Acórdão nº 2010/0098371-3 de T2 - SEGUNDA TURMA

Número do processo2010/0098371-3
Data05 Outubro 2010
ÓrgãoSegunda Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.196.142 - RS (2010⁄0098371-3)

RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON
R.P⁄ACÓRDÃO : MINISTRO CASTRO MEIRA
RECORRENTE : N.A.P.
ADVOGADO : CLÁUDIO HENRIQUE KNAPP HERNANDES E OUTRO(S)
RECORRIDO : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADOR : C.F.V.E.O. : F.M.
INTERES. : V.C.D.V.L.

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IMPENHORABILIDADE DE BEM. ART. 649, V, DO CPC. AUSÊNCIA DE PROVA. SÚMULA 7⁄STJ. ART. 332 DO CPC. PROVA TESTEMUNHAL. OBJEÇÃO DE IMPENHORABILIDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESCABIMENTO.

  1. As diversas leis que disciplinam o processo civil brasileiro deixam claro que a regra é a penhorabilidade dos bens, de modo que as exceções decorrem de previsão expressa em lei, cabendo ao executado o ônus de demonstrar a configuração, no caso concreto, de alguma das hipóteses de impenhorabilidade previstas na legislação, como a do art. 649, V, do CPC, verbis: "São absolutamente impenhoráveis (...) os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão".

  2. Cabe ao executado, ou àquele que teve um bem penhorado, demonstrar que o bem móvel objeto de constrição judicial enquadra-se nessa situação de "utilidade" ou "necessidade" para o exercício da profissão. Caso o julgador não adote uma interpretação cautelosa do dispositivo, acabará tornando a impenhorabilidade a regra, o que contraria a lógica do processo civil brasileiro, que atribui ao executado o ônus de desconstituir o título executivo ou de obstruir a satisfação do crédito.

  3. Assim, a menos que o automóvel seja a própria ferramenta de trabalho, como ocorre no caso dos taxistas (REsp 839.240⁄CE, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 30.08.06), daqueles que se dedicam ao transporte escolar (REsp 84.756⁄RS, Rel. Min. Ruy Rosado, Quarta Turma, DJ de 27.05.96), ou na hipótese de o proprietário ser instrutor de auto-escola, não poderá ser considerado, de per si, como "útil" ou "necessário" ao desempenho profissional, devendo o executado, ou o terceiro interessado, fazer prova dessa "necessidade" ou "utilidade". Do contrário, os automóveis passarão à condição de bens absolutamente impenhoráveis, independentemente de prova, já que, de uma forma ou de outra, sempre serão utilizados para o deslocamento de pessoas de suas residências até o local de trabalho, ou do trabalho até o local da prestação do serviço.

  4. No caso, o aresto recorrido negou provimento ao agravo do ora recorrente, porque ele não fez prova da "utilidade" ou "necessidade" do veículo penhorado para o exercício profissional. Assim, para se infirmar a tese adotada no aresto recorrido - de que o recorrente não fez prova da "utilidade" ou "necessidade" do bem penhorado para o exercício de sua profissão - será necessário o reexame de matéria fática, o que é incompatível com a natureza do recurso especial, nos termos da Súmula 7⁄STJ.

  5. Tendo sido a discussão sobre a impenhorabilidade do bem travada no âmbito da própria execução, por meio de objeção de impenhorabilidade, não cabia, como não cabe, dilação probatória, não havendo que se falar em cerceamento de defesa pela não realização da prova testemunhal. Ademais, se o ora recorrente sabia da necessidade de produzir provas em juízo, deveria ter recorrido da decisão que cancelou a autuação dos embargos à penhora, convertendo-o em objeção de impenhorabilidade inclusa nos próprios autos da execução. Ausência de violação do art. 332 do CPC.

  6. Recurso especial conhecido em parte e não provido, divergindo da nobre Relatora.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Castro Meira, divergindo da Sra. Ministra-Relatora, por maioria, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, negar-lhe provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Castro Meira, que lavrará o acórdão. Vencida a Sra. Ministra Eliana Calmon. Votaram com o Sr. Ministro Castro Meira os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques.

    Brasília, 05 de outubro de 2010(data do julgamento).

    Ministro Castro Meira

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.196.142 - RS (2010⁄0098371-3)

    RECORRENTE : N.A.P.
    ADVOGADO : CLÁUDIO HENRIQUE KNAPP HERNANDES E OUTRO(S)
    RECORRIDO : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
    PROCURADOR : C.F.V.E.O. : F.M.
    INTERES. : VIDRAL COMÉRCIO DE VIDROS LTDA

    RELATÓRIO

    A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Cuida-se de recurso especial interposto com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul assim ementado:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO E FISCAL. EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO VEÍCULO POR SE TRATAR DE INSTRUMENTO DE TRABALHO. NÃO-COMPROVAÇÃO. Embora a impenhorabilidade absoluta de determinado bem possa ser alegada a qualquer tempo, e até mesmo por mera petição, independentemente da apresentação de embargos à execução, não se pode acolher a referida alegação, quando o executado deixa de comprovar adequadamente a utilização do veículo, objeto da contenda, como instrumento de trabalho, não se aplicando à espécie o disposto no art. 649, V, do CPC. Precedentes deste Tribunal. AGRAVO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (Agravo de Instrumento Nº 70021491048, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 05⁄12⁄2007) (f. 104)

    Foram opostos embargos de declaração, que restaram rejeitados (fls. 115⁄119).

    Nas razões de recurso, alega-se violação aos arts. 332 e 649, VI do CPC, sustentando, em síntese, que:

    1. o veículo Volkswagen Parati CL 1.8, fabricado em 1994, placa IBV 0783, foi penhorado em execução fiscal, em trâmite na 6ª. Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, sendo incontroversa sua utilização exclusiva para o exercício da atividade profissional de vidraceiro (transporte de furadeiras, parafuseiras e cortadeiras), posto que sequer possui bancos traseiros, retirados para dar maior espaço na carroceria, possibilitando o transporte de vidros maiores; possuindo, ainda, rack especial para o transporte de vidros de grande tamanho;

    2. a expropriação do veículo do recorrente lhe impossibilitaria o exercício da atividade profissional, pois não teria como efetuar o transporte dos vidros até o local da instalação porque se cuida de material frágil, de grande volume e peso, inviável de ser transportado por veículos de transporte público;

    3. o executado opôs-se à penhora por intermédio de embargos à penhora, que foram recebidos como objeção de impenhorabilidade, sem que se oportunizasse ao devedor os meios de prova, em especial a prova testemunhal, inerentes ao contraditório; e

    4. o acórdão recorrido diverge da interpretação que esta Corte conferiu à mesma situação fática no REsp 710.716, rel. Min. Eliana Calmon, quando se decidiu que o inciso VI do artigo 649 do CPC autoriza a interpretação mais benéfica, ao indicar como absoutamente impenhoráveis os instrumentos não só necessários, mas úteis ao exercício de qualquer profissão.

    Ao final, postula a reforma do acórdão recorrido para se afastar o gravem incidente sobre o bem objeto da controvérsia. (fls. 52⁄63)

    Contrarrazões às fls. 140⁄146.

    Recurso especial admitido às fls. 150⁄154.

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.196.142 - RS (2010⁄0098371-3)

    RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON
    RECORRENTE : N.A.P.
    ADVOGADO : CLÁUDIO HENRIQUE KNAPP HERNANDES E OUTRO(S)
    RECORRIDO : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
    PROCURADOR : C.F.V.E.O. : F.M.
    INTERES. : V.C.D.V.L.

    VOTO

    A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora): Para melhor compreensão da controvérsia transcrevo os fundamentos do acórdão recorrido, expresso no voto vencedor:

    1) a afirmação do recorrente, no sentido de que exerce a profissão de vidraceiro, realizando a instalação de vidros em geral (portas de vidro, janela de vidro, sacadas de vidro etc.), utilizando o veículo para efetuar o transporte destes (fl. 06), não foi contestada pelo exeqüente⁄recorrido;

    2) o veículo, ainda que facilite a prestação do serviço, não é indispensável para sua realização, pois existem outros meios para o transporte dos materiais, não prevalecendo o argumento de que é o automóvel em questão essencial e indispensável para a sua atividade;

    3) para ser reconhecida a impenhorabilidade do bem, nos termos do art. 649, VI do CPC, faz-se necessário demonstrar a utilidade específica deste à atividade profissional desempenhada pelo executado, o que não ocorreu;

    4) cabia ao agravante comprovar de forma inequívoca que o automóvel constrito era utilizado para o trabalho para afastar a penhora, o que não fez;

    5) não há falar em violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, uma vez que foi a própria via eleita pelo agravante para a alegação de impenhorabilidade que impossibilitou a dilação probatória, reclamando, assim, que de plano fosse comprovada a situação sustentada. Portanto, se o recorrente tinha o interesse de produzir provas, deveria ter oposto embargos à execução. A impossibilidade do ajuizamento destes decorre de ato da própria parte, que não pode, nesse passo, socorrer-se de tal fato. (fls. 106⁄108)

    As premissas do acórdão recorrido não devem prevalecer pela interpretação draconiana e incoerente que produz.

    Com efeito, o art. 649, VI do CPC prevê que os bens necessários e úteis ao exercício profissional estão absolutamente resguardados da penhorabilidade, ainda que se cuide de crédito tributário (cf. art. 184 do CTN). Por necessidade entende-se o fato de que sem o bem o exercício profissional não se realiza, tal como o pincel para o pintor, o táxi para o taxista, a câmera para o fotógrafo ou a máquina de serrar...

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