Acórdão nº 2007/0268059-6 de T3 - TERCEIRA TURMA

Número do processo2007/0268059-6
Data17 Agosto 2010
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.007.692 - RS (2007⁄0268059-6)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : B.A.A.R.S.
ADVOGADOS : SIRLEIM.R.V.S. E OUTRO(S)
OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES
RECORRENTE : B.D.E.D.R.G.D.S.S. -B.
ADVOGADO : JOSÉ PIERRE PINTO DE BITENCOURT E OUTRO(S)
RECORRENTE : B.I. E COMERCIAL S⁄A
ADVOGADOS : L.A.F.E.O. OSMARM.P.C.
RECORRIDO : DIGITELS.A.I.E.
ADVOGADO : GILBERTO DEON CORRÊA JUNIOR E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL, CIVIL E COMERCIAL. DECISÃO POR FUNDAMENTO JURÍDICO DIVERSO DO ALEGADO NA PETIÇÃO INICIAL. JULGAMENTO EXTRA OU ULTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. APELAÇÃO EFEITO DEVOLUTIVO. EXTENSÃO E PROFUNDIDADE. DISTINÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PESSOA JURÍDICA. ATOS LEGITIMAMENTE PRATICADOS. CONCORRÊNCIA DE CULPAS. CAUSALIDADE ADEQUADA. CHEQUE TB. ENDOSSO. IMPOSSIBILIDADE. CHEQUE ADMINISTRATIVO. VERIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE DO ENDOSSANTE. DEVER DO BANCO SACADO E DO BANCO INTERCALAR. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO. INTIMAÇÃO DA PARTE ADVERSA. DESNECESSIDADE. CORREÇÃO POR DECISÃO UNIPESSOAL. ANULAÇÃO DA DECISÃO, COM RETORNO DO PROCESSO À ORIGEM. NÃO CABIMENTO. PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E DA CELERIDADE DO PROCESSO.

- O provimento do pedido feito na inicial por fundamentos jurídicos diversos dos alegados pelo autor não implica julgamento extra ou ultra petita. O princípio da adstrição visa apenas a assegurar o exercício, pelo réu, de seu direito de defesa, de modo que é possível o acolhimento da pretensão por fundamento autônomo, como corolário do princípio da mihi factum dabo tibi ius, desde que não reflita na instrução da ação. Precedentes.

- Deve-se distinguir entre a extensão do efeito devolutivo da apelação, limitada pelo pedido daquele que recorre, e a sua profundidade, que abrange os antecedentes lógico-jurídicos da decisão impugnada. Estabelecida a extensão do objeto do recurso pelo requerimento formulado pelo apelante, todas as questões surgidas no processo, que possam interferir no seu acolhimento ou rejeição, devem ser levadas em conta pelo Tribunal. Precedentes.

- Como corolário da distinção entre a personalidade e o patrimônio das pessoas físicas e jurídicas, na apuração da responsabilidade por ato ilícito, há de se separar as condutas praticadas em nome da empresa daquelas que devem ser imputadas exclusivamente às pessoas físicas dos prepostos, extrapolando os poderes a eles conferidos. Em outras palavras, a controvérsia deve ser analisada com base nos atos legitimamente praticados pelas pessoas jurídicas envolvidas e em que medida esses atos colaboraram para a ocorrência do evento danoso objeto desta ação.

- A partir da teoria da causalidade adequada, a concorrência de culpas, que na verdade consubstancia concorrência de causas para o evento danoso, só deve ser admitida em casos excepcionais, quando não se cogita de preponderância causal manifesta e provada da conduta do agente. Sempre que seja possível estabelecer a inocuidade de um ato, ainda que imprudente, se não tivesse intervindo outro ato imprudente, não se deve falar de concorrência de culpa, ou seja, a culpa grave necessária e suficiente para o dano exclui a concorrência de culpas.

- O “cheque transferência bancária” ou “cheque TB” – destinado à transferência de valores entre contas de mesma titularidade e utilizando enquanto vigente a CPMF, de modo a afastar a sua incidência –, não admite endosso.

- O banco apresentante do cheque à câmara de compensação tem o dever de verificar a regularidade da sucessão dos endossos. Deve, pois, tomar a cautela de exigir provas da legitimidade do endossante, como, por exemplo, cópia do contrato social da empresa, quando o título for nominal a pessoa jurídica. Precedentes.

- Não se configura cerceamento de defesa ou afronta aos princípios do contraditório e do devido processo legal a ausência de intimação da parte adversa, quando os embargos de declaração são acolhidos para mera correção de erro material, sem que haja fato novo trazido unilateralmente pela parte contrária. Precedentes.

- As partes não têm responsabilidade pelo desconcatenamento dos atos processuais internos no Tribunal e não podem, por isso, ser apenadas com enorme prolongamento da questão interlocutória. O Relator, na decisão unipessoal, é representante do órgão Colegiado que integra, de maneira que aquilo que o Relator decide deve corresponder ao pensamento já pacificado do órgão colegiado, como se tivesse sido decidido por este. Assim, não há de se cogitar de nulidade decorrente das idas e vindas do caso entre julgamentos monocráticos e colegiados, quando o que se tem, claramente, é mera correção de erro material. Não haveria sentido na anulação do julgado e sua devolução à origem, tão-somente para que a decisão fosse ratificada pelo órgão colegiado, em franco prejuízo à celeridade e à economia do processo, princípios consagrados no art. 5º, LXXVIII, da CF⁄88.

Recursos especiais a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento a ambos os recursos especiais, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, S.B. e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Vasco Della Giustina. Dr(a). FERNANDO HUGO RABELLO MIRANDA, pela parte RECORRENTE: B.A.A.R.S.D. OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES, pela parte RECORRENTE: B.I.E.C.S.D. J.C.F.D.S., pela parte RECORRIDA: DIGITEL S A INDUSTRIA ELETRONICA.

Brasília (DF), 17 de agosto de 2010(Data do Julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.007.692 - RS (2007⁄0268059-6)

RECORRENTE : BANCO ABN AMRO REAL S⁄A
ADVOGADOS : S.M.R.V.S. E OUTRO(S)
OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES
RECORRENTE : B.D.E.D.R.G.D.S.S. -B.
ADVOGADO : JOSÉ PIERRE PINTO DE BITENCOURT E OUTRO(S)
RECORRENTE : B.I. E COMERCIAL S⁄A
ADVOGADOS : L.A.F.E.O. OSMARM.P.C.
RECORRIDO : DIGITELS.A.I.E.
ADVOGADO : GILBERTO DEON CORRÊA JUNIOR E OUTRO(S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recursos especiais interpostos por BANCO ABN AMRO REAL S.A. (“ABN”), BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S.A. (“BANRISUL”) e BANCO INDUSTRIAL E COMERCIAL S.A. (“BIC), com fundamento no art. 105, III, “a” e 'c”, da CF, contra acórdão exarado pelo TJ⁄RS.

Ação: de indenização por danos materiais, ajuizada por DIGITEL S.A. INDÚSTRIA ELETRÔNICA em desfavor dos recorrentes. Aduz a autora ter sido desfalcada em R$1.500.000,00, fruto do desvio desse numerário para conta bancária de terceiro. Essa transferência teria se dado por intermédio de cheques TB – para transferência bancária de valores – bem como de cheques administrativos, sacados junto ao ABN e destinados à aplicações financeiras no BIC, mas que, indevidamente endossados, foram depositados em conta de terceiro no BANRISUL.

Sentença: julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, sob o argumento de que, “não fosse a atuação dos próprios membros da empresa autora, responsáveis pelo setor administrativo, e para tanto investidos, não teria a mesma suportado os prejuízos que só agora vem alegar” (fls. 733⁄738).

Acórdão: o TJ⁄RS deu provimento ao apelo da recorrida, nos termos do acórdão (fls. 845⁄862) assim ementado:

“AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS. APLICAÇÕES FINANCEIRAS EM INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. CDBs.

I- NA MEDIDA EM QUE OS RECURSOS APLICADOS TIVERAM ORIGEM, EM PARTE, NA EMISSÃO DE CHEQUES TB¿s SACADOS CONTRA OUTRA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA, EM RAZÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE CIRCULAÇÃO DE TAIS TÍTULOS POR MEIO DE ENDOSSO, ERA INADMISSÍVEL A TRANSFERÊNCIA DOS VALORES PARA CONTA-CORRENTE DE TERCEIRO, SENDO, PORTANTO, DEVIDA A RESTITUIÇÃO À AUTORA, DE FORMA SOLIDÁRIA PELOS DEMANDADOS.

II- QUANTO ÀS APLICAÇÕES DERIVADAS DA EMISSÃO DE CHEQUES ADMINISTRATIVOS, A TRANSFERÊNCIA DOS VALORES PARA TERCEIRO ERA IGUALMENTE INVIÁVEL, POIS, NO CASO CONCRETO, AUSENTES REQUISITOS ESPECÍFICOS PARA A VIABILIDADE DA OPERAÇÃO. RESTITUIÇÃO DEVIDA.

III- DESATENÇÃO PELOS RÉUS A CAUTELAS ESSENCIAIS RELACIONADAS À ATIVIDADE BANCÁRIA. FALHA NO SERVIÇO PRESTADO QUE ENSEJA A RESTITUIÇÃO DE VALORES PRETENDIDA PELA AUTORA, PORQUANTO NÃO DEMONSTRADO O ANTERIOR RESGATE DE QUALQUER PARTE DO MONTANTE RECLAMADO.

IV- INAUTENTICIDADE DOS DOCUMENTOS QUE ACOMPANHARAM A INICIAL NÃO COMPROVADA, DE MODO QUE OS MESMOS SE CONSTITUEM EM PROVAS HÁBEIS DAS APLICAÇÕES FINANCEIRAS EFETUADAS.

V- EXISTÊNCIA DE SUSPEITAS RELATIVAS A POSSÍVEL CONLUIO REALIZADO ENTRE MEMBROS DA AUTORA E DO BICBANCO PARA FRAUDAR AMBAS AS INSTITUIÇÕES EM PROVEITO DE TERCEIRA PESSOA JURÍDICA QUE NÃO PODEM SER COMPROVADAS NESTA SEARA, E QUE NÃO AFASTAM O DIREITO INVOCADO PELA DEMANDANTE NEM A RESPONSABILIDADE DOS RÉUS. VI- APELO PROVIDO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

DERAM PROVIMENTO.”

Primeiros embargos de declaração: interpostos pela DIGITEL (fls. 912⁄914), foram acolhidos por decisão unipessoal do Relator, para manter o percentual arbitrado na sentença a título de honorários (fls. 920⁄921), tendo havido a republicação do acórdão (fls. 922⁄939).

Segundos embargos de declaração: interpostos pela DIGITEL (fls. 941⁄945) e pelos recorrentes (fls. 947⁄951, 959⁄962 e 963⁄968), foram todos rejeitados pelo TJ⁄RS, exceção feita aos embargos do ABN, que foram parcialmente acolhidos, apenas para suprir omissão relativa à taxa de juros e ao índice de correção monetária incidentes sobre a condenação imposta (fls. 970⁄987).

Recurso especial do ABN: alega violação dos arts. 334, III e IV e 535, do CPC; 159, 1.521, 1.522 e 1.523 do CC⁄16; 39 da Lei nº 7.357⁄85; 14 do CDC e 1º do DL nº 22.626⁄33, bem como dissídio jurisprudencial (fls. 997⁄1.026).

Recurso especial do BANRISUL: alega violação dos arts. 535 do CPC; e 6º, VIII, do CDC; 1º a 3º e 39 da Lei nº 7.357⁄85; 19 da LC nº 77⁄93; e 85 e 115 do CC⁄16, bem como divergência jurisprudencial (fls. 1.028⁄1.051).

Recurso especial do BIC: alega violação dos arts. , 125, I, 126, 128, 131, 165...

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