Acórdão nº 2010/0131058-6 de S1 - PRIMEIRA SEÇÃO

Número do processo2010/0131058-6
Data09 Fevereiro 2011
ÓrgãoPrimeira Seção (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 15.517 - DF (2010⁄0131058-6)

RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
IMPETRANTE : C.C.D.O.R.
ADVOGADO : ADELVO BERNARTT E OUTRO(S)
IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
INTERES. : UNIÃO

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. CONDUTAS DESCRITAS NO ARTIGO 117, IX E XI, DA LEI 8.112⁄90. INTERMEDIAÇÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DENÚNCIA ANÔNIMA. POSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. COMPROVAÇÃO DAS CONDUTAS POR OUTROS MEIOS DE PROVA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. ATO VINCULADO.

  1. O mandado de segurança foi impetrado com o objetivo de anular a Portaria n. 202⁄2010 editada pelo Ministro de Estado da Previdência Social que cassou a aposentadoria da impetrante com fundamento nos artigos 117, IX e XI, 132, XIII e 134, com os efeitos previstos no artigo 137, todos da Lei 8.112⁄90 (atuar como procurador ou intermediário junto a repartições públicas e valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública). O ato de cassação se deu ante a apuração das seguintes faltas funcionais: (1ª) no exercício de suas funções no cargo de Técnico do INSS a impetrante formatou pelo menos 3 (três) benefícios de pessoas domiciliadas em São Paulo⁄SP cuja documentação foi a ela apresentada por estagiário do escritório de sua irmã na Agência da Previdência Social de Bauru⁄SP, tendo fornecido o próprio endereço para as correspondências a serem emitidas pelo INSS aos segurados, o que caracteriza a intermediação; (2ª) concessão irregular do benefício a segurado domiciliado em São Paulo e assessorado pelo escritório de advocacia da irmã, ante o não cumprimento da carência prevista no artigo 182 do Decreto 3.048⁄99 à época do exame dos documentos pela impetrante.

  2. O manejo do writ requer a demonstração do direito líquido e certo por meio de prova pré-constituída, o que não ocorreu na hipótese dos autos no pertinente à prescrição da pretensão punitiva.

  3. A investigação preliminar para averiguar a materialidade dos fatos e sua veracidade, desde que não exponha a imagem do denunciado e não sirva de motivo para perseguições, deve ser feita e é inerente ao poder-dever de autotutela da Administração Pública, admitindo-se o anonimato do denunciante com certa cautela e razoabilidade, pois a sua vedação, de forma absoluta, serviria de escudo para condutas deletérias contra o erário. Precedentes: MS 12.385⁄DF, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14⁄05⁄2008, DJe 05⁄09⁄2008; MS 13.348⁄DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27⁄05⁄2009, DJe 16⁄09⁄2009; REsp 867.666⁄DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 27⁄04⁄2009, DJe 25⁄05⁄2009; RMS 30.510⁄RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17⁄12⁄2009, DJe 10⁄02⁄2010.

  4. Não ocorreu cerceamento de defesa ou ofensa ao contraditório pela dilação do prazo referente às investigações preliminares, máxime porque esse procedimento pré-processual não foi destinado à aplicação de penalidade. Ademais, o writ não demonstra o efetivo prejuízo da impetrante capaz de ensejar a anulação do ato de cassação da aposentadoria.

  5. Não há nos autos qualquer indício de que a Comissão Processante obstruiu o direito da impetrante à produção das provas. Ao revés, instaurado o PAD, seguiu-se sua notificação e depoimento pessoal à Comissão Processante. Foi assistida pela irmã, advogada, na audiência de oitiva das testemunhas em São Paulo⁄SP, acompanhou pessoalmente os depoimentos colhidos no município em que reside, e, após ter sido indiciada e citada, apresentou defesa escrita por procuradora habilitada, tudo devidamente analisado, conforme consta do Relatório Final.

  6. O fato de a denúncia anônima ter sido acompanhada de cópia de e-mail enviado pela impetrante à sua irmã (advogada dos beneficiários) não vicia a apuração dos fatos, notadamente porque o poder-dever da Administração Pública teria sido exercido independentemente desse documento. Entretanto, o Processo Administrativo Disciplinar contém outras provas dos fatos que não são ilícitas nem derivam da ilícita, ou seja, são autônomas, não guardam relação com o e-mail capturado pelo denunciante anônimo, tampouco sofreram a repercussão deste documento, razão pela qual o ato impugnado não deve ser anulado.

  7. O Relatório Final da Comissão Processante e o Parecer⁄CONJUR⁄MPS n. 143⁄2010 demonstraram a ocorrência das condutas, notadamente pela análise dos benefícios concedidos, declarações da impetrante, depoimentos dos demais servidores que atuam na mesma Agência da Previdência e dos segurados que haviam procurado inicialmente o escritório da irmã da impetrante. As condutas discriminadas são ilegais e se enquadram nos tipos dos incisos IX e XI do artigo 117 da Lei 8.112⁄90, o que afasta o erro escusável. O prejuízo à Administração Pública é inerente, sendo prescindível a demonstração do enriquecimento ilícito da ex-servidora.

  8. Quanto à pretensão de análise do pedido de reconsideração, não obstante a Administração tenha consignado pelo seu não conhecimento, por intempestividade, acabou, também, por enfrentar o próprio mérito da insurgência. Isso porque foi acolhida concomitantemente a parte da manifestação da Consultoria Jurídica consubstanciada no Parecer⁄CONJUR⁄MPS⁄N 325⁄2010, que analisou o pedido e entendeu pela ausência de qualquer nulidade no Processo Administrativo Disciplinar. Desse modo, afastado está o alegado prejuízo, o que conduz à aplicação do princípio pas de nullité sans grief.

  9. A Administração Pública, quando se depara com situações em que a conduta do investigado se amolda nas hipóteses de demissão ou cassação de aposentadoria, não dispõe de discricionariedade para aplicar pena menos gravosa por tratar-se de ato vinculado. Nesse sentido, confira-se: [...] o administrador não tem qualquer margem de discricionariedade na aplicação da pena, tratando-se de ato plenamente vinculado. Configurada a infração do art. 117, XI, da Lei 8.112⁄90, deverá ser aplicada a pena de demissão, nos termos do art. 132, XIII, da Lei 8.112⁄90, sob pena de responsabilização criminal e administrativa do superior hierárquico desidioso (MS 15.437⁄DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 26⁄11⁄2010).

  10. Ordem denegada.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Hamilton Carvalhido, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luiz Fux.

    Brasília (DF), 09 de fevereiro de 2011(Data do Julgamento)

    MINISTRO BENEDITO GONÇALVES

    Relator

    MANDADO DE SEGURANÇA Nº 15.517 - DF (2010⁄0131058-6)

    RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
    IMPETRANTE : C.C.D.O.R.
    ADVOGADO : ADELVO BERNARTT E OUTRO(S)
    IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
    INTERES. : UNIÃO

    RELATÓRIO

    O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator): Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por C.C. deO.R. contra ato do Ministro de Estado da Previdência Social, publicado no Diário Oficial da União de 3 de maio de 2010, que cassou sua aposentadoria com fundamento nos artigos 117, IX e XI, 132, XIII e 134, com os efeitos previstos no artigo 137, todos da Lei 8.112⁄90, o que acarretou também a sua exclusão do Plano de Saúde e Assistência Social GEAP⁄SAÚDE.

    Narra a impetrante que ocupou o cargo de agente administrativo no INSS durante 28 anos e que se aposentou em dezembro de 2003. Entretanto, sua aposentadoria foi cassada no dia 3 de maio de 2010 em decorrência de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) iniciado por meio de denúncia anônima apresentada ao Ministério Público Federal em 20 de abril de 2004 (fl. 139 e-STJ) da qual só lhe foi dado conhecimento em 21 de agosto de 2009, o que já seria hipótese para a anulação da punição "pelo decurso de mais de cinco anos entre a sua apresentação e a instauração do inquérito".

    A seguir, aduz que o PAD (n. 35664000144⁄2009-83) não respeitou seu direito de defesa ante a ocorrência dos seguintes vícios:

    (a) excesso de prazo para comunicar a impetrante da existência da denúncia anônima, o que dificultou seu direito de defesa; ademais, a denúncia anônima teria sido subsidiada por meio de prova adquirida de forma ilícita (e-mail corporativo do INSS enviado pela impetrante à sua irmã receptado por estagiária do escritório de advocacia desta última, sem a devida autorização);

    (b) obstrução no concernente à produção da prova no PAD e falta de observância da rotina de trabalho exercida pela impetrante à época da denúncia, notadamente porque sua ficha funcional, adquirida em 28 anos no INSS, seria irretocável;

    (c) ficou comprovado nos autos do PAD que a impetrante reside no apartamento n. 41 da rua Júlio Maringoni 12-35, enquanto sua irmã (advogada) utiliza o apartamento de n. 51 do mesmo edifício quando está na cidade de Bauru⁄SP.

    (d) falta de relatórios a respeito dos benefícios que foram deferidos supostamente de forma irregular, os quais não lhe foi franqueado o acesso para o exame;

    (e) indeferimento do requerimento para análise das provas e desconsideração dos depoimentos dos segurados e das testemunhas que lhe seriam favoráveis;

    (f) aplicação da pena de cassação de aposentadoria sem que fosse comprovada a prática de qualquer ato ilícito ou prejuízo à Administração Pública, aos segurados envolvidos nos fatos, ou o locupletamento ilícito da impetrante, aliás os fatos configurariam erro administrativo escusável;

    (g) não lhe foi concedido o direito à aplicação dos artigos 128 da Lei 8.112⁄90; 2º, caput, parágrafo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT