Acórdão nº 2009/0198482-0 de T6 - SEXTA TURMA

Número do processo2009/0198482-0
Data14 Dezembro 2010
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 150.181 - SP (2009⁄0198482-0)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : A.C.M.D.O. E OUTRO
ADVOGADO : R.C.F. E OUTRO(S)
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : M A H

EMENTA

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO. TESES DEFENSIVAS. AUSÊNCIA DE ENFRENTAMENTO. NÃO VERIFICAÇÃO. ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.

  1. É inegável que, a bem da dialética processual, deve o juiz proceder ao sopesamento de todos os argumentos trazidos pela acusação e pela defesa. In casu, o Tribunal de origem debateu todos os pontos suscitados pelas partes, no seio dos acórdãos da apelação, dos embargos infringentes e dos declaratórios, não havendo, portanto, falar-se em constrangimento.

  2. A tese defensiva, sintetizada na depreciação da versão da vítima, logrou êxito, em parte, na origem - colhendo-se votos vencidos. Não há falar em ausência de debate de aspectos levantados pela Defesa se esta logrou obter um voto absolutório em sede apelação, e, mais outro, no âmbito dos embargos infringentes, justamente ao argumento de que a palavra da ofendida não seria merecedora de crédito. Ademais, o reconhecimento de que os temas em foco foram cuidados é decorrência lógica do cabimento e consequente julgamento dos embargos infringentes, dada a ocorrência de absolutório voto vencido (no qual tais teses são acolhidas). Por outro ângulo, tendo, no seio dos votos vencedores, a matéria sido enfrentada satisfatória e suficientemente não se vinga a ideia de nulidade na motivação da condenação.

  3. Ordem denegada.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo no julgamento após voto-vista do Sr. Ministro Celso Limongi denegando a ordem, e o voto do Sr. Ministro Haroldo Rodrigues no mesmo sentido, a Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ⁄SP) (voto-vista) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ⁄CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Brasília, 14 de dezembro de 2010(Data do Julgamento)

    Ministra Maria Thereza de Assis Moura

    Relatora

    HABEAS CORPUS Nº 150.181 - SP (2009⁄0198482-0)

    RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
    IMPETRANTE : A.C.M.D.O. E OUTRO
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
    PACIENTE : M A H

    RELATÓRIO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

    Cuida-se de habeas corpus, impetrado em favor de M A H, contra acórdãos da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulopa que, após o julgamento de apelação, embargos infringentes e de declaração, manteve a condenação do paciente pela suposta prática do crime de estupro, à pena de seis anos de reclusão.

    Alegam a ocorrência de constrangimento ilegal consistente na carência de motivação da condenação, visto que se teria deixado de enfrentar várias das teses apresentadas pela defesa. Admitem que nos crimes sexuais a palavra da vítima é de suma importância; justamente por isso, a bem da ampla defesa, apontam que seria imperioso ter-se conferido a devida atenção aos questionamentos acerca da lisura da versão por ela deduzida.

    Eis os aspectos que, a despeito de destacados pela defesa, não teriam sido enfrentados na origem:

    1. Inexistência de prova de a vítima sofrer de síndrome do pânico;

    2. Ausência de lesões na vagina, à luz da sensibilidade da membrana e da ausência de excitação natural;

    3. O caráter mentiroso da alegação da vítima de que o paciente teria um passado libidinoso;

    4. A atuação da vítima de procurar pelo paciente após os fatos;

    5. A ameaça perpetrada pela vítima contra testemunha;

    6. As particularidades da arma que teria sido utilizada no crime; e,

    7. O histórico de vida do paciente e as razões que conduziriam a vítima a mentir.

    Em sede de apelação, colhe-se do voto vencedor o seguinte:

    Acusado, filho do patrão da vítima, consegue que esta venha a aparecer em uma sala de reunião, onde aquele previamente a aguardava, com intenções sexuais.

    No local, aquele tranca a porta e a ameaça com um abridor de cartas, do tipo "estiletado", obrigando-a a tirar a roupa e a praticar conjunção carnal forçadamente com ele.

    Estes os fatos.

    A prova de autoria é incontroversa e, na verdade, nem a defesa a discute, querendo, apenas e na essência, tentar fazer ver que a conjunção fora consentida.

    E para isto, sente-se, a um passo ou outro dos autos, "data vênia", por parte da defesa que, nada obstante esteja em seu digno, competente, prestigioso e indeclinável papel, não mede esforços para diminuir ou menosprezar a imagem da vítima, com verdadeira invasão à privacidade daquela, buscando fazer ver que ela a responsável pelo evento.

    Sugere que a vida privada daquela não seria pautada pela melhor conduta ou que esta, porque um tanto distorcida, poderia dar margem a interpretações que levariam a uma permissividade.

    Como se ela, vítima, fora aquela que aqui está sendo julgada.

    "Data vênia".

    Outra vez e com a devida licença da douta defesa que,torne-se a dizer, está em seu dignificante, honroso e indeclinável papel, não se está a julgar a vida atual ou pregressa da vítima, mas o ato delituoso irrogado na vestibular.

    Independentemente daquilo que se pretendeu lançar nos autos, a verdade primeira em feitos desta natureza deve ser o fato imputado, em si, objetivamente considerado.

    E sua subsunção ao tipo legal imputado.

    Ora.

    Sequer a mais ordinária das meretrizes, e isto se diz com todo o respeito, deixa de ter sua dignidade e sua honra.

    Seu corpo a si pertence e qualquer dação a que seja, só se fará possível se consentida.

    De forma que ainda que a vida de quem quer que seja possa não recomendar - e, atenção, não se está dizer ou admitir que este seja o caso - sua liberdade sexual não pode, sob aspecto nenhum, ser lesada.

    Se a ela - ou a qualquer - não interessar o uso de sua liberdade sexual, a lei lhe protege o direito sagrado e a forma contrária representará abuso, mal-uso e agressão.

    Mais que isso e forçada - como aqui - a manter com quem não queria relações sexuais, evidentemente que se transforma em vítima de estupro, tal qual descrito na introdutória, e a responsabilização do coator há que ser punida.

    De forma que irrelevante se a vítima veste-se assim ou assado, provocantemente ou não, anda por aqui, ali ou acolá.

    A verdade é que, volta-se a dizer, sua liberdade sexual pertence exclusivamente a ela e a ela cabe entregar-se ou compartilhar sexo com quem lhe interesse.

    Sua, só sua a liberdade.

    Se não interessa, evidentemente está protegido seu direito a esta restrição.

    Cruzar esta linha, e com violência, como aqui, é ferir de frente os bons costumes e a liberdade da mulher, sagradamente protegida.

    A prova está boa.

    Mais que isso, convence o leitor do processo de que os fatos aconteceram exatamente como propostos na denúncia.

    E, nessa quadra, bom que se discorra conceituação, genericamente considerada, e sua aplicabilidade sobre a hipótese vertente.

    Em tributo certo e homenagem à d.defesa, com certeza uma das mais prestigiosas deste país, e que sustenta, nos autos e em memoriais, a imperfeição daquela prova.

    Ora.

    O juízo não está obrigado a avaliar esta ou aquela prova com minúcia tal que o desfoque do tema central.

    Isto não pode ser função do julgador, que não pode e não deve jamais se desviar do centro nodal da questão posta em julgamento.

    Se a defesa procura de forma brilhante e inteligente fazer o desfoque, não pode o julgador prudente, sem mais delongas, concluir como aquela quer.

    O magistrado prudente e experiente soma, diminui, multiplica, divide e faz outras necessárias operações para, só daí, encontrar a essência da prova.

    Esta aquela que importa.

    É a essência da prova, exatamente ela, aquela que cria o convencimento.

    É ela que faz o julgador singular ou colegiado tomar este ou aquele caminho.

    Sem apegos a rigorismos formais ou detalhes que possam fazer desviar-se daquela essência.

    O conjunto globalizado dela é que mostra o espírito da coisa, a alma do processo.

    Irrelevantes, por isso e "data vênia", as divergências de detalhes que se levantam.

    Faca, canivete, estilete ou o que lá seja, não se há negar que a vítima teve apontado para si objeto cortante, pérfuro-cortame ou assemelhado, e que foi capaz de lhe intimidar serissimamente, com total capacidade intimatória a qualquer, repita-se, a. qualquer que recebesse tal violência.

    Mais.

    Quem é que garante que a vítima não se debateu, não esperneou, não procurou desta ou daquela forma se desvencilhar de seu algoz?

    Estavam ambos, por ali, sós.

    Tantos, tantos, mas tantos casos se vêem de igual natureza nesta E.Corte, em que se pode fazer a mesma pergunta, a mesmíssima pergunta.

    E as respostas vão para o ar.

    Mas a ameaça é forte, intransponível, inevitável e invencível, chega um momento que a vítima não consegue se livrar ou gritar, porque pode ter sua vida comprometida, nesta hipótese.

    Ou se cala, ou vem mal maior.

    Ameaça havendo, e não podendo a vítima resistir, evidentemente se torna aquela idônea, contundente e capaz de reduzi-la a um nada, não podendo outra coisa fazer, senão aguardar pelo pior.

    (...)

    Quem é que ousaria tentar se livrar ou gritar com um algoz, com instrumento perfuro-cortante à garganta - real ou ficto - ao momento em que existe séria, pesada, concreta e fortíssima ameaça morte?

    Não se pode querer fugir desta realidade.

    Diga-se, enfim.

    Os detalhes divergem na forma, jamais na essência.

    Porque eles, os detalhes, só por si, não são capazes de alterar a essência dos fatos, estes sim apontando para o acontecimento exatamente tal admitido.

    O que se conta é o convencimento generalizado que se extrai da leitura globalizada do contexto probante, e que leva à certeza dos acontecimentos.

    Independentemente deste ou daquele detalhe que possa ter passado a um ou outro testigo.

    Detalhes e divergências mínimas, por...

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