Acórdão nº 2010/0121742-5 de S1 - PRIMEIRA SEÇÃO

Data23 Fevereiro 2011
Número do processo2010/0121742-5
ÓrgãoPrimeira Seção (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECLAMAÇÃO Nº 4.421 - DF (2010⁄0121742-5)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECLAMANTE : B.O.S.
ADVOGADO : SACHAC.N.C. E OUTRO(S)
RECLAMADO : DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM JOINVILLE
RECLAMADO : DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE JULGAMENTO EM RIBEIRÃO PRETO E OUTRO
RECLAMADO : PRESIDENTE DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS - CARF E OUTRO
INTERES. : FAZENDA NACIONAL

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. STJ. GARANTIA DA AUTORIDADE DE SUAS DECISÕES. TRIBUTÁRIO. CRÉDITO-PRÊMIO DE IPI. PROGRAMA BEFIEX. LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC.

1. A ação reclamatória, que situa-se no âmbito do direito constitucional de petição (artigo 5.º, inciso XXXIV, da CF⁄1988), constitui o meio adequado para assegurar a garantia da autoridade das decisões desta Corte Superior em face de ato de autoridade administrativa ou judicial, à luz do disposto no artigo 105, inciso II, alínea f, da Carta Magna. (Precedentes: Rcl 2.559⁄ES, Rel. Ministro Barros Monteiro, Corte Especial, julgado em 02⁄04⁄2008, DJe 05⁄05⁄2008; Rcl 502⁄GO, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Primeira Seção, julgado em 14⁄10⁄1998, DJ 22⁄03⁄1999 p. 35).

2. In casu, a reclamante sustenta que a decisão proferida por este Sodalício, nos autos do agravo de instrumento nº 484.819⁄DF, garante-lhe a utilização do crédito-prêmio do IPI indefinidamente, vale dizer, sem qualquer limitação temporal, e que as autoridades reclamadas estariam criando óbices ilegítimos à compensação administrativa dos seus créditos.

3. É cediço que é o dispositivo da sentença que faz coisa julgada material, abarcando o pedido e a causa de pedir, tal qual expressos na petição inicial e adotados na fundamentação do decisum, compondo a res judicata. Esse o posicionamento do STJ, porquanto "A coisa julgada está delimitada pelo pedido e pela causa de pedir apresentados na ação de conhecimento, devendo sua execução se processar nos seus exatos limites" - REsp nº 882242⁄ES, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 01.06.2009. Podemos citar ainda: AgRg no Ag 1024330⁄SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe 09.11.2009; REsp nº 11.315⁄RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 28.09.92; REsp 576926⁄PE, Rel. Min. Denisa Arruda, DJe 30.06.2006; REsp 763231⁄PR, Rel Min. Luiz Fux, DJ 12.03.2007; REsp 795724⁄SP, Rel Min Luiz Fux, DJ 1503.2007.

4. Nesse sentido, valioso e atual revela-se o escólio de Humberto Theodoro Junior, o qual assentou em artigo publicado em revista especializada, verbis:

"É na conjugação dos atos das partes e do juiz que se chega aos contornos objetivos da coisa julgada. São, pois, as pretensões formuladas e respectivas causa de pedir (questões litigiosas) julgadas pelo Judiciário (questões decididas) que se revestirão da eficácia da imutabilidade e indiscutibilidade de que trata o art. 468 do CPC".

(...)

"Ressalte-se, mais uma vez, que o dispositivo da sentença não se confunde com o texto final do julgado, mas deve ser localizado em todos os momentos da sentença em que o julgador deu solução às questões que integram a causa petendi, seja da demanda do autor, seja da defesa do réu, como adverte Liebman na seguinte passagem:

"Em conclusão, é exata a afirmativa de que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença. A expressão, entretanto, deve ser entendida em sentido substancial e não apenas formalístico, de modo que compreenda não apenas a fase final da sentença, mas também tudo quanto o juiz porventura tenha considerado e resolvido acerca do pedido feito pelas partes. Os motivos são, pois, excluídos por essa razão, da coisa julgada, mas constituem amiúde indispensável elemento para determinar com exatidão o significado e o alcance do dispositivo" (in "Notas sobre a sentença, coisa julgada e interpretação", Revista de Processo nº 167, ano 34, janeiro de 2009).

5. No mesmo sentido, a doutrina de José Frederico Marques, verbis: "A coisa julgada material tem como limites objetivos a lide e as questões pertinentes a esta, que foram decididas no processo. (...) O que individualiza a lide, objetivamente, são o pedido e a causa petendi, isto é, o pedido e o fato constitutivo que fundamenta a pretensão. Portanto, a limitação objetiva da coisa julgada está subordinada aos princípios que regem a identificação dos elementos objetivos da lide" (Manual de Direito Processual Civil, Volume III, 3ª Ed, São Paulo:Saraiva, 1975, p. 237).

6. In casu o fato constitutivo do direito da reclamante, deduzido nos autos da ação ordinária nº 91.0003276-0, é o termo de contrato para exportação vinculado ao programa especial de exportação n. 112⁄81 (BEFIEX), com prazo de vigência de dez anos a contar de 24.06.1982, com termo ad quem em 24.06.1992, consoante se denota pela leitura da peça exordial às fls.48⁄74. O direito da empresa ao crédito-prêmio do IPI não pode extrapolar, portanto, a data limite de 24.06.1992.

7. Com efeito, as autoridades reclamadas não impuseram qualquer óbice à compensação levada a efeito pela reclamante a título de crédito prêmio do IPI no tocante às exportações realizadas até 24.06.92, data limite do contrato firmado com a União através do programa BEFIEX.

8. Por seu turno, o mandado de segurança nº 2002.72.01.000672-5 não versa a mesma pretensão deduzida na ação ordinária supracitada, uma vez que no mandamus o título jurídico e a causa de pedir que ampararam a pretensão da impetrante foi a violação pura e simples ao disposto no Decreto-lei 491⁄69 e o reconhecimento do direito ao crédito-prêmio do IPI, sem limitação temporal, conforme se extrai da peça exordial (fls. 2406⁄2432), razão pela qual inexiste o conflito de coisas julgadas entre as ações referidas, porquanto, embora haja identidade de partes e similitude de pedidos, resta evidenciado que a causa de pedir de uma ação é bem distinta da outra. Enquanto na primeira, a relação jurídica base é o contrato, na segunda, o suposto direito afirmado em juízo decorre diretamente da lei.

9. Ademais, esta Corte Superior ao apreciar o pedido de desistência no REsp 719.921⁄SC, homologou tão-somente o requerimento de desistência do recurso especial, nos termos do artigo 501, do Código de Processo Civil (fls. 2491⁄2501), recusando-se a homologar a desistência da própria ação mandamental, transitando em julgado o acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região, favorável à União.

10. Consectariamente, a desistência homologada do recurso faz transitar em julgado o decisum, consoante doutrina Barbosa Moreira:

"Importa determinar o efeito da desistência sobre a decisão recorrida. Na Alemanha, outrora, era controversa a questão: parte da doutrina entendia que, não estando preclusa por outro motivo (notadamente, decurso do prazo de interposição) a via recursal, conservava o desistente a possibilidade de recorrer de novo; mas havia quem sustentasse o contrário. A redação do § 515, 3ª alínea (hoje, § 516, 3ª alínea), da ZPO, foi entretanto, modificada, e o texto passou a referir-se unicamente à perda do recurso interposto ("des eingelegten Rechtsmittels"); daí haver-se generalizado entre os alemães o primeiro entendimento - o que significa que, por si só, a desistência não basta para fazer transitar em julgado a decisão de que se recorrera. Já na Áustria domina a tese oposta.

Entre nós, o Código de 1973 silencia sobre o ponto. Ao nosso ver, deve entender-se em princípio que com a desistência do recurso, validamente manifestada, passa em julgado a decisão recorrida, desde que o único obstáculo erguido ao trânsito em julgado fosse a interposição de recurso pelo desistente. Não nos parece que fique salva a este a possibilidade de recorrer novamente, ainda que o prazo não se haja esgotado. Isso não importa desconhecer a diferença conceptual entre a desistência e renúncia ao direito de recorrer. Focalizamos o problema a outro ângulo: o da preclusão. O recorrente já tinha exercido, de maneira válida, o direito de impugnar a decisão; com o exercício, tal direito consumou-se, e não é a circunstância de vir a desistir-se do recurso que o faz renascer" - In Comentários ao Código de Processo Civil, Ed. Forense, Volume V, 10ª Edição, Rio de Janeiro, 2002, p. 333⁄334.

11. Ad argumentandum tantum, ainda que subsistentes duas decisões trânsitas, a segunda prevalece sobre a primeira, e desafia, se for a hipótese, ação rescisória por violação do caso julgado (art. 485, IV, do CPC). Precedentes: REsp 598148⁄SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25⁄08⁄2009, DJe 31⁄08⁄2009; AgRg no REsp 643.998⁄PE, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP), SEXTA TURMA, julgado em 15⁄12⁄2009, DJe 01⁄02⁄2010; REsp 400104⁄CE, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 13⁄05⁄2003, DJ 09⁄06⁄2003, p. 313. Sobre o tema, pertinente a lição de Pontes de Miranda, in verbis:

"A decisão inconciliável com o julgado anterior, porém que, não obstante, já se tornou irrescindível, prevalece. O fundamento disso não é a renúncia à sentença anterior ou a aquiescência à posterior. Não é, por si, ato jurídico ou de consequências jurídicas individuais. A segunda toma lugar da primeira, porque a lei a fez só rescindível no lapso bienal. Não prevalece, porque a primeira se desvaleça, e sim porque convalescendo-se inteiramente, tornando-se inatacável, irrescindível, tornando-se impossível o que lhe é contrário. O direito moderno repudiou o princípio romano da perenidade da exceção à sentença que viola a coisa julgada, o ipso iure nullam esse posteriorem sententiam quae contraria sit priori. A segunda sentença, ou outra, que após ela veio, torna indefectível a segunda, ou outra posterior prestação jurisdicional; e o primeiro julgado é como se não tivesse havido.

Assim havia de ser pela descategorização que processualmente ocorreu: o que era inexistente, então dito nullum, para o direito romano, passou a ser, nos nossos dias, apenas rescindível” - In Tratado da Ação Rescisória das Sentenças e de Outras Decisões, 5ª Edição, Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 254⁄255.

12. Deveras, não há execução...

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