Acórdão nº 2008/0279520-5 de T5 - QUINTA TURMA

Data02 Setembro 2010
Número do processo2008/0279520-5
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.107.171 - MG (2008⁄0279520-5)

RELATOR : MINISTRO FELIX FISCHER
RECORRENTE : C.D.S.S.
ADVOGADO : PAULA REGINA FONTE BOA PINTO - DEFENSORA PÚBLICA
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

EMENTA

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 12, CAPUT, DA LEI Nº 6.368⁄76 (ANTIGA LEI DE TÓXICOS). APLICAÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343⁄2006. VEDAÇÃO À COMBINAÇÃO DE LEIS. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA (ART. 5º, INCISO XL DA CF⁄88) QUE IMPÕE O EXAME, NO CASO CONCRETO, DE QUAL DIPLOMA LEGAL, EM SUA INTEGRALIDADE, É MAIS FAVORÁVEL À RECORRENTE. CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. FATO ANTERIOR À LEI 11.464⁄07. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072⁄90, DECLARADA PELO STF. AUSÊNCIA DE REINCIDÊNCIA. PENA INFERIOR A 04 (QUATRO) ANOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. REGIME ABERTO. POSSIBILIDADE.

I - A Constituição Federal reconhece, no art. 5º, inciso XL, como garantia fundamental, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. Desse modo, o advento de lei penal mais favorável ao acusado impõe sua imediata aplicação, mesmo após o trânsito em julgado da condenação.

II - A norma inserta no art. 33, § 4º da Lei n.º 11.343⁄06 inovou no ordenamento jurídico pátrio ao prever uma causa de diminuição de pena em favor dos condenados pelo delito de tráfico ilícito de entorpecentes.

III - Não obstante tratar-se de norma penal mais benéfica, não há que se admitir sua aplicação em combinação ao conteúdo do preceito secundário do tipo referente ao tráfico na antiga lei (art. 12 da Lei nº 6.368⁄76) gerando, daí, uma terceira norma não prevista pelo legislador.

IV - Portanto, a aplicação da referida minorante, inexoravelmente, deve incidir tão somente em relação à pena prevista no caput do artigo 33 da Lei nº 11.343⁄06.

V - Em homenagem ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica deve-se, caso a caso, verificar qual a situação mais vantajosa ao condenado: se a aplicação das penas insertas na antiga lei - em que a pena mínima é mais baixa - ou a aplicação da nova lei, na qual há a possibilidade de incidência da causa de diminuição. Contudo, jamais a combinação dos textos legais.

VI - A vedação à combinação de leis é sufragada por abalizada doutrina. No âmbito nacional: N.H., A.B. e H.C.F. Dentre os estrangeiros: Jiménez de Asúa, S.S., Reinhart Maurach, Edgardo Alberto Donna, Gonzalo Quintero Olivares, Francisco Muños Conde, Diego-Manuel Luzón Peña, Guillermo Fierro, José Cerezo Mir, G.M. daS. e A.G.-Pablos deM.

VII - No caso concreto, não é possível concluir, no bojo do writ, se seria mais vantajoso à recorrente a aplicação integral da Lei 11.343⁄2006 (incluído o quantum mínimo e a minorante no percentual máximo) ou, ao revés, da Lei 6.368⁄76 (antiga Lei de Tóxicos) com a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

VIII - Lado outro, o c. Pretório Excelso, nos termos da decisão Plenária proferida por ocasião do julgamento do HC 82.959⁄SP, concluiu que o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072⁄90 é inconstitucional.

IX - Assim, os condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados, não alcançados pela vigência da Lei nº 11.464⁄07, poderão iniciar o cumprimento da pena em regime diverso do fechado.

X - Na hipótese dos autos, uma vez atendidos os requisitos constantes do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, c⁄c art. 59 do Código Penal, quais sejam, a ausência de reincidência, a condenação por um período igual ou inferior a 4 (quatro) anos e a existência de circunstâncias judiciais favoráveis, deve a recorrente cumprir a pena privativa de liberdade no regime prisional aberto (Precedentes).

Recurso especial parcialmente provido para, reconhecida a vedação à combinação de leis, o Juízo da Vara de Execuções analise qual lei apresenta-se mais favorável à recorrente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 02 de setembro de 2010 (Data do Julgamento).

MINISTRO FELIX FISCHER

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 1.107.171 - MG (2008⁄0279520-5)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Trata-se de recurso especial interposto por C.D.S.S., com fulcro no art. 105, III, alíneas a e c, da Constituição Federal, em face de v. acórdão proferido pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, nos autos da Apelação Criminal n.º 1.0558.06.000819-7⁄001.

Depreende-se dos autos que a recorrente foi condenada como incursa nas sanções do art. 12, caput, da Lei n.° 6.368⁄76, à pena de 3 (três) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, e ao pagamento de 50 (cinquenta) dias-multa.

Irresignada, apelou a defesa. O e. Tribunal a quo, à unanimidade, deu parcial provimento ao recurso. Eis a ementa do v. acórdão:

"TÓXICOS - TRÁFICO - PROVA - CONDENAÇÃO - PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - SUBSTITUIÇÃO DA PENA - POSSIBILIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - Se as provas constantes dos autos são suficientes para comprovar uma das condutas tipificadas no art.12 da Lei nº 6.368⁄76, não há que se falar em desclassificação. - A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, mesmo quando se trata de crime de tráfico de entorpecentes, é possível, se presentes os requisitos do art. 44 do CP." (Fl. 205).

Opostos embargos de declaração pela defesa, foram rejeitados, nos termos da seguinte ementa:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - TRÁFICO - PENA APLICADA COM BASE NA LEI Nº 6.368⁄76 - REDUÇÃO COM BASE EM DISPOSITIVO DA NOVA LEI DE TÓXICOS - IMPOSSIBILIDADE - MISTURA DE LEIS - INADMISSIBILIDADE - OMISSÃO - CONTRADIÇÃO - AUSÊNCIA - EMBARGOS REJEITADOS - Se a Lei nº 6.368⁄76 se mostra mais favorável ao réu, é ela que a ele se deve aplicar, em sua integralidade, sendo de todo inadmissível a mistura de leis. - Devem ser rejeitados os embargos opostos contra acórdão que não contenha qualquer omissão ou contradição a ser sanada." (Fl. 220).

Daí o presente apelo nobre, no qual alega a recorrente, além de divergência jurisprudencial, contrariedade aos seguintes dispositivos legais: a) art. 33, § 4º, da Lei 11.343⁄06, ao argumento de que a recorrente faz jus à aplicação retroativa da minorante prevista no mencionado § 4º do art. 33 da Lei 11.343⁄06; e b) art. 33, § 2º, "c", do Código Penal, ao fundamento de que tem direito de iniciar o cumprimento de sua pena em regime aberto.

Requer, assim, o provimento do recurso especial para que seja aplicada a minorante prevista no art. 33, § 4°, da Lei n° 11.343⁄06 e para que seja fixado o regime aberto para início de cumprimento da pena imposta à recorrente.

Contrarrazões apresentadas às fls. 274⁄278.

Admitido o recurso na origem (fls. 280⁄283), ascenderam os autos a esta Corte.

A douta Subprocuradoria-Geral da República, às fls. 291⁄302, manifestou-se pelo parcial provimento do recurso, em parecer assim ementado:

"TRÁFICO DE SUBSTÂNCIA PSICOTÓXICA - CAUSA DE REDUÇÃO DA PENA (ART. 33, § 4º DA LEI N. 11.343⁄06) - TEXTO LEGAL MISTO: IMPOSSIBILIDADE DE CISÃO PARA APLICAR APENAS A NORMA BENÉFICA

O art. 33, caput, e § 4º da Lei nº 11.343⁄06 contém duas normas articuladas: uma eleva a pena mínima relativamente àquela prevista na lei anterior (Lei nº 6.368⁄76); outra permite a redução dessa pena. Assim, uma norma não pode ser aplicada sem que a outra também o seja. A aplicação de apenas uma dessas normas constituiria uma terceira solução, não prevista na lei (jurisprudência do STF e do STJ).

CRIME HEDIONDO - TRÁFICO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA - PENA RESTRITIVA DE DIREITOS SÚMULA VINCULANTE Nº 26

1) Com a edição da Súmula Vinculante n. 26 pelo STF ficou superada a questão formal relativamente à ausência de declaração de inconstitucionalidade da norma que vedava a progressão de regime, contida no art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072⁄90 pelo Senado Federal (art. 52, X, da CF).

2) Consequentemente, na hipótese de o crime ter sido praticado antes da entrada em vigência da Lei nº 11.464⁄07, aplica-se-lhe a norma prevista no art. 112 da LEP, que é mais benéfica.

3) Admitido o início do cumprimento da pena em regime aberto, e tendo o fato ocorrido antes da entrada em vigor da Lei 11.343⁄06, fica também superado o óbice para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Parecer no sentido de que seja dado parcial provimento ao recurso, para estabelecer o regime aberto para início de cumprimento da pena." (Fl. 291).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.107.171 - MG (2008⁄0279520-5)

EMENTA

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 12, CAPUT, DA LEI Nº 6.368⁄76 (ANTIGA LEI DE TÓXICOS). APLICAÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343⁄2006. VEDAÇÃO À COMBINAÇÃO DE LEIS. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA (ART. 5º, INCISO XL DA CF⁄88) QUE IMPÕE O EXAME, NO CASO CONCRETO, DE QUAL DIPLOMA LEGAL, EM SUA INTEGRALIDADE, É MAIS FAVORÁVEL À RECORRENTE. CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. FATO ANTERIOR À LEI 11.464⁄07. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072⁄90, DECLARADA PELO STF. AUSÊNCIA DE REINCIDÊNCIA. PENA INFERIOR A 04 (QUATRO) ANOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. REGIME ABERTO. POSSIBILIDADE.

I - A Constituição Federal reconhece, no art. 5º, inciso XL, como garantia fundamental, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. Desse modo, o advento de lei penal mais favorável ao acusado impõe sua imediata aplicação, mesmo após o trânsito em julgado da condenação.

II - A norma inserta no art. 33, § 4º da Lei n.º 11.343⁄06 inovou no ordenamento jurídico pátrio ao prever uma causa de diminuição de pena em favor dos condenados pelo delito de tráfico ilícito de entorpecentes.

III - Não obstante tratar-se de norma penal mais benéfica...

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