Acórdão nº 2010/0080492-0 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Número do processo2010/0080492-0
Data01 Março 2011
ÓrgãoPrimeira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.191.860 - SC (2010⁄0080492-0)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : G.H.E.T.L.
ADVOGADO : CLEONI MARIA ESMÉRIO TRINDADE E OUTRO(S)
RECORRIDO : ESTADO DE SANTA CATARINA
PROCURADOR : EDERSON PIRES E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA. OPERAÇÃO INTERNA. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO. CONSUMIDOR DA ENERGIA ELÉTRICA. LEI COMPLEMENTAR 87⁄96. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. CARACTERIZAÇÃO DE CONTRIBUINTE DE FATO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (RESP 903.394⁄AL). APLICAÇÃO ANALÓGICA.

  1. O sujeito passivo da obrigação tributária, atinente ao ICMS incidente nas operações internas com energia elétrica, é aquele que a fornece ou promove a sua circulação, ex vi do disposto no artigo 4º, caput, da Lei Complementar 87⁄96, razão pela qual sobressai a ilegitimidade do consumidor (contribuinte de fato) para figurar no pólo ativo da ação judicial que busca a restituição do indébito tributário pertinente (Precedentes do STJ: REsp 928.875⁄MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 11.05.2010, DJe 01.07.2010; REsp 1.147.362⁄MT, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 10.08.2010, DJe 19.08.2010; e AgRg no AgRg no REsp 1.086.196⁄RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 14.12.2010, DJe 17.12.2010).

  2. O recolhimento indevido de tributo implica na obrigação do Fisco de devolução do indébito ao contribuinte detentor do direito subjetivo de exigi-lo (artigo 165, do CTN).

  3. Em se tratando dos denominados "tributos indiretos" (aqueles que comportam, por sua constituição jurídica, transferência do respectivo encargo financeiro), a norma tributária (artigo 166, do CTN) impõe que a restituição do indébito somente se faça ao contribuinte que comprovar haver arcado com o referido encargo ou, caso contrário, que tenha sido autorizado expressamente pelo terceiro a quem o ônus foi transferido.

  4. A exegese do referido dispositivo indica que:

    "...o art. 166, do CTN, embora contido no corpo de um típico veículo introdutório de norma tributária, veicula, nesta parte, norma específica de direito privado, que atribui ao terceiro o direito de retomar do contribuinte tributário, apenas nas hipóteses em que a transferência for autorizada normativamente, as parcelas correspondentes ao tributo indevidamente recolhido:

    Trata-se de norma privada autônoma, que não se confunde com a norma construída da interpretação literal do art. 166, do CTN. É desnecessária qualquer autorização do contribuinte de fato ao de direito, ou deste àquele. Por sua própria conta, poderá o contribuinte de fato postular o indébito, desde que já recuperado pelo contribuinte de direito junto ao Fisco. No entanto, note-se que o contribuinte de fato não poderá acionar diretamente o Estado, por não ter com este nenhuma relação jurídica. Em suma: o direito subjetivo à repetição do indébito pertence exclusivamente ao denominado contribuinte de direito. Porém, uma vez recuperado o indébito por este junto ao Fisco, pode o contribuinte de fato, com base em norma de direito privado, pleitear junto ao contribuinte tributário a restituição daqueles valores.

    A norma veiculada pelo art. 166 não pode ser aplicada de maneira isolada, há de ser confrontada com todas as regras do sistema, sobretudo com as veiculadas pelos arts. 165, 121 e 123, do CTN. Em nenhuma delas está consignado que o terceiro que arque com o encargo financeiro do tributo possa ser contribuinte. Portanto, só o contribuinte tributário tem direito à repetição do indébito.

    Ademais, restou consignado alhures que o fundamento último da norma que estabelece o direito à repetição do indébito está na própria Constituição, mormente no primado da estrita legalidade. Com efeito a norma veiculada pelo art. 166 choca-se com a própria Constituição Federal, colidindo frontalmente com o princípio da estrita legalidade, razão pela qual há de ser considerada como regra não recepcionada pela ordem tributária atual. E, mesmo perante a ordem jurídica anterior, era manifestamente incompatível frente ao Sistema Constitucional Tributário então vigente." (Marcelo Fortes de Cerqueira, in "Curso de Especialização em Direito Tributário - Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho", Coordenação de Eurico Marcos Diniz de Santi, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2007, págs. 390⁄393)

  5. O ICMS e o IPI são exemplos de tributos que, por sua constituição jurídica, comportam a repercussão do encargo financeiro (tributos chamados de "indiretos"), razão pela qual sua restituição ao "contribuinte de direito" reclama a comprovação da ausência de repasse do ônus tributário ao "contribuinte de fato".

  6. A Primeira Seção, quando do julgamento de recurso especial representativo de controvérsia, consolidou a tese de que o "contribuinte de fato" não detém legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição do indébito relativo a "tributo indireto" recolhido pelo "contribuinte de direito", por não integrar a relação jurídica tributária pertinente (REsp 903.394⁄AL, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 24.03.2010, DJe 26.04.2010).

  7. Assim é que:

    "No caso do ICMS sobre energia elétrica, a Constituição Federal e a LC 87⁄1996 não deixam dúvidas quanto ao contribuinte de direito, nas operações internas e interestaduais:

    – nas operações internas com energia elétrica, contribuinte é quem fornece a energia elétrica, nos termos do art. 4º, caput, da LC 87⁄1996; e

    – nas operações interestaduais, há imunidade nos termos do art. 155, § 2º, X, da CF.

    Veja-se cada um dos casos, com atenção.

    1.1 Contribuinte de direito nas operações internas com energia elétrica

    Nas operações internas, não tem cabimento afirmar que o consumidor possa ser contribuinte de direito do ICMS.

    Não existe lei que inclua o consumidor no pólo passivo da relação tributária. Vale dizer, não compete a ele recolher o imposto ao Fisco estadual. Em sentido inverso, a Fazenda não cogita promover Execuções Fiscais contra o consumidor, nessa hipótese, o que certamente seria rejeitado pelo Judiciário.

    O consumidor, por definição, não promove a saída da mercadoria, o que torna impossível classificá-lo como contribuinte de direito, no caso das operações internas, nos termos do art. 4º, caput, da LC 87⁄1996:

    'Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

    (...)'

    A legislação tributária indica a concessionária de energia como contribuinte de direito do ICMS. É ela quem promove a circulação da mercadoria para o consumidor, calcula o tributo devido sobre o preço da operação e recolhe-o ao Fisco.

    Em caso de inadimplemento, é contra a concessionária que será promovida a Execução Fiscal.

    Ainda que afastemos essa inequívoca qualificação da concessionária como contribuinte de direito e passemos a discutir se ela promove a saída da energia ou simplesmente a intermedeia, não seria possível concluir que o consumidor seria o contribuinte de direito, por simples exclusão, como fez a Primeira Turma no julgamento do AgRg no Ag 933.678⁄SC (rel. Min. Luiz Fux).

    Naquele precedente, exemplo de casos em que o STJ definiu o consumidor de energia como contribuinte de fato e, ao mesmo tempo, de direito do ICMS, o raciocínio foi o seguinte: a concessionária não pode ser contribuinte de direito, pois apenas "interliga a fonte produtora ao consumidor final", logo o consumidor final é o contribuinte de direito. Transcrevo trecho do acórdão do AgRg Ag 933.678⁄SC, relatado pelo Min. Luiz Fux:

    A distribuidora, conquanto importante neste contexto, não é - e nem pode vir a ser - contribuinte do imposto, justamente porque, a rigor, não pratica qualquer operação mercantil, mas apenas a viabiliza, nos termos acima expostos. Obviamente, a distribuidora de energia elétrica é passível de tributação por via de ICMS quando consome, para uso próprio, esta mercadoria. Não, porém, quando se limita a interligar a fonte produtora ao consumidor final. Este é que é o sujeito passivo da obrigação tributária, na condição de contribuinte de direito e, ao mesmo tempo, de contribuinte de fato.

    Ora, se a concessionária de energia não é contribuinte de direito (o que se cogita apenas para fins de análise do julgado), a conclusão desse raciocínio é que contribuinte seria o produtor da energia, que a fornece para o consumidor (quem realiza a circulação de mercadoria, nos termos do art. 4º da LC 87⁄1986), ainda que intermediado pela concessionária.

    Perceba-se que, ainda que se afirme que a concessionária de energia não é contribuinte de direito, não há fundamento lógico-jurídico para afirmar que o consumidor ostenta essa qualidade.

    Seria contra-senso indicar como contribuinte de direito do ICMS quem não é apontado como tal pela lei.

    Contribuinte de direito não é definido por exclusão, mas por expressa previsão legal.

    Se não há previsão legal, pode-se cogitar de contribuinte de fato, no máximo, mas nunca de contribuinte de direito, o que seria uma contradição em seus próprios termos.

    Assim, percebe-se que o consumidor jamais será considerado contribuinte de direito nas operações internas com energia elétrica.

    1.2 Contribuinte de direito nas operações interestaduais com energia elétrica

    As operações interestaduais com energia elétrica são imunes, nos termos do art. 155, § 2º, X, "b", da Constituição (grifei):

    'Art. 155, § 2º O imposto previsto no inciso II [ICMS] atenderá ao seguinte:

    (...)

    X - não incidirá:

    (...)

    1. sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;

    (...)'

    É interessante salientar que essa imunidade é absolutamente peculiar, pois refere-se exclusivamente à operação interestadual, e não à operação interna...

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