta que o mencionado Acordo ofende o disposto no art. 19, I da Constituição Federal, que “assegura o princípio da laicidade”. Afirma, ainda, que tal ato normativo fere o princípio da igualdade constitucional das religiões, estabelecendo privilégios para a Igreja Católica em detrimento das demais religiões, limitando a liberdade religiosa no país. Entende que o Acordo Brasil-Santa Sé “sacramenta uma relação profunda de dependência entre o Estado Brasileiro e a Igreja Católica, onde o nosso país se torna submisso à estrutura eclesiástica católica, perdendo sua autonomia para a gestão da coisa pública” (fls. 04). Requer a concessão de medida cautelar para suspender a eficácia do Decreto Legislativo 698/2009, e, no mérito, a procedência do pedido. A fls. 71, determinei que a requerente comprovasse possuir membros ou associados em, pelo menos, nove Estados da Federação, bem como que juntasse cópia oficial do inteiro teor do Acordo ora atacado, o que foi atendido a fls.73-156. É o relatório. Decido. A Constituição Federal, em seu artigo 103, estabelece o rol taxativo de legitimados à propositura de ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade. O inciso IX confere legitimação às confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional. Esta Corte, por diversas vezes, estabeleceu o alcance da expressão “entidade de classe” como aquela em que seus membros estão vinculados por relação econômica ou profissional. No julgamento da ADI 894, ajuizada pela União Nacional dos Estudantes, o relator, ministro Néri da Silveira, com muita propriedade fez a distinção que caracteriza o entendimento da Corte acerca do conceito de classe para efeito de legitimidade ativa a entidades de âmbito nacional. Disse S. Exa.: “No que concerne a ‘entidade de classe’ de âmbito nacional (‘segunda parte”, do inciso IX do art. 103 da Constituição), vem o STF emprestando-lhe compreensão sempre a partir da representação de interesses profissionais definidos. Não se trata, assim, apenas, de classe, no mero sentido de um certo estrato ou segmento da sociedade; cumpre se informe a noção de ‘classe’ de conteúdo, profissional ou econômico, determinado. Assim, têm se admitido como entidade de classe de âmbito nacional a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação Nacional do Ministério Público, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia, associações nacionais de áreas da produção, do comércio e da indústria”. Do mesmo modo, o Ministro Celso de Mello, ao indeferir a inicial da ADI 3.214, afirmou que a noção de classe ”consoante tem ressaltado a jurisprudência desta Suprema Corte, abrange aquelas instituições que são integradas por membros vinculados a estratos sociais, profissionais ou econômicos diversificados, cujos objetivos, individualmente considerados, revelam-se contrastantes (...) (RTJ 141/3-4, Rel. Min. Celso de Mello)”. E continua S. Exa.: “ Na realidade, e tal como os Consultores Tributários (RTJ 147/372), os Teleprodutores Independentes (RTJ 141/3-4 - RTJ 147/3-4), os Engenheiros da Petrobrás (RTJ 156/26), os Ex- -Combatentes do Brasil (ADI 1.090/DF), os Diretores Lojistas (RTJ 150/84), os Engenheiros Agrônomos (ADI 1.771/DF), os Agentes Lotéricos (ADI 731/DF) e os Juízes de Paz (ADI 2.082/ES), também os Vereadores não formam classe alguma, para efeito de ativação da jurisdição constitucional “in abstracto” do Supremo Tribunal Federal”. No mesmo sentido, afirmou a ministra Ellen Gracie ao apreciar a ADI 4.239, DJe 18.05.2009: “Em diversos precedentes, o Supremo Tribunal Federal asseverou que para os efeitos do art. 103, IX, somente se considera entidade de classe aquela que reúne membros que se dedicam a uma só e mesma atividade profissional ou econômica. Confira-se, nesse sentido, a ADI 941, rel. min. Sydney Sanches, DJ 08.04.1994, a ADIU 1.804, rel. min. Ilmar Galvão, DJ 19.06.1998 e a ADI 31, rel. min. Nelson Jobim, DJ de 28.09.2001, dentre outras”. No presente caso, a Convenção de Ministros das Assembléias de Deus Unidas do Ceará - COMADUEC, segundo consta no art. 1º de seu Estatuto, “é uma associação civil de natureza religiosa, sem fins lucrativos e de direito privado”, com atividades em todo o Brasil (fls. 23). Dentre suas finalidades destaco: (i) “promover a união e o intercâmbio das Assembléias de Deus do Brasil”; (ii) “atuar no sentido da manutenção dos princípios morais e espirituais das Assembléias de Deus do Brasil”; (iii) “zelar pela observância da doutrina bíblica, incrementando estudos bíblicos e outros eventos”; (iv) “promover e incentivar a proclamação do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, através da obra missionária”; (v) “promover o desenvolvimento espiritual e cultural das Assembléias de Deus, mantendo a unidade doutrinária”; (vi) “promover a educação em todos os níveis e a assistência filantrópica: criação de colégios para evangélicos, faculdades religiosas, cemitérios para evangélicos (denominados Campo Santo de Salém), como também receber qualquer tipo de doação de bens móveis e imóveis do Estado, da União ou do município, para execuções de trabalhos sociais recíprocos” (fls. 23). Ao comprovar a atuação da entidade em mais de nove Estados da Federação, a requerente apresentou Fichas de Filiação de diversos membros, contendo os dados pessoais e as qualificações de cada um deles. Nesses documentos verifico que os membros da entidade exercem diversas atividades profissionais, as quais estão completamente desvinculadas da função religiosa por eles exercidas no âmbito da entidade requerente. Assim, dentre os integrantes da COMADUEC existem, dentre outros: serralheiro (fls. 77), agente de viagem (fls. 80), cabeleireiro (fls. 83), costureira (fls. 86), professora (fls. 92), mestre de obra (fls. 98), pedreiro (fls. 104) e também aposentados. Como se vê, o liame que une os membros da Convenção de Ministros das Assembléias de Deus Unidas do Ceará - COMADUEC é de natureza estritamente religiosa, não havendo qualquer vinculo de natureza profissional ou econômica entre eles. Nessa ordem de idéias, para os efeitos do art. 103, IX da CF/88, não se pode conceber que cidadãos ligados entre si por vínculo de natureza religiosa constituam uma classe, e, portanto, sua associação nacional possua legitimidade para instaurar a jurisdição constitucional concentrada. Por fim, verifico que a procuração outorgada ao patrono da requerente não contém poderes específicos para impugnar o ato ora atacado. Tendo em vista que a autora não preenche o requisito constitucional da legitimidade ativa para ajuizar a presente ação direta, deixo de determinar a regularização de sua representação processual. Do exposto, com fundamento no art. 21, § 1º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, e tendo em vista a ilegitimidade ativa da requerente, nego seguimento à presente ação direta de inconstitucionalidade. Fica prejudicada a análise do pedido de medida liminar. Publique-se. Brasília, 19 de fevereiro de 2010. Ministro JOAQUIM BARBOSA Relator

Partes

Embte.(s) : União

adv.(a/S) : Advogado-Geral da União

embdo.(a/S) : Maria Rodrigues Vargas e Outro(a/S)

adv.(a/S) : Lino de Carvalho Cavalcante

Publicação

DJe-038 DIVULG 02/03/2010 PUBLIC 03/03/2010

Observação

Legislação Feita por:(Lvr)

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