Acórdão nº 2007/0092597-1 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Número do processo2007/0092597-1
Data23 Novembro 2010
ÓrgãoPrimeira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 944.744 - SC (2007⁄0092597-1)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REPR. POR : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
RECORRIDO : C.C.D.E.E.E.L.
ADVOGADO : MILENA CRUZ ROCHA VIEIRA E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL REEXAMINADO POR FORÇA DA DEVOLUÇÃO, PELA SECRETARIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM QUE SE SUSTENTA OFENSA À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (ARTIGO 97, DA CF⁄88). ARTIGO 328-A, DO RISTF (DEVOLUÇÃO AO STJ PARA REEXAME DA DECISÃO QUE ENSEJOU A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO). HIGIDEZ DO ACÓRDÃO PROFERIDO NO ÂMBITO DE RECURSO ESPECIAL (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. ENTREGA DA GFIP (LEI 8.212⁄91). ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. AUTO DE INFRAÇÃO CONTENDO O LANÇAMENTO DE OFÍCIO SUPLETIVO ACRESCIDO DA MULTA. INEXISTÊNCIA. RECUSA NO FORNECIMENTO DE CND. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7⁄STJ). SÚMULA VINCULANTE 10⁄STF. OBSERVÂNCIA. RETRATAÇÃO. INEXISTÊNCIA. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS DO AGRAVO DE INSTRUMENTO AO STF.

  1. A interpretação sistemática de norma infraconstitucional, pelo órgão fracionário do Tribunal, não implica em inobservância da cláusula de reserva de plenário, máxime quando a decisão impugnada limita-se a explicitar a ausência, no caso concreto, do pressuposto lógico necessário à aplicação da norma jurídica, qual seja: o relato, mediante o emprego de linguagem competente, do evento do mundo real-social (descrito no antecedente da norma geral e abstrata), a fim de viabilizar a incidência da norma.

  2. O artigo 32, IV e § 10, da Lei 8.212⁄91 (com a redação dada pela Lei 9.528⁄97), objeto de análise do acórdão que julgou o recurso especial do INSS, dispõe que:

    Art. 32. A empresa é também obrigada a:

    (...)

    IV - informar mensalmente ao Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, por intermédio de documento a ser definido em regulamento, dados relacionados aos fatos geradores de contribuição previdenciária e outras informações de interesse do INSS.

    (...)

    § 10. O descumprimento do disposto no inciso IV é condição impeditiva para expedição da prova de inexistência de débito para com o I.N. doS.S.-INSS.

    (...)

  3. O acórdão proferido pela Primeira Turma do STJ consolidou a tese de que:

    A mera alegação de descumprimento de obrigação acessória, consistente na entrega de Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP), não legitima, por si só, a recusa do fornecimento de certidão de regularidade fiscal (Certidão Negativa de Débitos - CND), uma vez necessário que o fato jurídico tributário seja vertido em linguagem jurídica competente (vale dizer, auto de infração jurisdicizando o inadimplemento do dever instrumental, constituindo o contribuinte em mora com o Fisco), apta a produzir efeitos obstativos do deferimento de prova de inexistência de débito tributário.

  4. Com efeito, revela-se falacioso o argumento ventilado pela Fazenda Nacional nas razões do recurso extraordinário (cuja inadmissão motivou a interposição do agravo de instrumento dirigido ao STF), no sentido de que o aludido decisum teria assentado que, mesmo descumprido o dever instrumental previsto no artigo 32, IV, da Lei 8.212⁄91, o contribuinte tem direito a obter a certidão negativa, o que importa em flagrante ofensa à cláusula de reserva de plenário e à Súmula Vinculante 10⁄STF.

  5. Deveras, a decisão proferida pelo órgão fracionário do STJ tão-somente explicitou que não basta a notícia de ocorrência de determinado evento no mundo real (mera alegação, por parte do Fisco, de descumprimento de obrigação acessória pelo contribuinte) para aplicação da norma jurídica (artigo 32, IV, da Lei 8.212⁄91).

  6. De acordo com o aludido decisum, o acontecimento do mundo social descrito na norma jurídica só se torna fato jurídico quando vertido em linguagem competente (linguagem das provas, prescrita pelo direito positivo, apta a constituir o fato jurídico). Assim, ausente a prova jurídica do fato (auto de infração jurisdicizando o inadimplemento do dever instrumental, constituindo o contribuinte em mora com o Fisco), não há que se falar em incidência da norma jurídica (que impede a expedição de certidão de regularidade fiscal).

  7. Isto porque:

    "É um princípio fundamental da técnica jurídica, embora freqüentemente esquecido, que não existem no domínio do Direito fatos absolutos, diretamente evidentes, 'fatos em si', mas apenas fatos estabelecidos pela autoridade competente em um processo prescrito pela ordem jurídica. Não é ao roubo como um fato em si que a ordem jurídica vincula certa punição. Apenas um leigo formula a regra de Direito dessa maneira. O jurista sabe que a ordem jurídica vincula certa punição apenas a um roubo assim estabelecido pela autoridade competente, seguindo um processo prescrito. Dizer que 'A' cometeu um roubo só pode expressar uma opinião subjetiva. No domínio do Direito, apenas a opinião autêntica, isto é, a opinião da autoridade instituída pela ordem jurídica para estabelecer um fato, é decisiva. Qualquer outra opinião à existência de um fato, tal como determinado pela ordem jurídica, é irrelevante do ponto de vista jurídico." (Hans Kelsen, in "O que é Justiça? - A Justiça, o Direito e a Política no Espelho da Ciência", tradução de Luís Carlos Borges, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1997, pág. 246)

  8. Outrossim, a exegese adotada pelo acórdão impugnado encontra-se albergada por abalizada doutrina, no sentido de que:

    "Aplicar o direito é dar curso ao processo de positivação, extraindo de regras superiores o fundamento de validade para a edição de outras regras. É o ato mediante o qual alguém interpreta a amplitude do preceito geral, fazendo-o incidir no caso particular e sacando, assim, a norma individual. É pela aplicação que se constrói o direito em cadeias sucessivas de regras, a contar da norma fundamental, axioma básico da existência do direito enquanto sistema, até as normas particulares, não passíveis de ulteriores desdobramentos, e que funcionam como pontos terminais do processo derivativo da produção do direito.

    A aplicação das normas jurídicas se consubstancia no trabalho de relatar, mediante o emprego de linguagem competente, os eventos do mundo real-social (descritos no antecedente das normas gerais e abstratas), bem como as relações jurídicas (prescritas no conseqüente das mesmas regras). Isso significa equiparar, em tudo e por tudo, aplicação a incidência, de tal modo que aplicar u'a norma é fazê-la incidir na situação por ela juridicizada. E saliente-se, neste passo, que utilizo 'linguagem competente' como aquela exigida, coercitivamente, pelo direito posto." (Paulo de Barros Carvalho, in "Curso de Direito Tributário", 20ª ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 2008, pág. 90)

  9. Ademais, o artigo 32-A, da Lei 8.212⁄91, enumera as multas a que será sujeito o contribuinte que deixar de apresentar a declaração de que trata o inciso IV, do artigo 32, no prazo fixado, o que corrobora a exegese da necessidade de auto de infração constituindo o contribuinte em mora por descumprimento da obrigação acessória para que se dê a incidência da norma que restringe a expedição de certidão de regularidade fiscal.

  10. Destarte, revela-se escorreita e constitucional a conclusão do acórdão, objeto do recurso extraordinário, segundo a qual:

    ... ausente qualquer inferência, no Juízo a quo, acerca da existência de auto de infração que encarte o lançamento de ofício acrescido da multa (norma individual e concreta), exsurge o óbice inserto na Súmula 7⁄STJ, impedindo o reexame do contexto fático probatório dos autos capaz, eventualmente, de ensejar a reforma do julgado regional.

  11. Acórdão (objeto do recurso extraordinário) mantido, uma vez não configurada hipótese de retratação, ante a observância da Súmula Vinculante 10⁄STF pela Primeira Turma. Remessa dos autos ao e. Ministro Presidente a fim de que seja cumprido o procedimento legal⁄regimental cabível, ex vi do disposto no artigo 543-B, §§ 3º e 4º, do CPC.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, manteve o acórdão objeto do recurso extraordinário, uma vez não configurada hipótese de retratação, determinando a remessa dos autos ao Sr. Ministro Presidente a fim de que seja cumprido o procedimento regimental cabível, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Benedito Gonçalves e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília (DF), 23 de novembro de 2010(Data do Julgamento)

    MINISTRO LUIZ FUX

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 944.744 - SC (2007⁄0092597-1)

    R...

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