Acórdão nº 0000186-6/2008 de TJBA. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, Primeira Câmara Criminal, 16 de Septiembre de 2010

Magistrado ResponsávelLourival Almeida Trindade
Data da Resolução16 de Septiembre de 2010
EmissorPrimeira Câmara Criminal
Tipo de RecursoRecurso em Sentido Estrito

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL – SEGUNDA TURMA

RECURSO CRIMINAL SENTIDO ESTRITO Nº 0000186-67.2008.805.0118-0

COMARCA: ITAGIMIRIM

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

RECORRIDO: ADENILTON LIMA ROCHA

DEFENSOR DATIVO: ADELINO WALTER FERREIRA

RELATOR: DES. LOURIVAL ALMEIDA TRINDADE

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO, EM SENTIDO ESTRITO.

REJEIÇÃO DA DENÚNCIA, NO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO.

INCONFORMISMO MINISTERIAL. LESÃO CORPORAL LEVE, PRATICADA NO

CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. RETRATAÇÃO DA

REPRESENTAÇÃO. DESCABIMENTO. AÇÃO PENAL INCONDICIONADA.

  1. O representante do Ministério Público estadual, em laboriosa peça recursal,

    pretende seja recebida a denúncia, em desfavor do recorrido, ao argumento de que a ação penal, em casos de lesão corporal leve ou culposa, seria pública incondicionada, levando-se, em linha de conta, que a Lei Maria da Penha proíbe,

    expressamente, a aplicação da Lei 9.099/95, a qual determina, ao seu turno, ser a predita ação penal condicionada à representação da vítima.

    No caso solvendo, a vítima, agredida por seu companheiro, com pancadas de pedra, na região da cabeça e do pescoço, retratou-se da representação,

    adredemente, oferecida, em audiência, designada para este fim específico, como determina a Lei Maria da Penha, em seu art. 16 - em casos de ações penais condicionadas à representação.

  2. De logo, sobreleve-se que o ponto fulcral do presente recurso envolve verdadeira vexata quaestio, tanto assim que o Procurador Geral da República,

    Roberto Gugel, propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424), a qual encontra-se pendente, no STF, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, com o desiderato de afastar a aplicabilidade da Lei dos Juizados Especiais (9.099/95)

    aos crimes, cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha (11.340/2006), bem como para determinar que o crime de lesão corporal, de natureza leve, cometido contra mulher seja processado, mediante ação penal pública incondicionada. Todavia,

    não há, ainda, previsão do julgamento.

  3. Bem é de ver que o artigo 16, da Lei 11340/06, segundo o qual “nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei,

    só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”, destina-se-ia àqueloutros delitos, tais como ameaça,

    crimes contra a honra, violação de correspondência, etc, não se estendendo às hipóteses de lesão corporal leve ou culposa, expressamente, estampadas na Lei

    9.099/95. É o que asseveram Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes 1. Nessa mesmíssima alheta, o promotor Fausto Rodrigues de Lima, em artigo intitulado “A

    Renúncia das Vítimas e os fatores de Risco à Violência Doméstica: da Construção

    1 Lei da violência contra a mulher – Renúncia e representação da vítima. Disponível em www.jusnavigandi.com.br à Aplicação do Art. 16 da Lei Maria da Penha”2, pontua, percucientemente: “O

    artigo 16 é expresso: a renúncia somente pode ocorrer nos crimes de ação penal pública condicionada à representação. Estes são facilmente identificáveis na legislação penal, mediante a expressão: ‘(...) somente se procede mediante representação’ (art. 100, do Código Penal). Os demais são de ação penal pública incondicionada (ressalvando-se os casos de ação penal privada). Não existem outras hipóteses. (...) O crime dependente de representação mais comumente denunciado é o de ameaça (art. 147). No entanto, poderão ocorrer alguns outros mais raros (menos registrados), como o de perigo venéreo (art. 130, CP), violação da correspondência (art. 151, CP), divulgação de segredo (art. 153, CP), furto de coisa comum (art. 156, CP) ou qualquer crime contra o patrimônio previsto no

    Título II do Código Penal, cometido sem violência ou grave ameaça (art. 182, incs.

    I, II e III, c/c art. 183, inc. I, CP) (...)”.

    E, adiante, dilucida:

    “Segundo o Código Penal, essa ‘leveza’ [da lesão corporal] é caracterizada nos casos em que as vítimas sobrevivem e se recuperam até o 30º dia da agressão,

    sem apresentar seqüelas. Nesse contexto, muitas vítimas procuram justificar a própria agressão sofrida e isentar o agressor de culpa, alegando que as diversas lesões sofridas resultam de sua ‘pele muito branquinha, basta encostar que fica vermelho!’ Acontece que este simples ‘encostar’ significa, na prática, horas seguidas de chutes, socos, tapas e esganaduras, que as vítimas, em seu medo e fragilidade, tentam atenuar para evitar novas agressões. No entanto, com a Lei

    Maria da Penha, o crime de lesão não é mais considerado de ‘menor potencial lesivo’, porque prevê pena de 3 anos de prisão. A ação penal voltou a ser incondicionada, ou seja, não mais depende de representação das vítimas. O

    Ministério Público deve agir de ofício. O acompanhamento multidisciplinar, se necessário, deve acontecer simultaneamente ao processo criminal”. (Idem, pag.

    107)

    Este relator alberga tal interpretação, no que tangencia a matéria decidenda.

  4. Da simples leitura do rol de crimes que exigem representação para a deflagração da ação penal, é possível concluir que tal qualidade de delitos reveste-se de lesividade diminuta, se comparada àqueles que deságuam em ações públicas incondicionadas.

    A lesão corporal contra cônjuge ou companheiro do agressor, ou com quem este conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, como estampado, no texto do art.

    129, §9º, do CPB, prevê pena máxima de 03 anos de detenção, o que faz com que escapem, mais uma vez, do alcance da Lei 9.099/95, a qual abrange os crimes cuja pena máxima não ultrapasse 02 anos e exige representação da vítima, para a propositura da ação penal.

  5. No caso solvendo, a vítima, já separada do denunciado, há alguns dias, teria recusado o convite de com este conversar, despertando-lhe inconformismo, a ponto de, em represália, haver-se aproximado da vítima, tapando-lhe a boca,

    arrastando-a pelo chão e passando a agredi-la, com pedradas, na região da cabeça e do pescoço. Escusado explicitar que se trata de regiões, extremamente,

    sensíveis do corpo humano. Todavia, como o laudo não concluiu pela incapacitação da vítima, por mais de 30 dias, a lesão foi classificada como “leve”.

    Salta aos olhos, contudo, que essa leveza não se confunde com aquela

    2 In Violência Doméstica – vulnerabilidades e desafios na intervenção criminal e multidisciplinar. Rio de

    Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 82.

    decantada por Cecília Meireles, em poema homônimo, que diz: “Leve é o pássaro: e a sua sombra voante, mais leve (...)”. Não e não!

    A agressão, a pedradas, lembra mesmo o apedrejamento, sofrido por Maria

    Madalena, em cena bíblica, de singular barbárie, que vergasta a mais singela noção de dignidade humana.

    Aliás, outro ponto de intercessão, entre os dois trágicos eventos, consiste no fato de que a personagem bíblica teria sido agredida, em plena praça pública,

    enquanto, no caso, sob exame, a violência, posta, em debate, neste locus judicial,

    não pode permanecer, sob o olhar de esguelha, por parte do Estado-juiz,

    pretendendo, contraditoriamente, lavar as mãos, à semelhança de Pilatos, de novo a referência evocatória das Escrituras Sagradas, quase que num ato de comiseração para com aquele que ergueu a pedra e feriu a mulher que um dia chamou de amor... Passando-se, ao largo, de excogitações laboriosas, em derredor do campo sociológico da violência contra as mulheres, sabe-se e ressabe-se que tal tema envolve os chamados delitos de poder, poder este cujas raízes etiológicas deitam suas vertentes em ancestral patriarcalismo.

    Em outro giro de argumentação verbal, sobreleve-se que, via de regra, sói ocorrer que o processo, envolvendo a família, transmude-se no palco das desavenças e conflitos conjugais. Carnelutti, um dos poetas do processo, declarou, certa vez,

    que o processo existe, porque os homens não sabem amar. “O processo é,

    portanto, o desgraçado sucedâneo do amor que os homens não souberam cultivar”.

    Vai, daí, que os homens passam a...

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