Acórdão nº 2010/0087064-0 de T2 - SEGUNDA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistro CASTRO MEIRA (1125)
EmissorT2 - SEGUNDA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Especial

RECURSO ESPECIAL Nº 1.197.663 - ES (2010⁄0087064-0)

RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA
RECORRENTE : RIO DOCE CAFÉ S⁄A IMPORTADORA E EXPORTADORA E OUTROS
ADVOGADO : JOSÉ OSVALDO BERGI E OUTRO(S)
RECORRIDO : ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PROCURADOR : CLAUDIO PENEDO MADUREIRA E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 105, INCISO III, ALÍNEA "B", DA CF. DECRETO ESTADUAL. LEI LOCAL. COMPETÊNCIA. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VALIDAÇÃO DE ATO DE GOVERNO LOCAL, EM DETRIMENTO DE LEI FEDERAL. NÃO-OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. ULTRA PETITA. INEXISTÊNCIA.

  1. Os recorrentes alegam que o Decreto Estadual n.º 4.030-N, de 24 de setembro de 1996, editado pelo Poder Executivo do Estado do Espírito Santo, foi considerado válido, apesar de contestado em face de lei federal (Lei Complementar n.º 87⁄96), o que ensejaria a interposição do apelo, com esteio no art. 105, inciso III, alínea "b", da Constituição Federal.

  2. Não se conhece do recurso especial, interposto com base no art. 105, inciso III, alínea "b", da CF, quando se analisa a validade de decreto estadual, contestada em face de lei federal.

  3. Se na exegese de "lei federal" (do art. 105, inciso III, alínea "a", da CF) estão compreendidos os atos normativos expedidos pelo chefe do Poder Executivo, no conceito de "lei local" (art. 102, inciso III, alínea "d", da CF) também estão contemplados os decretos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na medida em que se limitam a conferir densidade normativa aos correspondentes comandos legais. Precedentes.

  4. Ademais, o juízo a quo em nenhum momento validou ato normativo local, afastando a incidência de lei federal, já que tratou de distinguir o âmbito de eficácia do Decreto Estadual n.º 4.030-N⁄1996 e o espectro de incidência do art. 12 da Lei Complementar federal n.º 87⁄96. Com efeito, asseverou-se que aquele decreto estadual apenas extinguiu o regime de diferimento do ICMS, sem nada versar sobre o fato gerador deste tributo.

  5. Neste sentido, é inadmissível o apelo com esteio na alínea "b", do art. 105, inciso III, da CF, quando não se aplicou a legislação infralegal em detrimento da legislação federal, mas apenas utilizou-se a legislação local como fundamento para a improcedência da pretensão. Precedentes.

  6. Os recorrentes também sustentam que houve ofensa aos artigos 128 e 460, ambos do CPC, vez que o acórdão recorrido teria exorbitado dos limites da lide, concedendo-lhes provimento diverso daquele postulado.

  7. Contudo, a parte recorrente impetrou mandado de segurança na origem, visando à inexigibilidade de ICMS, na forma e nos prazos previstos no Decreto Estadual n.º 4.030-N⁄1996, visando ao reconhecimento da ilegalidade e da inconstitucionalidade da incidência deste tributo, sobre os estoques de café em grão e de cacau em amêndoas.

  8. O acórdão recorrido, por sua vez, consignou que o referido decreto estadual não criou nova hipótese de incidência para o ICMS, mas apenas alterou a data do recolhimento da exação, mediante a extinção do regime de diferimento, sendo legítima, portanto, a cobrança sobre os estoques de café e de cacau, tendo em vista que o fato gerador deste tributo teria ocorrido desde a saída destas mercadorias, do estabelecimento produtor. Também considerou-se que a base de cálculo do imposto deveria ser o valor da operação de aquisição da mercadoria estocada, e não o valor de mercado dos produtos, no dia em que se efetivasse o recolhimento de cada parcela, já que o decreto estadual sob análise alterara um dos critérios materiais que formam a hipótese de incidência tributária do ICMS, violando o princípio da reserva legal.

  9. Para que se verifique ofensa ao princípio da congruência, encartado nos artigos 128 e 460, ambos do CPC, é necessário que a decisão ultrapasse o limite dos pedidos deduzidos no processo, o que definitivamente não ocorreu no caso vertente. Precedentes.

  10. O Tribunal a quo, quando considerou que o Decreto Estadual n.º 4.030-N⁄1996 não criara novo fato gerador para o ICMS e declarou sua inconstitucionalidade, no trecho em que estipulou nova base de cálculo para o tributo, não emitiu julgamento extra ou ultra petita, já que o recorrente requereu de maneira explícita a análise da legalidade e da constitucionalidade da forma de recolhimento veiculada por este decreto.

  11. Outrossim, o magistrado tem a prerrogativa de, independentemente de pedido das partes, afastar a aplicação de determinadas normas do sistema jurídica, sempre que recair eventual pecha de inconstitucionalidade sobre dispositivos legais que guardem conexão com os limites objetivos da demanda, razão pela qual não se observa ofensa aos artigos 128 e 460, do CPC.

  12. Recurso especial conhecido em parte e não provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, negar-lhe provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília, 19 de outubro de 2010(data do julgamento).

    Ministro Castro Meira

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.197.663 - ES (2010⁄0087064-0)

    RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA
    RECORRENTE : RIO DOCE CAFÉ S⁄A IMPORTADORA E EXPORTADORA E OUTROS
    ADVOGADO : JOSÉ OSVALDO BERGI E OUTRO(S)
    RECORRIDO : ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
    PROCURADOR : CLAUDIO PENEDO MADUREIRA E OUTRO(S)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto em face de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, assim ementado:

    APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA EX OFFICIO. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DAS AUTORIDADES COATORAS E DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR. REJEITADAS. ACOLHIDA DE OFÍCIO PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DA APELAÇÃO QUANTO AOS FUNDAMENTOS DE MÉRITO POR FALTA DE DIALETICIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS SOBRE CAFÉ E CACAU EM AMÊNDOAS. REGIME DE DIFERIMENTO DE PAGAMENTO DO IMPOSTO. MERA ALTERAÇÃO DO MOMENTO DA EXIGÊNCIA DE SEU RECOLHIMENTO. PRECEDENTES DO STF. MATÉRIA NÃO RESERVADA À LEI. FATO GERADOR OCORRIDO COM A AQUISIÇÃO DAS MERCADORIAS DO PRODUTOR. POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO DO REGIME DE DIFERIMENTO POR SIMPLES DECRETO REGULAMENTADOR. PRECEDENTES DO STJ. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO ICMS POR DECRETO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. ILEGALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE. A BASE DE CÁLCULO DO ICMS É O VALOR DA AQUISIÇÃO DAS MERCADORIAS DO ESTABELECIMENTO PRODUTOR. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. REMESSA EX OFFICIO CONHECIDA E PROVIDA EM PARTE.

    1. As autoridades apontadas como coatoras devem figurar no pólo passivo da relação processual, na medida em que são as executoras do Decreto Estadual n.º 4.030-N, de 24⁄09⁄1996, conforme comprova a Instrução de Serviço Interna SEFA⁄CF-005, por meio da qual o Coordenador de Fiscalização da Secretaria da Fazenda determina aos agentes estaduais que realizem a fiscalização para fins de recolhimento do imposto nos termos do Decreto supracitado. Sendo assim, conforme precedente do STJ, "Em se tratando de writ que ataca ato normativo de efeito concreto, é parte legítima para responder pelo mesmo a autoridade a quem compete a aplicação e a imposição de sanção em caso de descumprimento" (REsp 293821⁄MT, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJ 18.02.2002). Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva das autoridades apontadas como coatoras.

    2. Conforme orientação predominante do STJ, não há que se falar em impetração de mandado de segurança contra lei em tese no caso em apreço, pois se está diante de verdadeiro ato administrativo veiculado por meio de decreto regulamentador, o qual impõe efeitos concretos imediatos, consistente na cobrança de tributo e na fiscalização de seu pagamento. Rejeitada a preliminar de falta de interesse de agir.

    3. Apesar do fundamento adotado na Sentença recorrida, o Estado, em suas razões recursais, limitou-se a reproduzir a tese adotada nas Informações, nas quais não há a menor alusão quanto ao tema versado na Sentença recorrida, em nítida violação ao Princípio da Dialeticidade. Preliminar de não-conhecimento do fundamento recursal de mérito acolhida de ofício.

    4. Ao contrário do que defendem as Impetrantes na inicial, o fato gerador do ICMS continua sendo a hipótese prevista na Lei Estadual n.º 4.217, de 27⁄01⁄1980, em seu art. 2.º, V, segundo o qual "Ocorre o fato gerador do imposto: V - na saída da mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular", até mesmo porque simples decreto regulamentador não pode alterar a hipótese de incidência tributária prevista em lei, sob pena de violar o Princípio da Reserva Legal, previsto no art. 146, III, "a", da CF⁄88 e no art. 97 do CTN.

    5. Sendo assim, o art. 1.º, caput, do Decreto Estadual n.º 3.135-N, de 12⁄03⁄1991, que instituiu o regime de diferimento do ICMS, limitou-se a alterar o prazo de recolhimento do tributo, conforme é facultado pelo art. 96 c⁄c art. 160, caput, ambos do Código Tributário Nacional. Precedentes do STJ.

    6. O regime de diferimento do pagamento do ICMS não passa, na verdade, de uma forma de postergar o prazo de recolhimento do imposto, não tendo absolutamente nada a ver com nova hipótese de incidência tributária. Precedentes do STF.

    7. Porém, ao estabelecer que a base de cálculo do imposto será "o valor de mercado do dia em que se efetivar o recolhimento de cada parcela", está nítido que o Estado alterou, por meio de mero decreto regulamentador, um dos critérios materiais que formam a hipótese de incidência tributária do ICMS, violando, agora sim, o Princípio da Reserva Legal, insculpido no art. 97, IV, do CTN e no art. 155, § 2.º, I, da CF⁄88.

    8. O simples fato de o parágrafo único do art. 2.º do Decreto Estadual n.º 4.030-N, de 24⁄09⁄1996, ser ilegal e inconstitucional não impede a cobrança do ICMS, uma vez que tal diploma jamais poderia ter...

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