Acórdão nº 2010/0044498-5 de T2 - SEGUNDA TURMA

Data02 Dezembro 2010
Número do processo2010/0044498-5
ÓrgãoSegunda Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.184.624 - SP (2010⁄0044498-5)

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
PROCURADOR : ANDRÉ ZANETTI PAPAPHILIPPAKIS E OUTRO(S)
RECORRIDO : R.I.E.C.L.
ADVOGADO : KOZO DENDA E OUTRO(S)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. TERRENOS SITUADOS NA MARGEM DOS RIOS. FAIXA DE RESERVA. DOMÍNIO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE.

  1. Hipótese em que se discute ocupação privada do antigo leito do Rio Tietê, no Município de São Paulo, referente ao curso das águas anterior à retificação, e do respectivo terreno marginal (reservado ou faixa de reserva).

  2. O particular "confessa a ocupação da área pública, contudo afirma que a área referente à faixa de reserva é de sua propriedade, não pertencendo ao Município" (trecho do acórdão). Inexiste discussão em relação ao álveo (leito) do rio, pois houve concordância da recorrida com o domínio municipal.

  3. O TJ-SP acolheu o pleito, decidindo que "a área de reserva é de propriedade dos réus que sobre ela exercem posse".

  4. O Código de Águas (Decreto 24.643⁄1934) deve ser interpretado à luz do sistema da Constituição Federal de 1988 e da Lei 9.433⁄1997 (Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos), que só admitem domínio público sobre os recursos hídricos.

  5. Na forma dos arts. 20, III, e 26, I, da Constituição, não mais existe propriedade privada de lagos, rios, águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes ou em depósito, e quaisquer correntes de água.

  6. Nesse sentido, a interpretação do art. 31 do Código de Águas, segundo o qual "pertencem aos Estados os terrenos reservados às margens das correntes e lagos navegáveis, se, por algum título, não forem do domínio federal, municipal ou particular", implica a propriedade do Estado sobre todas as margens dos rios estaduais, tais como definidos pelo art. 26 da CF, excluídos os federais (art. 20 da CF), tendo em vista que já não existem, repito, rios municipais ou particulares.

  7. O título legítimo em favor de particular, previsto nos arts. 11 e 31 do Código de Águas, que poderia, em tese, subsidiar pleito do particular, é apenas o decorrente de enfiteuse ou concessão, jamais dominial, pois juridicamente impossível. Precedentes da Segunda Turma (REsp 508.377⁄MS, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 23.10.2007; REsp 995.290⁄SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 11⁄11⁄2008).

  8. Considerando a premissa incontroversa de que a legislação paulista transferiu para o Município de São Paulo o trecho do Rio Tietê, que cruza a cidade e suas margens, conclui-se pelo acolhimento da pretensão recursal.

  9. Recurso Especial provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Castro Meira e Humberto Martins (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.

    Brasília, 02 de dezembro de 2010(data do julgamento).

    MINISTRO HERMAN BENJAMIN

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.184.624 - SP (2010⁄0044498-5)

    RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
    RECORRENTE : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
    PROCURADOR : ANDRÉ ZANETTI PAPAPHILIPPAKIS E OUTRO(S)
    RECORRIDO : R.I.E.C.L.
    ADVOGADO : KOZO DENDA E OUTRO(S)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, "a", da CF⁄88) interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

    Apelação - reintegração de posse - chamada faixa de reserva – área próxima ao antigo leito do Rio Tietê - Poder Público não ostenta direitos sobre a área que era utilizada como mera servidão - a área reservada perde seu efeito com o abandono do álveo - em relação a reintegração da área que correspondia ao antigo leito do rio as partes concordam com a reintegração - em relação a essa área fica caracterizado o esbulho possessório, devendo o requerido pagar pela ocupação indevida. Recursos parcialmente providos (fl. 417, e-STJ).

    Os Embargos de Declaração foram parcialmente acolhidos nos seguintes termos:

    Embargos de declaração — omissão e contradição - termo iniciai da indenização deve ser contado do indeferimento da permissão de uso - impossibilidade de condenação da Municipalidade a ressarcir prejuízos, mas há viabilidade na compensação entre o valor da ocupação do embargante, com o valor da ocupação da faixa de reserva pela Municipalidade. Embargos acolhidos parcialmente (fl. 430, e-STJ).

    Contra-razões às fls. 464-471, e-STJ.

    O Ministério Público Federal opina pelo provimento do Recurso Especial (fls. 547-551, e-STJ):

    PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MODIFICAÇÃO NO CURSO DO RIO TIETÊ. RETIFICAÇÃO DECORRENTE DE OBRA PÚBLICA. FAIXA DE RESERVA REFERENTE AO ÁLVEO ABANDONADO. ACÓRDÃO SOB ATAQUE CONTRÁRIO A PRESUNÇÃO JURIS TANTUM EM FAVOR DO PODER PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. PRECEDENTE DO STJ. A TEOR DA SÚMULA N° 07 DO STJ, DESCABE O INOPORTUNO REEXAME DOS DIFERENTES E ANTAGÔNICOS TÍTULOS INVOCADOS PELAS PARTES QUANTO AO ALEGADO DIREITO DE PROPRIEDADE SOBRE A ÁREA OUTRORA FAIXA DE RESERVA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA TRANSFERÊNCIA OU NÃO DAS FAIXAS DE RESERVA, SITUADAS NA CAPITAL BANDEIRANTES, DENTRO DO RAIO DE DOZE QUILÔMETROS, AO MUNICÍPIO ORA RECORRENTE. PELO PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

    O recorrente, em apertada síntese, afirma que houve violação ao art. 31 do Decreto 24.643⁄1934, pois não se sustenta "a argumentação do acórdão de que seria necessária a desapropriação da área para que ela fosse pertencente ao ente público. Ao contrário, é impossível desapropriar-se o que nunca pertenceu a particulares" (fl. 437, e-STJ).

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.184.624 - SP (2010⁄0044498-5)

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 7.7.2010.

    Analisarei a demanda recursal em tópicos, para maior clareza.

  10. Histórico e conhecimento do Recurso Especial

    Discute-se a ocupação privada do antigo leito do Rio Tietê, no Município de São Paulo, e do respectivo terreno marginal (faixa de 15 metros de cada lado – art. 14 do Código de ÁguasDecreto 24.643⁄1934).

    Como é de conhecimento daqueles familiarizados com a capital paulista, o Rio Tietê representa um dos principais cursos de água da localidade, ao lado do Rio Pinheiros. O seu traçado, originalmente tortuoso, foi retificado na primeira metade do século passado e o rio corre, atualmente, em linha levemente sinuosa.

    São notórias as conseqüências dessa intervenção, como a drástica redução da área permeável da cidade, decorrente da extinção das antigas várzeas, lagoas, cursos de água secundários etc. Ademais, ao que importa à presente demanda, a retificação implicou abandono do álveo (leito) original.

    Ocorre que o antigo leito acabou sendo ocupado por inúmeros particulares, entre eles a agravada.

    Nesse contexto, o...

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