Acórdão nº 2009/0184085-7 de T5 - QUINTA TURMA

Número do processo2009/0184085-7
Data22 Fevereiro 2011
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 148.136 - DF (2009⁄0184085-7)

RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
IMPETRANTE : MARILIA GABRIELA GIL BRAMBILLA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
PACIENTE : A L O

EMENTA

HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONTRA CRIANÇA DE 6 ANOS PRATICADO ANTES DA EDIÇÃO DA LEI 12.015⁄09. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DO MP COM BASE NA ANTIGA REDAÇÃO DO ART. 225 DO CPB QUE TINHA COMO REGRA A AÇÃO PENAL PRIVADA. AÇÃO PENAL PÚBLICA PREVISTA PARA A VÍTIMA HIPOSUFICIENTE. NORMA ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 QUE DESIGNOU ESPECIAL ATENÇÃO ÀS CRIANÇAS E AOS ADOLESCENTES. INCOMPATIBILIDADE DO ART. 225 DO CPB (ANTIGA REDAÇÃO) COM A ORDEM CONSTITUCIONAL VIGENTE. NÃO RECEPÇÃO, PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, DO ART. 225 DO CPB (ANTIGA REDAÇÃO). PARECER MINISTERIAL PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.

  1. O art. 225 do CPB, em sua antiga redação, excepionava apenas dois casos em que seriam cabíveis a Ação Penal Pública para os crimes sexuais praticados contra vulneráveis: (a) se a vítima ou seus pais não pudessem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família ou (b) se o crime fosse cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador (§ 1o., I e II).

  2. A Carta Política de 1988, entretanto, designou especial atenção às crianças e aos adolescentes e previu que cabe não só a família, mas também ao Estado assegurar à criança todos os direitos ali previstos. A partir dessa premissa, não me parece razoável que a proteção jurisdicional do Estado, em caso de um crime hediondo de extrema gravidade e praticado contra uma menor, seja reservada apenas a um reduzido número de crianças, com fulcro exclusivamente em sua situação econômica.

  3. A subordinação da punibilidade dos crimes contra a liberdade sexual praticado contra menores a seus representantes legais é claramente incompatível com o texto constitucional em vigor, portanto correta a decisão do Tribunal a quo que reconheceu não ter sido o art. 225 do CPB recepcionado pela Constituição de 1988.

  4. Assim, o Ministério Público é parte legítima para propor a Ação Penal instaurada para verificar a prática de atentado violento ao pudor contra criança, independentemente da condição financeira da mesma.

  5. Parecer do MPF pela denegação do writ.

  6. Ordem denegada.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

    Brasília⁄DF, 22 de fevereiro de 2011 (Data do Julgamento).

    NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

    MINISTRO RELATOR

    HABEAS CORPUS Nº 148.136 - DF (2009⁄0184085-7)

    RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
    IMPETRANTE : MARILIA GABRIELA GIL BRAMBILLA
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
    PACIENTE : A L O

    RELATÓRIO

  7. Cuida-se de Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado em favor de A L O, em adversidade ao acórdão proferido pelo egrégio TJDFT, que denegou a ordem em writ anterior. O acórdão ficou assim ementado:

    PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONDUTA ANTERIOR DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR COM PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA PELA IDADE DA VÍTIMA. ADVENTO DA LEI Nº 12.015⁄2009. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA DA CONDUTA, AGORA ESTUPRO DE VULNERÁVEL. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE REQUERIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INDEFERIMENTO. NÃO RECEPÇÃO DO ARTIGO 225 DO CÓDIGO PENAL, ANTIGA REDAÇÃO, PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, NOS CASOS EM QUE É VÍTIMA DE CRIME DE NATUREZA SEXUAL CRIANÇA OU ADOLESCENTE. HIPÓTESE DE AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. REJEIÇÃO DA ORDEM QUANDO PRETENDE O TRANCAMENTO DESTA. PREJUDICIALIDADE DA ORDEM QUANTO À QUEIXA.

    A conduta imputada ao paciente, prática de ato libidinoso com menor que contava seis anos de idade, antes descrita no artigo 214 c⁄c artigo 224, “a”, ambos do Código Penal, redação antiga, permanece criminalizada após o advento da Lei nº 12.015⁄2009, só que em dispositivo diverso, qual seja, o novo artigo 217-A, introduzido pelo artigo 3º da Lei nº 12.015⁄2009. Há continuidade normativo-típica da conduta. Inocorrência de abolitio criminis.

    O processo penal adota, para resolver questão de direito intertemporal, o sistema do isolamento das fases processuais (artigo 2º do Código de Processo Penal). Por isso, têm validade plena, na espécie em desate, os atos processuais realizados anteriormente ao advento da Lei nº 12.015⁄2009, sob a égide da lei antiga, que, no ponto, deverá ser observada, mormente quando mais favorável à defesa. Portanto, a pertinência da denúncia e a da queixa deverão ser examinadas em face do artigo 225 do Código Penal na anterior redação, não na nova. Entendimento contrário implicaria aplicar retroativamente a Lei nº 12.015⁄2009 e ferir de morte o artigo 2º do Código de Processo Penal. Subsistência, destarte, de interesse quanto ao incidente de inconstitucionalidade do antigo artigo 225 do Código Penal.

    A norma reputada inconstitucional pelo Ministério Público, artigo 225, caput, do Código Penal, na antiga redação, datava de 7⁄12⁄1940, enquanto que a vigente Constituição Federal foi promulgada em 5⁄10⁄1988. A norma, pois, era anterior à ordem constitucional vigente. Nessa circunstância, não há cogitar de eventual inconstitucionalidade, mas da ocasional não recepção da lei antiga pela Constituição nova, ou seja, da eventual revogação da lei anterior pela posterior (a Constituição). E para isso decidir não se observa a cláusula da reserva de plenário, cabendo o julgamento direto da espécie ao órgão fracionário do tribunal. Ademais, o artigo 225 do Código Penal de 1940 na antiga redação foi também revogado pela Lei nº 12.015, em vigor desde 10⁄08⁄2009, que lhe deu nova redação, por sinal afinada com a posição defendida pelo Ministério Público, vale dizer, instituindo a ação penal pública incondicionada para a espécie dos autos. Incidente, portanto, não admitido, prosseguindo o julgamento.

    O artigo 227 da Constituição Federal diz ser dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à dignidade, ao respeito, à liberdade, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência e crueldade. Ora, o antigo atentado violento ao pudor com presunção de violência pela idade da vítima, atual estupro de vulnerável, tendo como ofendida criança ou adolescente, envolve sempre ataque repulsivo a bens jurídicos indisponíveis e de elevadíssimo valor social, não sendo possível, pelo menos a partir do advento da Constituição Federal de 1988, subordinar sua punibilidade à vontade da vítima ou de seus representantes legais. Eventual strepitus judicii, razão do legislador de 1940 para fundar a opção pela ação privada, não se pode sobrepor aos interesses de ordem pública superiores, eleitos pelos constituintes de 1988. Aliás, o § 4º do artigo 227 da Carta Maior assegura que a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. Isso só é possível mediante ação penal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT