Acórdão nº 2008/0283243-0 de T3 - TERCEIRA TURMA

Data20 Abril 2010
Número do processo2008/0283243-0
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.107.192 - PR (2008/0283243-0)

RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
RECORRENTE : L L N
ADVOGADO : CLAUDIO NUNES DO NASCIMENTO E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RECORRIDO : C DE S F M G E OUTROS
ADVOGADO : LUIZ ANTÔNIO SAMPAIO GOUVEIA
ASSISTENTE : M C
ADVOGADO : LUIZ ANTÔNIO SAMPAIO GOUVEIA E OUTRO(S)
INTERES. : C A N M G E OUTROS

EMENTA

Direito civil. FamÃlia. Paralelismo de uniões afetivas. Recurso especial. Ação de reconhecimento de união estável post mortem e sua consequente dissolução. Concomitância de casamento válido. Peculiaridades.

- Ainda que a coabitação não constitua requisito essencial para o reconhecimento de união estável, sua configuração representa dado relevante para se determinar a intenção de construir uma famÃlia, devendo a análise, em processos dessa natureza, centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a fidelidade, a continuidade da união, entre outros, nos quais se inclui a habitação comum.

- Nos termos do art. 1.571, § 1º, do CC/02, que referendou a doutrina e a jurisprudência existentes sob a vigência da legislação civil anterior, o casamento válido não se dissolve pela separação judicial; apenas pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio. Por isso mesmo, na hipótese de separação judicial, basta que os cônjuges formulem pedido para retornar ao status de casados. Já, quando divorciados, para retornarem ao status quo ante, deverão contrair novas núpcias.

- A ausência de comprovação da posse do estado de casados, vale dizer, na dicção do acórdão recorrido, a ausência de prova da intenção do falecido de com a recorrente constituir uma famÃlia, com aparência de casamento, está intimamente atrelada ao fato de que, muito embora separados judicialmente, houve a continuidade da relação marital entre o falecido e sua primeira mulher, que perdurou por mais de cinquenta anos e teve seu término apenas com a morte do cônjuge varão, o que vem referendar a questão de que não houve dissolução do casamento válido.

- Considerada a imutabilidade, na via especial, da base fática tal como estabelecida no acórdão recorrido, constando expressamente que muito embora tenha o falecido se relacionado com a recorrente por longo perÃodo - 30 anos - com prole comum, em nenhum momento o cônjuge varão deixou a mulher, ainda que separados judicialmente - mas não de fato -, o que confirma o paralelismo das relações afetivas mantidas pelo falecido, deve ser confirmado o quanto decidido pelo TJ/PR, que, rente aos fatos, rente à vida, verificou a ausência de comprovação de requisitos para a configuração da união estável, em especial, a posse do estado de casados.

- Os arranjos familiares, concernentes à intimidade e à vida privada do casal, não devem ser esquadrinhados pelo Direito, em hipóteses não contempladas pelas exceções legais, o que violaria direitos fundamentais enfeixados no art. 5º, inc. X, da CF/88 - o direito à reserva da intimidade assim como o da vida privada -, no intuito de impedir que se torne de conhecimento geral a esfera mais interna, de âmbito intangÃvel da liberdade humana, nesta delicada área de manifestação existencial do ser humano.

- Deve o juiz, ao analisar as lides de famÃlia que apresentam paralelismo afetivo, de acordo com as peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princÃpio da eticidade.

Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, por maioria, negar provimento ao recurso especial. Vencido o Sr. Ministro-Relator Massami Uyeda, que dava provimento ao recurso. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Sidnei Beneti, V.D.G. e Paulo Furtado. Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

BrasÃlia (DF), 20 de abril de 2010(Data do Julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.107.192 - PR (2008/0283243-0)

RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
RECORRENTE : L L N
ADVOGADO : CLAUDIO NUNES DO NASCIMENTO E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RECORRIDO : C DE S F M G E OUTROS
ADVOGADO : LUIZ ANTÔNIO SAMPAIO GOUVEIA
INTERES. : C A N M G E OUTROS

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por L. L. N., fundamentado no artigo 105, inciso III, alÃneas "a" e "c", da Constituição Federal, em que se alega violação do artigo 1º da Lei n. 9.278/96, além de dissenso jurisprudencial.

Subjaz ao presente recurso especial, ação declaratória de existência de união estável, bem como a extinção da referida relação (em virtude da morte de O. M. G.), promovida por L. L. N. (ora recorrente) em face de C. de S. F. M. G. e Outros (M. de S. F. M. G. e L. F. de S. F. M. G. - netos do de cujus).

A petição inicial encontra-se estribada na alegação de que, pelo lapso de trinta anos ininterruptos (de 1970 a março de 2000, data do falecimento de O. M. G., portanto), a autora da ação, L. L. N., manteve relacionamento estável, público e harmonioso com O. M. G., do qual, inclusive, advieram quatro filhos, constituindo assim, nos termos da Constituição Federal de 1988, verdadeira entidade familiar. Referida união estável, nos termos da peça vestibular, encontra-se devidamente caracterizada, não sendo óbice, para tal, o estado de casado de seu companheiro, O. M. G., na medida em que este se encontrava separado judicialmente desde janeiro de 1983 (fls. 02/10).

A pretensão constante da inicial foi integralmente impugnada por C. de S. F. M. G. e Outros, ora recorridos, ao argumento de que a relação mantida entre O. M. G. e a autora da ação, L. L. N., tinha natureza concubinária, na medida em que O. M. G. e sua cônjuge, Maria Camargo, mesmo após a homologação da separação judicial, continuaram, de fato, casados, convivendo e vivenciando a vida conjugal sob o mesmo teto, por cinqüenta anos ininterruptos (fls. 155/166).

O r. JuÃzo de Direito da 1ª Vara de FamÃlia e Anexos da Comarca de Londrina/Paraná, após reconhecer que o relacionamento sub judice era público, duradouro, contÃnuo e voltado à constituição da famÃlia (requisito reconhecido pelos familiares do de cujus, bem como ratificado pelo próprio, em outras ações judiciais - de alimentos), e assentar que a inexistência de coabitação, por si só, não tem o condão de afastar a caracterização da união estável, julgou a demanda procedente, para reconhecer a constituição de união estável, bem como sua dissolução, em razão do falecimento do companheiro da autora, O. M. G..

Irresignados, os ora recorridos, C. de S. F. M. G. e Outros, bem como o Ministério Público Estadual interpuseram recurso de apelação, aos quais o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná conferiu provimento, em acórdão assim ementado:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO JULGADA PROCEDENTE - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA - RELACIONAMENTO PÚBLICO E DURADOURO COMPROVADO, MAS NÃO PROTEGIDO PELO DIREITO POR NÃO TER APARÊNCIA DE CASAMENTO - DE CUJUS QUE MESMO ESTANDO SEPARADO JUDICIALMENTE NUNCA DEIXOU DE RESIDIR COM SUA EX-ESPOSA, NEM REQUEREU O DIVÓRCIO, DEIXANDO TRANSPARECER A MANUTENÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL ATÉ A DATA DE SEU ÓBITO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA AFFECTIO MARITALIS - SENTENÇA REFORMADA - AÇÃO IMPROCEDENTE - INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS - RECURSOS PROVIDOS.

No caso versado nos autos, é certo que a Autora e o falecido mantiveram relacionamento amoroso público e duradouro. Contudo, durante todo esse perÃodo, o de cujus não deixou a companhia de sua ex-esposa, de quem já havia se separado judicialmente, ficando evidente que não houve vida 'more uxorio' entre os concubinos, donde se conclui que a autora manteve com o de cujus apenas um relacionamento amoroso prolongado que, não obstante ter resultado em 04 filhos, não tinha aparência de casamento" (fls. 583/584)

Decisum, que remanesceu inalterado ante a rejeição dos embargos de declaração opostos (fls. 614/619 e 679/685).

Busca a recorrente a reforma do r. decisum, sustentando, em sÃntese, que, de acordo com os elementos fáticos assentados pelas Instâncias ordinárias, conclui-se que o relacionamento que manteve com o falecido O. M. G., duradouro, público e contÃnuo, efetivamente constituiu-se em entidade familiar, "a menos que o nascimento, reconhecimento, criação e educação de quatro filhos não seja constituição de famÃlia". Por fim, aponta a existência de dissenso jurisprudencial acerca da matéria suscitada.

O Ministério Público Federal ofertou parecer no sentido de não conhecer do apelo nobre ou não lhe conferir provimento (fls. 913/919).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.107.192 - PR (2008/0283243-0)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL - DE CUJUS, SEPARADO JUDICIALMENTE, QUE PERMANECEU NA MESMA RESIDÊNCIA QUE A EX-ESPOSA E QUE CONSTITUIU COM OUTREM RELAÇÃO DURADOURA (POR TRINTA ANOS, ININTERRUPTOS) E PÚBLICA, DA QUAL ADVIERAM QUATRO FILHOS - INEXISTÊNCIA DA 'AFFECTIO MARITALIS' ENTRE OS ENTÃO CÔNJUGES, SEPARADOS JUDICIALMENTE E DE FATO - COABITAÇÃO - IRRELEVÂNCIA - UNIÃO ESTÁVEL - RECONHECIMENTO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

I - à absolutamente factÃvel a possibilidade de se constituir uma relação duradoura, contÃnua e pública, com intenção de formar famÃlia...

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