Decisão nº 1381 de STF. Supremo Tribunal Federal, 18 de Marzo de 2010

Magistrado ResponsávelMin. Joaquim Barbosa
Data da Resolução18 de Marzo de 2010
Tipo de RecursoAção Civel Originária

Desição

DECISÃO: Trata-se de conflito negativo de atribuições suscitado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face do Ministério Público Federal (fls. 151-159). O Juizado Especial Federal Cível de Santo André encaminhou ao Ministério Público Federal cópias dos autos do processo nº 2007.63.17.005261-8, que tramitou naquele Juízo, em virtude da identificação de indícios de que Francisco Donizete Gonçalves Chaves deixou de recolher ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS contribuições previdenciárias que havia descontado do salário de sua empregada doméstica Cinira Barbosa Assunção. O Ministério Público Federal (suscitado) encaminhou os autos ao suscitante, por entender que “eventual apuração penal, deve ser feita pelo Ministério Público Estadual” (fls. 6), uma vez que (1) os “fatos descritos pelo Juízo configuram, em tese, crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, previsto no art. 203 do Código Penal” (fls. 3); (2) “conforme jurisprudência pátria, somente compete à Justiça Federal os crimes contra a organização do trabalho quando versarem sobre direitos coletivos” (fls. 4); e (3) “a partir das informações constantes dos autos, não se verifica indícios de que o empregador ofendeu direitos trabalhistas considerados coletivamente, mesmo porque a segurada que teve seus direitos lesados era empregada doméstica na residência do empregador” (fls. 5). O Ministério Público estadual, por sua vez, suscitou o presente conflito negativo de atribuições em face do Ministério Público Federal, argumentando que a cópia dos autos remetidos pela Justiça Federal ao suscitado, na verdade, noticia “que FRANCISCO DONIZETE GONÇALVES CHAVES deixou de recolher ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS contribuições previdenciárias descontadas do salário de Cinira Barbosa Assunção, no período compreendido entre o dia 13 de janeiro de 2003 e 20 de fevereiro de 2004. O processo foi instruído com cópias da Carteira de Trabalho de Cinira Barbosa Assunção, assinada pelo investigado (fls. 50/53), e dos recibos de fls. 24/36, onde há menção de desconto no salário dela. FRANCISCO foi ouvido (fls. 136/138) e admitiu a relação trabalhista, afirmando, no entanto, que não descontava a previdência, já que entregava o salário bruto para a sua empregada. A conduta se amolda ao disposto no artigo 168-A do Código Penal, porque o investigado teria deixado de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional. A competência para o processo e julgamento dos crimes de apropriação indébita previdenciária é da Justiça Federal (art. 106, IV, da CF), já que o sujeito passivo do crime é a Previdência Social. (...) No caso em análise, o prejuízo do INSS ficou patente, já que o Instituto foi condenado ao pagamento de pensão ao marido de Cinira, sem ter recebido a contribuição previdenciária que lhe era devida” (fls. 151-152). A Procuradoria-Geral da República opinou “pelo conhecimento do conflito para seja reconhecida a atribuição do suscitado para atuar no feito” (fls. 166-169). É o relatório. Decido. Como bem observou a PGR, “4. Extraem-se da sentença exarada pela Vara do Juizado Especial Federal Cível de Santo André/SP os seguintes fatos (fls. 139/142): ‘No mérito, para a concessão da pensão por morte, devem ser preenchidos os requisitos da qualidade de dependente do interessado e de segurado do falecido (...) (...) No caso dos autos, a qualidade de dependente é incontroversa. (...) Resta, pois, analisar a qualidade de segurado de Cinira na data do óbito, visto que o INSS não reconheceu essa condição, na medida em que não tem registro de contribuição no CNIS, salvo uma feita em 12.04.2006. É que o autor apresentou Carteira de Trabalho em que Cinira figura como empregada doméstica de Francisco Donizetti Gonçalves Chaves, no período entre 13.01.03 a 20.02.04 (fls. 38 provas.pdf). Uma vez comprovado esse vínculo, a pensão é devida, na medida em que compete ao empregador doméstico recolher as contribuições devidas pelo empregado, nos termos do art. 30, inciso V, da Lei 8212/91, sem prejuízo da sua própria parcela (12%), ex vi art. 24 da Lei de Custeio. O juízo decidiu por ouvir o empregador, a fim de esclarecer pontos obscuros e assim proferir sentença de forma mais segura. (...) (...) Dos documentos de fls. 10/20 (provas.pdf) vê-se que Francisco pagava um valor bruto para Cinira e faria um desconto, restando um líquido (...). Fazendo-se o cotejo necessário, extrai-se que em boa parte dos recibos o desconto equivale a 7,65%, percentual que coincide com o valor devido a título de contribuição previdenciária a cargo do empregado, a ser recolhida pelo empregador, na época. Logo, ao que tudo indica, as contribuições não entraram no cadastro CNIS, muito embora tivesse a prévia retenção, sem o consequente repasse, não se confirmando também o recolhimento da contribuição prevista no art. 24 da Lei de Custeio. (...) Com o depoimento, a dúvida se esclareceu, firmando-se no sentido de que o autor faz jus ao recebimento de pensão pela morte da esposa, cujas contribuições não tinham sido recolhidas à Previdência, não obstante os recibos de pagamento apontem descontos de 7,65%.’ (Grifou-se) 5. Diante da clareza dos fatos expostos na sentença, tem-se como configurado, a princípio, o crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A do Código Penal, porquanto o empregador, tendo recolhido as contribuições previdenciárias, teria deixado de repassá-las à previdência social. 6. Nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, a competência para processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses das entidades autárquicas da União, in casu, do Instituto Nacional do Seguro Social, é da Justiça Federal, ressalvando-se apenas a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. 7. Limitada tivesse a conduta do empregador à frustração de direito assegurado por lei trabalhista, prescrita no artigo 203 do Código Penal, razão teria o suscitado ao perquirir acerca da qualidade do interesse diretamente envolvido no feito, se coletivo ou meramente individual. Não é, contudo, como já dito, o que ressai da sentença” (fls. 168-169). Entendo que razão assiste à Procuradoria-Geral da República. Os autos evidenciam o cometimento, em tese, do crime de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A), praticado em detrimento de autarquia federal (no caso, o INSS), o que atrai a competência da Justiça Federal, nos termos do disposto no art. 109, IV, da Constituição. Anoto que questões como esta têm sido decididas monocraticamente, conforme se vê, por exemplo, na ACO 1.078, julgada de forma monocrática pelo relator (rel. min. Ricardo Lewandowski), em 22.10.2009. Sendo assim, conheço do conflito de atribuição para declarar ser do Ministério Público Federal a atribuição para o caso, devendo os autos ser remetidos ao suscitado, para as providências que entender cabíveis. Publique-se e intimem-se. Brasília, 18 de março de 2010. Ministro JOAQUIM BARBOSA Relator

Partes

Autor(a/s)(es) : Ministério Público Federal

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral da República

reu(É)(S) : Ministério Público do Estado de São Paulo

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo

Publicação

DJe-055 DIVULG 25/03/2010 PUBLIC 26/03/2010

Observação

Legislação Feita por:(Ojr)

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