Acórdão nº 1.0042.05.013351-3/001(1) de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 5 de Agosto de 2010

Magistrado ResponsávelDes.(a) Rogério Medeiros
Data da Resolução 5 de Agosto de 2010
Tipo de RecursoApelação Cível
SúmulaNegaram Provimento Ao Primeiro Recurso, Vencido Parcialmente o Revisor, e Deram Provimento Ao Segundo, à Unanimidade.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - SISTEMA FINANCEIRO - JUROS - NÃO LIMITAÇÃO - ENUNCIADO DA SÚMULA 596 DO STF - MP 2.170-36/2001 - TR - POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA- ONUS DA PROVA - AUSENCIA - TAXA REFERENCIAL - LEGALIDADE - FIANÇA - PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA - PREVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE. As disposições do Dec. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional" (enunciado da súmula nº 596 do Supremo Tribunal Federal). A Lei 8.177/1991, em seu art. 31, § 1°, inciso II, afirma ser a "TR" uma taxa de remuneração, sendo vedada sua aplicação apenas nos contratos de financiamento habitacional celebrados antes da vigência da Medida Provisória 294/1991, consoante entendimento consolidado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça. Aplica-se aos contratos bancários a legislação infraconstitucional e os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, os quais estabelecem a legalidade dos encargos contratuais. As instituições bancárias podem capitalizar juros por períodos inferiores a um ano, ainda que o contrato de financiamento tenha sido firmado após a vigência do Código Civil de 2002. A nova lei não revogou e nem modificou a legislação anterior sobre os contratos do Sistema Financeiro Nacional, no que diz respeito à limitação de juros. Por isso, em contratos celebrados a partir de 30 de março de 2000, vale o artigo 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, o qual afasta a imposição do limite anual à capitalização de juros e a aplicação do artigo 591 do Código Civil. Impõe-se a manutenção da decisão recorrida, se o autor não se desincumbiu de seu ônus probatório no tocante à comprovação da cobrança conjunta da comissão de permanência com a correção monetária. Em suma, quem tem o ônus da ação tem o de afirmar e provar os fatos que servem de fundamento à relação jurídica litigiosa;quem tem o ônus da exceção tem o de afirmar e provar os fatos que servem de fundamento a ela. Assim ao autor cumprirá provar os fatos constitutivos, ao réu os impeditivos, extintivos ou modificativos. Havendo previsão contratual, o fiador responde pelas obrigações que sobrevierem à prorrogação do contrato de mútuo, independentemente de anuência à prorrogação. V.v. A taxa referencial de juros (TR) não é índice de atualização do valor da moeda e deve ser substituída pela correção monetária oficial, com aplicação de índices como o INPC. Considerando que a comissão de permanência representa encargo excessivamente alto, embutindo remuneração considerável do capital, deverá ser substituída pela tradicional correção monetária, não havendo impedimento algum de sua cumulação com juros moratórios e multa, sendo que os mesmos são legalmente previstos e possuem natureza diversa.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0042.05.013351-3/001 - COMARCA DE ARCOS - 1º APELANTE(S): CASA CONSTRUTOR TRANSP LTDA E OUTRO(A)(S) - 2º APELANTE(S): BANCO BRASIL S/A - APELADO(A)(S): CASA CONSTRUTOR TRANSP LTDA E OUTRO(A)(S), BANCO BRASIL S/A - RELATOR: EXMO. SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador VALDEZ LEITE MACHADO , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NEGAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO, VENCIDO PARCIALMENTE O REVISOR, E DAR PROVIMENTO AO SEGUNDO, À UNANIMIDADE.

Belo Horizonte, 05 de agosto de 2010.

DES. ROGÉRIO MEDEIROS - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS:

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Versam os autos ação de cobrança ajuizada pelo Banco do Brasil contra Casa do Construtor, na qualidade de devedor principal, e os fiadores relacionados às fls.02/03-TJ. Narra o Banco que firmou com a ré um contrato de abertura de Crédito BB giro Rápido nº 089.401.286, tendo como fiadores os demais réus. Afirma que o crédito foi concedido da seguinte forma: R$1.000,00 a título de crédito rotativo (cheque especial), sujeito a encargos de 8,300% ao mês; e R$ 3.500,00 a título de crédito fixo ( capital de giro), sujeito a encargos com base na TR e juros de 2,180% ao mês, e ainda os encargos previstos na clausula 16ª do contrato. Ocorre que o crédito não foi quitado na forma estipulada, totalizando hoje a importância de R$ 9.724,14. Pugna pela condenação dos réus ao pagamento do débito.

Devidamente citados, os réus apresentaram contestação ( fls.45/83-TJ), suscitando preliminar de ilegitimidade passiva dos fiadores e no mérito, pugnou pelo decote de taxas de juros e comissão de permanência que reputa ilegais.

Após a apresentação de memoriais, sobreveio a sentença de fls.94/99-TJ que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, afastando os fiadores da lide, condenando a primeira ré ao pagamento do débito que consta da peça de ingresso.

Inconformado, apelou o réu, casa do Construtor Transportes Ltda. Em suas razões, afirma ser ilegal a utilização da taxa referencial, por representar onerosidade excessiva ao devedor. Afirma que a comissão de permanência não pode ser cumulada com a correção monetária, conforme dispõe a Súmula 30 do Superior Tribunal de Justiça e que a capitalização de juros também deve ser decotada, já que ilegal. Aduz que aplica ao caso o Código de Defesa do Consumidor, impondo-se o decote dos juros cobrados, já que extorsivos, para que se adequem à realidade econômica do País.

Devidamente intimada, o apelado apresentou contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do recurso.

Não ignoro os estratosféricos lucros que as instituições financeiras obtiveram no Brasil, ao longo das últimas duas décadas. Essa desmedida lucratividade resulta das tarifas escorchantes e taxas de juros impagáveis.

Nesse contexto, o c. Supremo Tribunal Federal considerou o Código de Defesa do Consumidor aplicável às atividades bancárias, ao julgar improcedente ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CONSIF). Transcrevo excertos do brilhante voto-vista do ministro Eros Grau, do qual é difícil discordar (Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.591-DF, rel. min. Carlos Velloso; fonte: Notícias do STF, http://www.stf.gov.br/, captado em 04.05.2006):

"Não há dúvida, de outra parte, quanto à circunstância de a exigência de lei complementar veiculada pelo artigo 192 da Constituição abranger apenas o quanto respeite à regulamentação (...) da estrutura do sistema. O sistema haveria de estar a serviço da promoção do desenvolvimento equilibrado do País e dos interesses da coletividade - diz o preceito - e, para tanto, a Constituição impõe sua regulamentação por lei complementar. Mas apenas isso. Os encargos e obrigações impostos pelo Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, atinentes à prestação de seus serviços a clientes - isto é, atinentes à exploração das atividades dos agentes econômicos que a integram, todas elas, operações bancárias e serviços bancários, na dicção do Ministro Nelson Jobim - esses encargos e obrigações poderiam perfeitamente, como o foram, ser definidos por lei ordinária. (...)

"Não resta dúvida no que tange à caracterização do cliente de instituição financeira como consumidor, para os fins do artigo 170 da Constituição do Brasil. A relação entre banco e cliente é, nitidamente, uma relação de consumo.

"Como observei também em outra oportunidade ('Definição legal de consumidor', in Repertório IOB de jurisprudência, 2ª quinzena de janeiro de 1.991, n. 2/91, pág. 42), o Código define 'consumidor', 'fornecedor', 'produto' e 'serviço'. Entende-se como 'consumidor , como 'fornecedor', como 'produto' e como 'serviço', para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, o que descrito está no seu art. 2º e no seu art. 3º e §§ 1º e 2º. (...)

"É certo, no entanto, que o § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor há de ser interpretado em coerência com a Constituição. Para tanto se impõe sejam excluídos da abrangência por seus efeitos determinação do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia. A respeito dessa matéria deve dispor o Poder Executivo, a quem incumbe fiscalizar as operações de natureza financeira, o que envolve a fixação da taxa base de juros praticável no mercado financeiro.

"A fixação dessa taxa não pode ser operada senão desde a perspectiva macroeconômica. Basta a menção, por exemplo, ao poder de multiplicação de moeda circulante em moeda escritural, que os bancos exercem de modo a receber a título de juros, pelo mesmo dinheiro materialmente considerado, em certos casos mais de três vezes o valor da taxa praticada. (...)

"Ora, essa poderosa capacidade de criação de riqueza abstrata não pode ficar sujeita a administração desde a perspectiva das relações microeconômicas, sob pena de comprometimento dos objetivos que o artigo 192 da Constituição visa a realizar, o desenvolvimento equilibrado do País e a satisfação do interesse da coletividade.

"Importa, no entanto, também considerarmos o descompasso existente entre a taxa de juros SELIC e as taxas efetivamente impostas pelos bancos a seus clientes. Taxa de juros SELIC é a 'taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), para títulos federais' (Cf. a Circular 2.900/99, do Banco Central). É denominada básica para o mercado por ser aquela que o Estado, devedor peculiar, paga por seu endividamento e ao mesmo tempo sinaliza a política monetária implementada pelo Banco Central. Pois bem, a taxa de juros SELIC resulta amplamente ultrapassada nas contratações de créditos concedidos pelos bancos a todos os seus clientes, consumidores ou empresas, pessoas físicas ou jurídicas, precisamente aquelas...

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