Decisão nº 4045 de STF. Supremo Tribunal Federal, 7 de Abril de 2010

Número do processo4045
Data07 Abril 2010

Desição

DECISÃO: Trata-se de pedido de suspensão de segurança, formulado pelo Município de Fortaleza, contra decisão monocrática proferida pelo Desembargador Francisco Lincoln Araújo e Silva, do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, relator do Mandado de Segurança no 2009.0030.5677-0, que concedeu liminar a fim de determinar o fornecimento dos insumos de suplementação alimentar prescritos aos substituídos pelo Ministério Público Estadual. Na origem, o Ministério Público do Estado do Ceará impetrou Mandado de Segurança contra ato omissivo ilegal do Secretário de Saúde do Estado do Ceará e do Secretário de Saúde do Município de Fortaleza, consubstanciado no não fornecimento dos medicamentos necessários ao tratamento das diversas patologias de que são acometidos os substituídos Hamlet Alves Araújo, Pedro Arthur Braga de Souza, Genebal Torres Cavalcante, Maria Batista de Lima e Maria Gomes de Moura (fls. 14-35). Sustentou o direito ao fornecimento dos suplementos alimentares nos artigos 196 e 230 da Constituição Federal e no artigo 248, IV, da Constituição do Estado do Ceará. O Relator do mandado de segurança deferiu o pedido liminar nos seguintes termos: “(...) Com efeito, é evidente que a demora na prestação jurisdicional, cuidando-se da necessidade de tratamento de moléstia grave, dependendo de fornecimento de remédios, pode tornar-se ineficaz. Por certo, os substituídos não suportariam alcançar o desfecho desta impetração sem comprometer as saúdes ou suas vidas. Também a verossimilhança do direito esboçado na inicial é patente, tendo as alegações profundas raízes constitucionais. Ora, a Carta Magna assegura o dever do Estado de promover as ações destinadas a manter a saúde de todos como formar de cumprir o princípio do respeito à dignidade humana, tão exigido pela doutrina e pela jurisprudência do país. Cito o art.196, da CF: Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Diante destas circunstâncias, defiro a medida pleiteada, determinando o imediato fornecimento dos medicamentos necessários ao tratamento dos substituídos conforme descrição exposta na relação acostada à inicial. ”(fls. 79-80) Contra esta decisão, o Município de Fortaleza ajuíza pedido de Suspensão de Segurança junto a esta Suprema Corte, alegando, em síntese, grave lesão à ordem e à economia públicas. Afirma-se, ainda, a possibilidade de ocorrência do denominado “efeito multiplicador” (fls. 10-11). O requerente sustenta que a decisão impugnada viola a ordem administrativa, tendo em vista que o Sistema Único de Saúde “não reservou aos municípios o dever de garantir o acesso da população à assistência farmacêutica de caráter especial, excepcional e/ou de alto custo”. Acrescenta que “tal incumbência foi atribuída, solidária e conjuntamente, à União e aos Estados” , nos termos do art. 198 da CF/88 e do art. 8º da Lei 8.080/90 (fl. 05). Quanto ao argumento de grave lesão à economia pública, afirma que o fornecimento de medicamentos básicos, inserido na esfera de responsabilidades municipais, restará comprometido (fls. 06-12). Decido. A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão (Leis n.os 12.016/09, 8.437/92, 9.494/97 e art. 297 do RI-STF) permite que a Presidência do Supremo Tribunal Federal, a fim de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspenda a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão travada na origem for de índole constitucional. Assim, é a natureza constitucional da controvérsia que justifica a competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar o pedido de contracautela, conforme a pacificada jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: RCL-AgR no 497/RS, Rel. Carlos Velloso, Plenário, maioria, DJ 6.4.2001; SS-AgR no 2.187/SC, Rel. Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS no 2.465/SC, Rel. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004. No presente caso, reconheço que a controvérsia instaurada na ação em apreço evidencia a existência de matéria constitucional: alegação de ofensa aos art. 196, 198 e 230 da Constituição. Destaco que a suspensão da execução de ato judicial constitui medida excepcional, a ser deferida, caso a caso, somente quando atendidos os requisitos autorizadores (grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas). Neste sentido, confira-se trecho de decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie no julgamento da STA no 138/RN: “[...] os pedidos de contracautela formulados em situações como a que ensejou a antecipação da tutela ora impugnada devem ser analisados, caso a caso, de forma concreta, e não de forma abstrata e genérica, certo, ainda, que as decisões proferidas em pedido de suspensão se restringem ao caso específico analisado, não se estendendo os seus efeitos e as suas razões a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual” – (STA no 138/RN, Presidente Min. Ellen Gracie, DJ 19.9.2007). Ressalte-se, não obstante, que, na análise do pedido de suspensão de decisão judicial, não é vedado ao Presidente do Supremo Tribunal Federal proferir um juízo mínimo de delibação a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal, conforme tem entendido a jurisprudência desta Corte, da qual se destacam os seguintes julgados: SS-AgR no 846/DF, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ 8.11.1996 e SS-AgR no 1.272/RJ, Rel. Carlos Velloso, DJ 18.5.2001. O art. 15 da Lei no 12.016/2009 autoriza o deferimento do pedido de suspensão da execução de segurança concedida nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. A decisão liminar que o Município de Fortaleza busca suspender, ao determinar que os impetrados fornecessem os insumos constantes das prescrições acostadas nos autos, fundamentou-se na aplicação imediata do direito fundamental social à saúde. O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) “direito de todos” e (2) “dever do Estado”, (3) garantido mediante “políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos”, (5) regido pelo princípio do “acesso universal e igualitário” (6) “às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição. Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica. Tais teses buscam definir se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial. O fato é que a judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania e para a realização do direito à saúde, por outro as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e além das possibilidades orçamentárias. Em 5 de março de 2009, convoquei Audiência Pública em razão dos diversos pedidos de suspensão de segurança, de suspensão de tutela antecipada e de suspensão de liminar em trâmite no âmbito desta Presidência, com vistas a suspender a execução de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento das mais variadas prestações de saúde (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses; criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação de servidores de saúde; realização de cirurgias e exames; custeio de tratamento fora do domicílio, inclusive no exterior, entre outros). Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, entendo ser necessário redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas. Esse dado pode ser importante para a construção de um critério ou parâmetro para a decisão em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder Judiciário na esfera dos outros Poderes. O primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente. Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensação. Não raro, busca-se no Poder Judiciário a condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde não registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Como ficou claro nos depoimentos prestados na Audiência Pública, é vedado à Administração Pública fornecer fármaco que não possua registro na ANVISA. A Lei Federal n.º 6.360/76, ao dispor sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, determina em seu artigo 12 que “nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”. O artigo 16 da referida Lei estabelece os requisitos para a obtenção do registro, entre eles, que o produto seja reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe. O Art. 18 ainda determina que, em se tratando de medicamento de procedência estrangeira, deverá ser comprovada a existência de registro válido no país de origem. O registro de medicamento, como lembrado pelo Procurador-Geral da República, é uma garantia à saúde pública. E, como ressaltou o Diretor-Presidente da ANVISA, a agência, por força da lei de sua criação, também realiza a regulação econômica dos fármacos. Após verificar a eficácia, segurança e qualidade do produto e conceder o registro, a ANVISA passa a analisar a fixação do preço definido, levando em consideração o benefício clínico e o custo do tratamento. Havendo produto assemelhado, se o novo medicamento não trouxer benefício adicional, não poderá custar mais caro do que o medicamento já existente com a mesma indicação. Por tudo isso, o registro na ANVISA mostra-se como condição necessária para atestar a segurança e o benefício do produto, sendo a primeira condição para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação. Claro que essa não é uma regra absoluta. Em casos excepcionais, a importação de medicamento não registrado poderá ser autorizada pela ANVISA. A Lei n.º 9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), permite que a Agência dispense de “registro” medicamentos adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo Ministério da Saúde. O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. Há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão. Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações distintas: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia. A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da “Medicina com base em evidências”. Com isso, adotaram-se os “Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas”, que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial. Situação diferente é a que envolve a inexistência de tratamento na rede pública. Nesses casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro. Os tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia) são realizados por laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas. A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los. Como esclarecido pelo Médico Paulo Hoff na Audiência Pública realizada, Diretor Clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, essas drogas não podem ser compradas em nenhum país, porque nunca foram aprovadas ou avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido, não sendo possível obrigar o SUS a custeá-las. No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clínico, mesmo após seu término. Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente acompanhável pela burocracia administrativa. Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada. Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar. Portanto, independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde. Dos documentos acostados aos autos, ressalto os seguintes dados fáticos como imprescindíveis para a análise do pleito: a) Hamlet Alves Araújo, 32 anos, é portador de seqüela de traumatismo raquimedular com tetraplegia, apresentando úlcera por pressão em região sacra e diagnósticos associados de bexiga e intestino neurogênicos, espasticidade em membros inferiores e dor neuropática. Necessita utilizar alimentação enteral, composta por glutamina, probióticos, prebióticos (Lactofos) e suplemento específico para tratamento de úlcera por pressão (Cubitan), com previsão de consumo para 30 dias (fls. 39-43); b) Pedro Arthur Braga de Souza, 1 ano, é portador de intolerância a leite de vaca, necessitando fazer uso de Aptamil soja 2, por tempo indeterminado (fls. 47-50); c) Genebal Torres Cavalcante, 80 anos, é portadora de meta óssea, em tratamento radioterápico e risco nutricional associado à doença neoplásica. Necessita de terapia nutricional hipercalórica, hiperprotéica, enriquecida com ácido graxo eicosapentaenóico (EPA). Foi indicado o uso do produto Forticare (2 caixas ao dia) (fls. 55-56); d) Maria Batista de Lima, 77 anos, alimenta-se por via enteral, necessitando dos insumos Nutrison Standard, frascos, equipos e seringas (fls. 60-64); e) Maria Gomes de Moura, 92 anos, é portadora da Doença de Alzheimer, encontrando-se acamada e alimentando-se por via enteral, por gastrostomia exclusiva e de uso contínuo. Necessita mensalmente de 45 litros de Nutrison Energy Plus, 180 frascos de Enterofix, 30 unidades de equipos para alimentação enteral e 15 unidades de seringas descartáveis de 20 ml sem agulha (fls. 68-73); f) a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza informou, em audiências realizadas na Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Pública, que depende da realização de procedimento licitatório para o fornecimento das alimentações especiais e insumos requeridos (fls. 44, 52, 58, 65 e 74). g) a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará não compareceu às audiências relativas aos casos dos pacientes Hamlet Alves Araújo, Pedro Arthur Braga de Souza e Genebal Torres Cavalcante (fls. 44, 51, 57). Nas audiências referentes aos casos das pacientes Maria Batista de Lima e Maria Gomes de Moura, sustentou a ausência de disponibilidade orçamentária para ultimar as providências requeridas e que os benefícios solicitados não fazem parte do Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde (fls. 66 e 74). h) segundo atestado pelo Ministério Público do Estado do Ceará, os substituídos não têm condições de arcar com custo do tratamento respectivo, uma vez que tais insumos são de custo elevado e não suportável por todos (fl. 17). O argumento central apontado pelo Município de Fortaleza reside na ausência de obrigação legal para o fornecimento da prestação de saúde requerida, que seria de responsabilidade do Estado do Ceará e da União. No RE 195.192-3/RS, a 2ª Turma deste Supremo Tribunal consignou o entendimento segundo o qual a responsabilidade pelas ações e serviços de saúde é da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. Nesse sentido, o acórdão restou assim ementado: “SAÚDE – AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.” (RE 195.192-3/RS, 2ª Turma, Ministro Marco Aurélio, DJ 22.02.2000). Em sentido idêntico, no RE-AgR 255.627-1, o Ministro Nelson Jobim afastou a alegação do Município de Porto Alegre de que não seria responsável pelos serviços de saúde de alto custo. O Ministro Nelson Jobim, amparado no precedente do RE 280.642, no qual a 2ª Turma havia decidido questão idêntica, negou provimento ao Agravo Regimental do Município: “(...) A referência, contida no preceito, a “Estado” mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do artigo n.º 195, com recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz, a descentralização das ações e serviços públicos de saúde que devem integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da atividade, afigura-se como fato incontroverso, porquanto registrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no sentido da obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O município de Porto Alegre surge com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do Sistema Único de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado no acórdão, a falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição não impede fique assentada a responsabilidade do Município. (...)” (RE-AgR 255.627-1/RS, 2ª Turma, Ministro Nelson Jobim, DJ 21.11.2000) Assim, apesar da responsabilidade dos entes da federação em matéria de direito à saúde suscitar questões delicadas, a decisão impugnada, ao determinar a responsabilidade do Município no fornecimento do tratamento pretendido, segue as normas constitucionais que fixaram a competência comum (art. 23, II, da CF), a Lei Federal n.º 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência desta Corte. Entendo, pois, que a determinação para que o Município de Fortaleza arque com as despesas do tratamento não configura grave lesão à ordem pública. Registre-se que a Lei Federal n.º 6.360/76, ao dispor sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e Correlatos, determina em seu artigo 12 que “nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”. Em consulta ao sítio da ANVISA, é possível verificar que o suplemento alimentar Cubitan, produzido pela empresa Support Produtos Nutricionais Ltda., está registrado sob os n.os 411200093 (sabor morango), 411200091 (sabor baunilha) e 411200092 (sabor chocolate), todos válidos até 12/2010. Também no sítio da ANVISA é possível verificar que há vários produtos que contêm o aminoácido glutamina registrados na Agência Reguladora, na categoria de alimentos para nutrição enteral, o que atesta sua segurança para o consumo. Por fim, é possível verificar que os insumos Aptamil (registro n.º 411200184 – validade 02/2015), Nutrison Standard (registro n.º 411200056 – validade 03/2010; Nutrison Energy Plus (registro n.º 411200072 – validade 04/2010) e Forticare (registro n.º 411200122 – validade 01/2012) estão registrados na Agência Reguladora, o que atesta sua segurança para o consumo. Assim, a decisão objeto do pedido de suspensão, ao determinar o fornecimento dos suplementos alimentares prescritos, decidiu pelo fornecimento de insumos registrados na ANVISA, mas não fornecidos pelo SUS. A Portaria n.º 3916, de 30 de outubro de 1998, dispõe sobre a Política Nacional de Medicamentos, estabelecendo diretrizes para a instituição de relação de medicamentos essenciais (RENAME), a regulamentação sanitária de medicamentos, a reorientação da assistência farmacêutica, a promoção da pesquisa e da produção de medicamentos, entre outras. A assistência farmacêutica (Resolução n.º 338/2004 do Conselho Nacional de Saúde), uma dentre as várias prestações de saúde que compõem o sistema brasileiro, abrange políticas econômicas que visam reduzir os preços dos medicamentos (programas como “Farmácia Popular”, “Medicamento Genérico” e “Uso Racional de Medicamentos”) e políticas sociais que garantam o fornecimento gratuito de medicamentos à população por meio de três programas básicos (“Medicamentos básicos”, “Medicamentos estratégicos” e “Medicamentos excepcionais”). O Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional, iniciado em 1982, é responsável por disponibilizar medicamentos para o tratamento de doenças específicas, que atingem um número limitado de pacientes, com custos elevados e utilizados, normalmente, por períodos prolongados. O Programa é regulado pela Portaria n.º 152/GM-2006, que define como critérios para o fornecimento a existência de registro do medicamento, a indicação terapêutica requerida e a definição de preço junto ao órgão regulador. A Portaria n.º 1.869/GM, de 4 de setembro de 2008, que substitui a Portaria n.º 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006, estabelece os procedimentos e os valores abrangidos pela política de medicamentos de dispensação excepcional do SUS. Na hipótese dos autos, embora registrados na ANVISA, alguns insumos e medicamentos requeridos não seriam fornecidos pelo Sistema Único de Saúde no Estado do Ceará e no Município de Fortaleza ou estariam em processo de regularização em suas políticas de dispensação, conforme se verifica dos termos de audiência constantes dos autos. Entretanto, não constar entre os medicamentos listados pelas Portarias do SUS, por si só, não é motivo para o seu não fornecimento, visto que a Política de Assistência Farmacêutica visa contemplar justamente a integralidade das políticas de saúde a todos os usuários do sistema. Nesse sentido, os documentos juntados pelo Ministério Público do Estado do Ceará comprovam que os pacientes, em razão das patologias de que são acometidos, necessitam, com urgência, dos suplementos alimentares na forma prescrita pelos profissionais de saúde regularmente habilitados (fls. 43, 55-56, 64, 72-73). A Constituição indica de forma clara os valores a serem priorizados, corroborada pelo disposto nas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90. Tais determinações devem ser seriamente consideradas quando da formulação orçamentária, pois representam comandos vinculativos para o poder público. Além disso, o Município de Fortaleza, apesar de alegar grave lesão à economia pública, não comprova a ocorrência concreta de dano aos cofres municipais, limitando-se a sustentar que os insumos devem ser fornecidos pelo Estado do Ceará ou pela União e que as decisões judiciais, nesses casos, violam o art. 8º da Lei n.º 8.080/90. Neste ponto, o pedido formulado tem nítida natureza de recurso, sendo entendimento assente desta Corte que a via da suspensão não é sucedâneo recursal, como destacam os seguintes julgados: SL 14/MG, rel. Maurício Corrêa, DJ 03.10.2003; SL 80/SP, rel. Nelson Jobim, DJ 19.10.2005; 56-AgR/DF, rel. Ellen Gracie, DJ 23.6.2006. Inocorrentes os pressupostos contidos no art. 15 da Lei no 12.016/2009, verifico que a ausência dos insumos alimentares solicitados poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e à vida dos pacientes (dano inverso). Quanto à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, destaco a ementa da decisão proferida na ADPF-MC 45/DF, relator Celso de Mello, DJ 29.4.2004: “EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁCTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).” Nesse sentido é a lição de Christian Courtis e Victor Abramovich (ABRAMOVICH, Victor; COURTS, Christian, Los derechos sociales como derechos exigibles, Trotta, 2004, p. 251): “Por ello, el Poder Judicial no tiene la tarea de diseñar políticas públicas, sino la de confrontar el diseño de políticas asumidas con los estándares jurídicos aplicables y – en caso de hallar divergencias – reenviar la cuestión a los poderes pertinentes para que ellos reaccionen ajustando su actividad en consecuencia. Cuando las normas constitucionales o legales fijen pautas para el diseño de políticas públicas y los poderes respectivos no hayan adoptado ninguna medida, corresponderá al Poder Judicial reprochar esa omisión y reenviarles la cuestión para que elaboren alguna medida. Esta dimensión de la actuación judicial puede ser conceptualizada como la participación en un > entre los distintos poderes del Estado para la concreción del programa jurídico-político establecido por la constitución o por los pactos de derechos humanos.” (sem grifo no original) Portanto, não é possível vislumbrar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas a ensejar a adoção da medida excepcional de suspensão dos efeitos da decisão concessiva da liminar. Acrescente-se, ainda, que em 17.03.2010 o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, negou provimento a nove agravos regimentais interpostos contra decisões da Presidência desta Corte, para manter determinações judiciais que ordenavam ao Poder Público fornecer remédios de alto custo ou tratamentos não oferecidos pelo Sistema único de Saúde (SUS) a pacientes portadores de doenças graves, em situações semelhantes a dos presentes autos, o que reforça o posicionamento ora adotado. (STA-AgR 175 - apenso STA-AgR 178; SS-AgR 3724; SS-AgR 2944; SL-AgR 47; STA-AgR 278; SS-AgR 2361; SS-AgR 3345; SS-AgR 3355, Tribunal Pleno, de minha Relatoria). Ante o exposto, indefiro o pedido de suspensão . Publique-se. Brasília, 7 de abril de 20 10 . Ministro GILMAR MENDES Presidente

Partes

Pacte.(s) : Paulo Vinicius Lopes Prestes

impte.(S) : Edmilson Pacher Martins

coator(a/S)(Es) : Juiz de Direito da Comarca de Guarulhos

Publicação

DJe-066 DIVULG 14/04/2010 PUBLIC 15/04/2010

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