Acórdão nº 2009/0073245-0 de T5 - QUINTA TURMA

Número do processo2009/0073245-0
Data22 Março 2011
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 134.273 - GO (2009⁄0073245-0)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : A.P.R.C.
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO
PACIENTE : ANTONIO PAULO RODRIGUES CARNEIRO

EMENTA

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E QUADRILHA (ARTIGOS 3º, INCISO II, DA LEI 8.137⁄1990 E 288 DO CÓDIGO PENAL). PEDIDO DE DIVERSAS DILIGÊNCIAS NA FASE DO REVOGADO ARTIGO 499 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INDEFERIMENTO MOTIVADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

  1. Ao magistrado é facultado o indeferimento, de forma fundamentada, da produção de provas que julgar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, devendo a sua imprescindibilidade ser devidamente justificada pela parte. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF.

  2. No caso dos autos, o magistrado responsável pelo feito indeferiu, motivadamente, as diversas diligências requeridas pela defesa na fase do revogado artigo 499 do Código de Processo Penal, por entender que teriam caráter protelatório e não se mostrariam necessárias para o desate da controvérsia.

  3. Ademais, em momento algum o impetrante-paciente logrou demonstrar quais prejuízos teria suportado em face do indeferimento judicial das diligências por ele pleiteadas, o que reforça a prescindibilidade das medidas requeridas, tal como consignado pelas instâncias de origem.

    DELITO PREVISTO NO ARTIGO 3º, INCISO II, DA LEI 8.137⁄1990. ALEGAÇÃO DE QUE SE TRATA DE CRIME QUE SÓ PODERIA SER COMETIDO POR AGENTE COM COMPETÊNCIA PARA LANÇAR OU COBRAR TRIBUTO. IMPROCEDÊNCIA. CRIME PRÓPRIO QUE PODE SER PRATICADO POR QUALQUER FUNCIONÁRIO PÚBLICO, MESMO FORA DA FUNÇÃO OU ANTES DE INICIAR SEU EXERCÍCIO. NECESSIDADE DE LIAME ENTRE A QUALIDADE DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO E A CONDUTA PRATICADA.

  4. Do teor do disposto no artigo 3º, inciso II, da Lei n. 8.137⁄90 não se extrai, ao contrário do que aduzido na inicial do writ, que o sujeito ativo do delito somente possa ser o funcionário público responsável pelo lançamento ou cobrança do tributo.

  5. Diversamente, a norma penal em questão exige apenas que os fatos sejam praticados por funcionário público, com a finalidade de deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente.

  6. A corroborar tal conclusão, é de ser presente que mesmo fora da função ou antes de iniciar o seu exercício é possível que o funcionário público pratique o crime do artigo 3º, inciso II, da Lei 8.137⁄1990, de modo que se revela de todo improcedente reclamar que o seu sujeito ativo seja unicamente o servidor com atribuição para lançar ou cobrar tributos ou contribuições sociais.

    SUSPENSÃO ILEGAL DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS POR FUNCIONÁRIO DA RECEITA FEDERAL MEDIANTE O PAGAMENTO DE PROPINAS POR PARTE DAS EMPRESAS DEVEDORAS. APONTADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O ESTADO CONSISTENTE NA NÃO COBRANÇA OU NA COBRANÇA PARCIAL DE TRIBUTOS. FATOS QUE SE ENQUADRAM NO TIPO PREVISTO NO ARTIGO 3º, INCISO II, DA LEI 8.137⁄1990. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

  7. O ilícito previsto no inciso II do artigo 3º da Lei 8.137⁄1990 é formal, ou seja, independe da ocorrência de qualquer prejuízo para o Estado, bastando que o agente exija, solicite, receba ou aceite vantagem indevida para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente.

  8. Conquanto independa da superveniência de efetivo dano ao erário, o delito em análise pressupõe que o funcionário público atue com a finalidade de deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente, cumprindo perquirir se a suspensão ilegal do crédito tributário está, ou não, abrangida pelo objetivo contido no tipo legal.

  9. Apesar de no artigo 3º da Lei 8.137⁄1990 não constar expressamente a suspensão do crédito tributário como a caracterizar uma das finalidades visadas pelo agente ao praticar o delito, o certo é que o acesso ilegal ao sistema de dados da Receita Federal, nele incluindo informações que ensejavam a não cobrança ou a cobrança parcial de tributos, configura, sim, o ilícito em questão, já que o crime do artigo 3º, inciso II, da Lei 8.137⁄1990 é de forma livre, vale dizer, pode ser cometido por qualquer meio escolhido pelo agente.

  10. Assim, como a suspensão ilegal do crédito tributário pode impedir a sua cobrança, ou ensejar a sua cobrança parcial, não restam dúvidas de que as condutas atribuídas ao paciente e demais corréus se amoldam, efetivamente, ao tipo penal em comento, não havendo que se falar em atipicidade manifesta.

  11. Ordem denegada.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ), G.D., Laurita Vaz e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília (DF), 22 de março de 2011. (Data do Julgamento).

    MINISTRO JORGE MUSSI

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 134.273 - GO (2009⁄0073245-0)

    IMPETRANTE : A.P.R.C.
    IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO
    PACIENTE : ANTONIO PAULO RODRIGUES CARNEIRO

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado por A.P.R.C. em seu próprio favor, apontando como autoridade coatora o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Apelação Criminal n. 1999.35.00.011702-7⁄GO).

    Noticiam os autos que o paciente foi denunciado, juntamente com mais três corréus, como incuso nas sanções do artigo 3ª, inciso II, da Lei 8.137⁄1990 e artigo 288 do Código Penal. Posteriormente, sobreveio aditamento à denúncia, atribuindo ao paciente a prática das condutas previstas no artigo 3º, inciso III, da Lei n. 8.137⁄90 e artigos 288, 299 e 171, § 3º, estes do Código Penal.

    Após regular instrução, a acusação foi julgada parcialmente procedente pelo magistrado de primeira instância, razão pela qual o paciente foi condenado às penas de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 375 (trezentos e setenta e cinco) dias-multa, imposta pela prática da conduta prevista no artigo 3º, inciso II, da Lei n. 8.137⁄90, absolvendo-o das tipificações restantes.

    Irresignados, apelaram tanto a defesa quanto a acusação perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o qual apenas deu provimento ao apelo do Ministério Público Federal, para condenar o paciente também pela prática do crime de quadrilha ou bando, atribuindo-lhe uma pena de 2 (dois) anos de reclusão, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária (fl. 392).

    Sustenta o impetrante⁄paciente que a conduta que lhe foi atribuída na exordial acusatória não caracterizaria a descrição do tipo prevista no artigo 3º, inciso II, da Lei 8.137⁄1990, aduzindo que não seria o servidor responsável pelo lançamento ou pela cobrança do tributo, circunstância que seria essencial para a necessária subsunção do fato à norma.

    Alega que não existiu na sua conduta, consistente na inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal que implicava a suspensão da exigibilidade de créditos tributários, a finalidade de deixar de cobrar, ou cobrar a menor qualquer tributo, tendo em vista que não era o responsável pela cobrança do tributo, e sequer estava lotado no setor de arrecadação do aludido órgão.

    Defende que o ilícito que lhe foi atribuído seria próprio de funcionário público responsável pelo lançamento ou pela cobrança do tributo, o que não ocorreria na hipótese em apreço.

    Assevera, ainda, que o magistrado singular teria indeferido diligência requerida pela defesa na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal, sem, para tanto, fundamentar a sua decisão, circunstância que constituiria cerceamento do seu direito de defesa, sanável pela via do habeas corpus.

    Requer a sua absolvição pela prática da conduta prevista no artigo 3º, inciso II, da Lei 8.137⁄1990, ou, alternativamente, a anulação de todos os atos processuais praticados após a fase do artigo 499 do Código de Processo Penal, determinando-se a realização das diligências requeridas pela defesa.

    A liminar foi indeferida, nos termos da decisão de fls. 698⁄699.

    Prestadas as informações (fls. 705 e 748⁄749), o Ministério Público Federal, em parecer de fls. 868⁄870, manifestou-se pela denegação da ordem.

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 134.273 - GO (2009⁄0073245-0)

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Conforme relatado, com este habeas corpus pretende-se, em síntese, que o paciente seja absolvido do delito previsto no artigo 3º, inciso II, da Lei 8.137⁄1990, ou que sejam anulados todos os atos processuais posteriores ao indeferimento de diligências requeridas na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal.

    Segundo consta dos autos, o paciente foi denunciado, juntamente com mais três corréus, como incuso nas sanções do artigo 3ª, inciso II, da Lei 8.137⁄1990 e artigo 288 do Código Penal, extraindo-se da peça acusatória os seguintes trechos:

    "Segundo o apurado no inquérito policial, logrou-se identificar condutas criminosas de servidores da Delegacia de Receita Federal - DRF em Goiânia, contra o erário federal.

    Com efeito, sob o comando de A.P. rodrigues Carneiro (primeiro denunciado), os acusados associaram-se para efetuar baixas e suspensões de débitos de pessoas físicas e jurídicas, com o intuito de obterem vantagem econômica.

    O procedimento adotado pelos acusados era o seguinte: o primeiro denunciado, na qualidade de auditor fiscal da receita federal - AFRF, e valendo-se dessa condição, por ter acesso ao Sistema Eletrônico de Dados da RF, pois...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT