Acórdão nº 2009/0017595-0 de T3 - TERCEIRA TURMA

Data07 Dezembro 2010
Número do processo2009/0017595-0
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.120.676 - SC (2009⁄0017595-0)

RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
R.P⁄ACÓRDÃO : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : N.D.S. E OUTRO
ADVOGADO : MARCELO BATTIROLA E OUTRO(S)
RECORRIDO : L.P.S.S.
ADVOGADO : VANESSA HUPPES RIPOLL

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITÁRIO. SEGURO DPVAT. ATROPELAMENTO DE MULHER GRÁVIDA. MORTE DO FETO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA LEI Nº 6194⁄74.

1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta por via pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de gestação.

2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização por danos pessoais, prevista na legislação regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte do feto.

3 - Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intra-uterina, desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana.

4 - Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei nº 6.194⁄74 (arts. e ).

5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se procedente o pedido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, por maioria, dar provimento ao recurso especial. Vencido o Sr. Ministro-Relator Massami Uyeda. Votaram com o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino os Srs. Ministros Sidnei Beneti, V.D.G. e N.A. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Brasília (DF), 07 de dezembro de 2010(Data do Julgamento)

MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 1.120.676 - SC (2009⁄0017595-0)

RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
RECORRENTE : N.D.S. E OUTRO
ADVOGADO : MARCELO BATTIROLA E OUTRO(S)
RECORRIDO : L.P.S.S.
ADVOGADO : VANESSA HUPPES RIPOLL

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por N.D.S. e M.R.D.S., fundamentado no artigo 105, inciso III, "a" e "c", da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 3º, letra 'a', da Lei n. 6.194⁄74; , 542, 974, 1.609 e 1.779 do Código Civil, além de dissenso jurisprudencial.

Subjaz ao presente recurso especial, ação de indenização do seguro obrigatório DPVAT - de Danos Pessoais Causados Por Veículos Automotores de Via Terrestre, promovida pelos ora recorrentes, N.D.S. e M.R.D.S., em face da ora recorrida, L.P.S.S.A., tendo por desiderato o recebimento da importância de R$9.600,00 (nove mil e seiscentos reais), decorrente do acidente automobilístico que sofreram em 13.9.2003, o qual ocasionou o aborto do feto da autora que contava, à época, com trinta e cinco (35) semanas de gestação (fls. 5⁄8 - e-STJ).

O r. Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Chapecó⁄Santa Catarina julgou a demanda improcedente, deixando assente, em suma, "que não há como prosperar a tese de que teria direito à percepção da indenização do seguro DPVAT por morte em razão do aborto que sofreu", porquanto, "uma vez adotada a premissa acima delineada de que o natimorto nunca adquiriu personalidade civil, inexoravelmente não há como se admitir a ocorrência do fato jurídico previsto no art. 3º da Lei 6.194⁄74 (acidente de trânsito com morte de pessoa)" ( fls. 115⁄120 - e-STJ).

Irresignados, N.D.S. e M.R.D.S. interpuseram recurso de apelação, ao qual a colenda Terceira Câmara de Direito Civil do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina negou provimento, em acórdão assim ementado:

"APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO DO SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AUTORA COM 35 (TRINTA E CINCO) SEMANAS DE GESTAÇÃO. NASCITURO QUE SOMENTE COM O NASCIMENTO COM VIDA IRIA ADQUIRIR PERSONALIDADE JURÍDICA E TITULARIDADE DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES, EM TERMOS DE LEI SUCESSÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 4º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. PREQUESTIONAMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. ALTERAÇÃO EX OFFICIO DA SENTENÇA 'A QUO' QUE CONDENOU AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUSPENSÃO DA OBRIGAÇÃO PELO PRAZO DE 5 (CINCO) ANOS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 12 DA LEI N. 1.060⁄50. RECURSO DESPROVIDO.

'O nascituro passa a ter personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de quando será sujeito de direitos cuja aquisição até então ficara sob condição suspensiva. Consequentemente, não tem a mulher que sofre aborto em decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por morte prevista no artigo 3º da Lei n. 6.194 (seguro obrigatório para o benefício da vítima fatal)' (TJSC, Apelação Cível n. 2005.039028-9, de Criciúma. Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato. julg. Em 29⁄06⁄2006).

'Não há que se cogitar de prequestionamento, quando toda a matéria posta em juízo foi suficientemente debatida e equacionada, não evidenciando a postulante recursos os pontos do 'decisum' que teriam acarretado violação de dispositivos de lei' (TJ⁄SC; Apelação Cível n. 2006.017793-8, de Blumenau. Rel. Des. TRINDADE DOS SANTOS, J. Em 03⁄05⁄2007)'.

'Deferida o pedido de assistência judiciária, dada a presumida insuficiência de recursos do beneficiário, a condenação deste aos ônus de sucumbência fica suspensa enquanto perdurar sua incapacidade financeira, pelo prazo máximo de 5 (cinco) anos, conforme preceitua o artigo 12 da Lei n. 1.060⁄50' (TJSC; Apelação Cível n. 2006.028342-0, de Chapecó. Rel. Des. FERNANDO CARIONI, J. Em 28⁄11⁄2006".

Buscam os recorrentes, N.D.S. e M.R.D.S., a reforma do r. decisum, sustentando, em síntese, que "o direito à indenização por morte é direito personalíssimo do beneficiário não se transmitindo por herança, assim não há que se falar em necessidade de aquisição de personalidade jurídica da vítima, já que o direito a indenização jamais foi da vítima". Afirmam, outrossim, mostrar-se despiciendo discutir se o nascituro adquiriu ou não personalidade jurídica, na medida em que "o direito ao recebimento da indenização do seguro obrigatório DPVAT é dos pais, quando da morte de filhos, ou seja, os beneficiários são os pais, portanto não há [...] se tratar do tema sobre a aquisição de personalidade jurídica do nascituro". Ressalta, ainda, que a indenização do seguro obrigatório DPVAT é um seguro sui generis, pois tanto pode ser tido como seguro de vida, como seguro de danos morais, a considerar que o pagamento do seguro pode ser descontado da indenização por danos morais eventualmente fixada em favor das vítimas. Em caráter subsidiário, caso se entenda necessário perscrutar a existência de personalidade jurídica do nascituro, aduzem que a personalidade da pessoa humana começa com a existência da vida, que se dá com a concepção e fixação do embrião no ventre materno, o que, afasta a conclusão adotada pelas Instâncias ordinárias acerca da indenização ora pleiteada. Por fim, anotam ter bem demonstrado a existência de dissenso jurisprudencial acerca da controvérsia (fls. 170⁄190).

A recorrida apresentou contrarrazões às fls. 234⁄240.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.120.676 - SC (2009⁄0017595-0)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL - SEGURO DPVAT (DANOS PESSOAIS CAUSADOS POR VEÍCULOS AUTOMOTORES DE VIA TERRESTRE) - PRETENSÃO DE OBTER INDENIZAÇÃO DO SEGURO OBRIGATÓRIO, EM RAZÃO DE ABORTAMENTO PROVOCADO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO - (MORTE DE NASCITURO) - IMPOSSIBILIDADE - PERSONALIDADE CIVIL - NÃO-AQUISIÇÃO - NASCITURO E PESSOA NATURAL - REALIDADES JURÍDICAS DISTINTAS - RECURSO IMPROVIDO.

I - A despeito da controvérsia existente na doutrina, acerca do momento em que se inicia a personalidade civil, infere-se das teorias que se propõem a resolvê-la, como ponto em comum, que o nascituro, assim compreendido como o ser já concebido, mas ainda inserido no meio intra-uterino, titulariza, sim, alguns direitos. Aliás, a parte final do supracitado dispositivo legal é expresso em assentar que a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

II - Na verdade, o nascituro titulariza todos os direitos imprescindíveis para que este ente venha, em condições dignas, a nascer vivo. O nascituro é, portanto, titular dos direitos da personalidade, nestes compreendidos a vida (que, no meio intra-uterino, deve ser propiciada por meio de assistência pré-natal, de alimentos - gravídicos - e todas as demais condições que proporcionem o desenvolvimento saudável da gestação), a honra, a imagem, o nome, etc;

III - A proteção à vida humana, desde o seu nascedouro (concepção) até o surgimento da pessoa natural (nascimento com vida), é reflexa, decorrente da proteção que o ordenamento jurídico confere à pessoa natural, esta sim, centro de imputação de todos os direitos e deveres na ordem jurídica por excelência. Assim, o período em que o feto permanece no ventre materno, como etapa primordial da vida humana, deve ser integralmente resguardado pelo direito naquilo que disser respeito ao nascimento com vida daquele ser, favorecendo e propiciando a eclosão da pessoa natural. (Numa conclusão prévia, já se pode mensurar que a esta finalidade, a indenização pelo seguro DPVAT, não se destina);

IV - Entretanto, o nascituro, como realidade jurídica distinta da pessoa natural, não titulariza os mesmos direitos desta, nem com ela se confunde. A diversidade destas realidades jurídicas (nascituro e pessoa natural), no que se refere a sua proteção jurídica, é revelada pelo artigo 2º do Código Civil que adota, expressamente, como marco definidor para a aquisição da personalidade civil, o nascimento com vida. É, pois, pessoa natural aquele que sobreviveu ao parto, nasceu com vida, adquirindo, com isso, personalidade civil;

V - Com exceção dos direitos da personalidade que são conferidos ao nascituro com o desiderato único de assegurar o surgimento da Pessoa Humana (e, por isso, decorrem, reflexamente, ressalte-se, do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana), este ente, por opção legislativa que não comporta alargamento, não titulariza direitos disponíveis⁄patrimoniais, bem como não...

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