Acórdão nº 2008/0143508-0 de T5 - QUINTA TURMA

Data26 Agosto 2010
Número do processo2008/0143508-0
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 109.966 - PA (2008⁄0143508-0)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : R.L. E OUTRO
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO
PACIENTE : C.G.
PACIENTE : JOÃO DARQUES

EMENTA

HABEAS CORPUS. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. DENÚNCIA DE TRABALHADORES SUBMETIDOS AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO. AÇÃO REALIZADA PELO GRUPO DE FISCALIZAÇÃO MÓVEL EM PROPRIEDADE. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DAS PROVAS COLHIDAS EM FACE DA AUSÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

  1. Compete ao Ministério do Trabalho e do Emprego, bem como a outros órgãos, como a Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho, empreender ações com o objetivo de erradicar o trabalho escravo e degradante, visando a regularização dos vínculos empregatícios dos trabalhadores encontrados e libertando-os da condição de escravidão.

  2. Em atenção a esta atribuição, a Consolidação das Leis do Trabalho (artigos 626 a 634), o Regulamento de Inspeção do Trabalho (artigos 9º e 13 a 15), e a Lei 7.998⁄1990 (artigo 2º-C) franqueiam aos auditores do Ministério do Trabalho e Emprego o acesso aos estabelecimentos a serem fiscalizados, independentemente de mandado judicial.

  3. Quanto aos documentos apreendidos e à inquirição de pessoas quando da fiscalização realizada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel na propriedade em questão, o artigo 18 do Regulamento de Inspeção do Trabalho prevê expressamente a competência dos auditores para assim agirem, inexistindo qualquer ilicitude em tal atuação.

  4. Ademais, na hipótese vertente os pacientes foram acusados da prática dos delitos de redução a condição análoga à de escravo, frustração de direito assegurado pela lei trabalhista e falsidade documental, sendo que apenas o relativo à falsificação de documento público é instantâneo, já que os demais, da forma como em tese teriam sido praticados, são permanentes.

  5. É dispensável o mandado de busca e apreensão quando se trata de flagrante delito de crime permanente, podendo-se realizar as medidas sem que se fale em ilicitude das provas obtidas (Doutrina e jurisprudência).

  6. O só fato de os pacientes não terem sido presos em flagrante quando da fiscalização empreendida no estabelecimento não afasta a conclusão acerca da licitude das provas lá colhidas, pois o que legitima a busca e apreensão independentemente de mandado é a natureza permanente dos delitos praticados, o que prolonga a situação de flagrância, e não a segregação, em si, dos supostos autores do crime. Precedente.

  7. Ordem denegada.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP), Felix Fischer, Laurita Vaz e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília (DF), 26 de agosto de 2010. (Data do Julgamento).

    MINISTRO JORGE MUSSI

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 109.966 - PA (2008⁄0143508-0)

    IMPETRANTE : R.L. E OUTRO
    IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO
    PACIENTE : C.G.
    PACIENTE : JOÃO DARQUES

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de C.G. e J.D., contra decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que denegou a ordem no writ n. 2008.01.00017719-0, em que objetivavam o trancamento da Ação Penal n. 2007.39.03.000702-2, da Vara Federal da Subseção Judiciária de Altamira⁄PA, a qual respondem pela suposta prática dos delitos dispostos nos artigos 149, 203, § 1º, e 197, § 4º, combinados com o artigo 70, todos do Código Penal.

    Sustenta-se que os pacientes seriam vítimas de constrangimento ilegal, ao argumento de que no caso teria ocorrido excesso na investigação, bem como acesso abusivo à propriedade privada com o intuito de coletar provas, por parte de Auditores Ficais do Ministério do Trabalho, Procurador do Ministério Público e Policiais Federais.

    Aduz-se que referidas provas seriam ilícitas e que, consequentemente, contaminariam os demais atos delas decorrentes, razão pela qual postula-se a concessão da ordem, a fim de que seja trancada a respectiva ação penal.

    A liminar foi indeferida, nos termos da decisão de fls. 567⁄568.

    Prestadas as informações (fls. 573⁄584 e 600⁄604), o Ministério Público Federal, em parecer de fls. 586⁄592, manifestou-se pela denegação da ordem.

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 109.966 - PA (2008⁄0143508-0)

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Conforme relatado, com este habeas corpus pretende-se, em síntese, o trancamento da ação penal instaurada contra os pacientes, em face da suposta ilicitude das provas que sustentam a acusação.

    Segundo consta dos autos, os pacientes foram denunciados porque teriam praticado os delitos de redução a condição análoga à de escravo, frustração de direito assegurado por lei trabalhista e falsificação de documento público.

    Da inicial acusatória, colhem-se os seguintes trechos referentes à fiscalização empreendida na propriedade em que as infrações penais teriam ocorrido:

    "Conforme Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, no período de 25⁄04⁄07 a 05⁄05⁄07, foi realizada operação de fiscalização na Fazenda Arataú, pertencente à Agropecuária Rio Arataú S⁄A, de propriedade do Grupo Queiroz Galvão, localizada no Município de Novo Repartimento⁄PS, pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho, acompanhado de policiais federais e membro do Ministério Público do Trabalho, com o objetivo de averiguar denúncia que trabalhadores estariam supostamente submetidos a circunstâncias que caracterizariam o trabalho análogo à de escravo.

    Na oportunidade foi verificada a submissão de 11 (onze) trabalhadores em condições análogos à de escravos.

    Conforme se extrai dos autos da peça informativa anexa, a atividade econômica preponderante na fazenda fiscalizada é a criação de gado para corte e a criação de animais confinados para exposição em feiras agropecuárias.

    O Diretor da Agropecuária Rio Arataú S⁄A, C.G. e o gerente da Fazenda Arataú João Darques, são responsáveis pelas decisões gerenciais atinentes à empresa, inclusive, no que tange aos aspectos relacionados com a administração de pessoal e à gestão de recursos humanos." (fl. 16).

    A exordial prossegue, narrando as condições a que os empregados da fazenda estariam submetidos:

    Prestavam serviço à Agropecuária Rio Arataú S⁄A, de forma regular os empreiteiros Salvador Furtado Rodrigues, Osmar Agostinho dos Santos e José Cunha Monteiro, os quais estavam sujeitos às mesmas vicissitudes enfrentadas pelos trabalhadores que eles mesmos recrutavam, pois, viviam em condições degradantes, trabalhavam jornada estendida, ingeriam água imprópria para consumo, etc.

    No que tange aos empregados, foram constatadas duas situações: Havia 48 (quarenta e oito) trabalhadores registrados, que viviam em casas de alvenaria apropriadas, além de outros 17 (dezessete) trabalhadores que residiam em abrigos semelhantes, porém, sem formalização do respectivo vínculo empregatício.

    Realidade diversa era a de outros 11 (onze) empregados, recrutados por meio dos empreiteiros, para a realização de serviço de roço e plantio de capim. Esses, executavam serviços em locais que distavam vários quilômetros da sede da fazenda, e eram levados a construir barracos de lona, junto à mata, nas imediações de córregos, para neles obterem água para consumo próprio.

    Até mesmo os empregados que dispunham de casas e alojamentos apropriados, eram obrigados a permanecerem em barracos de lona, quando eram designados para frentes de trabalho distantes da sede da propriedade, pois a fazenda nunca disponibilizava transporte, tornando o trajeto diário de ida e volta impraticável, em face das longas distâncias a serem vencidas.

    Assim, esses trabalhadores ficavam alojados em barracas cobertas com lona plástica, sem proteção lateral, de piso de chão batido, sem instalações sanitárias, nem local para refeições, sujeitando-se a ataques de animais selvagens, haja vista que o acampamento se localizava dentro da mata.

    As necessidades fisiológicas eram consumadas nas imediações da frente de trabalho ou do acampamento, sem medidas adequadas de higiene.

    Não existia água potável e o suprimento fornecido aos empregados, para ingestão, e com o qual também preparavam os alimentos e realizavam higiente pessoal, era proveniente de fonte existente nas proximidades do acampamento.

    Acrescente-se, também, que os trabalhadores são levados eles próprios, por omissão do produtor, ou mesmo por sua determinação, a construírem os barracos, do contrário, lhes restaria, tão-somente, dormirem ao relento.

    (...)

    A Agropecuária Rio Arataú, praticava o comércio através de armazém destinado a venda de produtos a seus empregados. O gerente João Darques, devidamente autorizado pelo diretor C.G., eram os mantenedores do estabelecimento, no qual era vendido inclusive munição para armas de fogo (fls. 87⁄90).

    (...)

    Igualmente merecedora da devida reprimenda penal é a frustração de direitos assegurados pela legislação trabalhista. As irregularidades de ordem trabalhista geraram a lavratura de autos de infração por violação à CLT e legislação trabalhista extravagante.

    Outrossim, não houve cadastro e recolhimento de benefícios previdenciários pelo empregador junto ao INSS." (fls. 17⁄18).

    Finalmente, a peça vestibular termina por enquadrar as condutas supostamente praticadas pelos pacientes nos dispositivos penais pertinentes:

    "Os fatos descritos se amoldam, prima facie, à figura penal descrita no art. 149 c⁄c inciso I, do § 2º do mesmo artigo, previsto no Código Penal, in verbis:

    (...)

    No caso em apreço os trabalhadores foram encontrados em condições indignas de trabalho, tendo em vista que residiam e laboravam sem alojamentos com...

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