Acórdão nº 2007/0265903-2 de T2 - SEGUNDA TURMA
Número do processo | 2007/0265903-2 |
Data | 26 Agosto 2010 |
Órgão | Segunda Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil) |
RECURSO ESPECIAL Nº 1.006.378 - GO (2007⁄0265903-2)
RELATORA | : | MINISTRA ELIANA CALMON |
R.P⁄ACÓRDÃO | : | MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES |
RECORRENTE | : | MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS |
RECORRIDO | : | J.A.K.D.F. E OUTRO |
ADVOGADO | : | WATERLOO ARAÚJO |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI N. 8.429⁄92. ELEMENTO SUBJETIVO. NECESSIDADE. DOLO. NÃO-CONFIGURAÇÃO NA ESPÉCIE.
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Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que o enquadramento de conduta alegadamente ímproba no art. 11 da Lei n. 8.429⁄92 (LIA) exige a caracterização do elemento subjetivo doloso. Precedentes: REsp 765.212⁄AC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 23.6.2010, e REsp 1.023.094⁄RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010.
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Provada a conduta (remoção da servidora) e o elemento subjetivo (dolo de "pacificar" a escola refreando o movimento inaugurado e punir a servidora que exercia alguma liderança), houve improbidade na forma do art. 11, inc. I, da Lei n. 8.429⁄92, que expressamente diz ser ímprobo praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência, sendo estabelecida a sanção do art. 12, inc. III, da LIA.
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Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:
"Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Herman Benjamin, acompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques."
Vencida a Sra. Ministra Eliana Calmon.
Votaram com o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins (Presidente) e H.B.
Brasília (DF), 26 de agosto de 2010.
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.006.378 - GO (2007⁄0265903-2)
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS RECORRIDO : J.A.K.D.F. E OUTRO ADVOGADO : WATERLOO ARAÚJO RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, com fulcro na alínea Âa do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça Estadual, assim ementado (fl. 412):
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REMOÇÃO DE FUNCIONÁRIO POR ATO DE AGENTE PÚBLICO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESVIO DE FINALIDADE. Não constitui ato de improbidade administrativa por violação a princípios administrativos, a ensejar a aplicação do artigo 11, da Lei nº 8.429⁄92, por alegada ofensa ao comando constitucional, se o mero descumprimento do princípio constitucional pelo agente público não tem conotação de culpa ou dolo, impondo-se a confirmação da sentença que julgou improcedente o pedido, havia vista que a lei de improbidade administrativa exige-se bom senso e pesquisa da intenção do agente.
RECURSO CONHECIDO MAS IMPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA.
Alega o ora recorrente contrariedade ao art. 11, caput, da Lei 8.429⁄92, sustentando que a condenação da professora sem observância do devido processo legal configurou ato de improbidade.
Sem as contra-razões, subiram os autos, via agravo de instrumento provido.
Relatei.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.006.378 - GO (2007⁄0265903-2)
RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS RECORRIDO : J.A.K.D.F. E OUTRO ADVOGADO : WATERLOO ARAÚJO VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA):
O ato de improbidade apontado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO refere-se à remoção de professora de escola pública sem o devido processo administrativo.
A tese meritória situa-se na indagação seguinte: as infrações constantes dos artigos mencionados exigem a presença do elemento subjetivo, ou constituem-se em tipos cuja responsabilidade objetiva está configurada?
Essa questão foi enfrentada por esta Segunda Turma no julgamento do REsp 626.034⁄RS, no qual proferi voto vista, alinhando e esclarecendo o meu entendimento quanto à matéria, tendo acompanhado o voto do relator, o Min. João Otávio de Noronha. Eis o teor da ementa do referido julgado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E LEGALIDADE. CONDUTA DOLOSA. TIPICIDADE DO NO ART. 11 DA LEI N. 8.429⁄92.
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O tipo previsto no art. 11 da Lei n. 8.429⁄92 é informado pela conduta e pelo elemento subjetivo consubstanciado no dolo do agente.
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É insuficiente a mera demonstração do vínculo causal objetivo entre a conduta do agente e o resultado lesivo, quando a lei não contempla hipótese da responsabilidade objetiva.
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Recurso especial provido.
(Publicado no DJ do dia 05⁄06⁄2006)
Conforme asseverei nesse julgamento, na abordagem do tema é necessário que também se estenda o posicionamento para um segundo aspecto: a natureza jurídica do dano, porque este tem efetivamente muito a ver com o elemento subjetivo.
Os tipos caracterizadores do ato de improbidade estão nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429⁄92. No artigo 9º agrupou-se os atos que importam em enriquecimento ilícito; no artigo 10 estão as ações que causam prejuízo ao erário e no artigo 11 estão os atos que atentam contra os princípios administrativos.
Com relação ao elemento subjetivo, tive algumas dificuldades de interpretação, convencendo-me, após o precedente citado que não se pode imputar responsabilidade por ato de improbidade sob a égide da responsabilidade objetiva, pois modernamente entende-se que só há responsabilidade objetiva expressamente prevista em lei.
O tipo do art. 10, por definição legal expressa, pode ser doloso ou culposo. Pergunta-se então: e as modalidades dos demais arts. 9º e 11? Não há discrepância na doutrina quanto a só punição a título de dolo.
Cumpre destacar o seguinte trecho do voto condutor do julgamento no REsp 626.034⁄RS, acima citado, da lavra do Min. João Otávio de Noronha:
Todavia, não se pode atribuir a nenhum dos atos tipificados nos arts. 9, 10 e 11, da lei em questão a presunção de dolo, pois é elemento subjetivo necessário à configuração do tipo contido em tais normas.
Emerson Garcia explica o seguinte:
ÂRessalvados os casos em que a responsabilidade objetiva esteja expressamente prevista no ordenamento jurídico, é insuficiente a mera demonstração do vínculo causal objetivo entre a conduta do agente e o resultado lesivo. Inexistindo um vínculo subjetivo unindo o agente à conduta, e esta ao resultado, não será possível demonstrar 'o menosprezo ou descaso pela ordem jurídica e, portanto, a censurabilidade que justifica a punição ('malum passionis ob malum actionis').
Assim sendo, a conclusão a que se chega é de que não há espaço para a responsabilidade objetiva, sendo necessária a prova do dolo do agente para tipificar-se o ato de improbidade.
Nesse mesmo sentido:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. LEI 8.429⁄92. LICITAÇÃO. NECESSIDADE DE CONFIGURAÇÃO DO DOLO DO AGENTE PÚBLICO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07⁄STJ.
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Nem todo o ato irregular ou ilegal configura ato de improbidade, para os fins da Lei 8.429⁄92. A ilicitude que expõe o agente às sanções ali previstas está subordinada ao princípio da tipicidade: é apenas aquela especialmente qualificada pelo legislador.
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As condutas típicas que configuram improbidade administrativa estão descritas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429⁄92, sendo que apenas para as do art. 10 a lei prevê a forma culposa. Considerando que, em atenção ao princípio da culpabilidade e ao da responsabilidade subjetiva, não se tolera responsabilização objetiva e nem, salvo quando houver lei expressa, a penalização por condutas meramente culposas, conclui-se que o silêncio da Lei tem o sentido eloqüente de desqualificar as condutas culposas nos tipos previstos nos arts. 9.º e 11.
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É vedado o reexame de matéria fático-probatória em sede de recurso especial, a teor do que prescreve a Súmula 07 desta Corte.
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Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. (REsp 940.629⁄DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16⁄08⁄2008, DJe 04⁄09⁄2008)
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429⁄92. AUSÊNCIA DE DOLO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
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O ato de improbidade, na sua caracterização, como de regra, exige elemento subjetivo doloso, à luz da natureza sancionatória da Lei de Improbidade Administrativa.
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A legitimidade do negócio jurídico e a ausência objetiva de formalização contratual, reconhecida pela instância local, conjura a improbidade.
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É que "o objetivo da Lei de Improbidade é punir o administrador público desonesto, não o inábil. Ou, em outras palavras, para que se enquadre o agente público na Lei de Improbidade é necessário que haja o dolo, a culpa e o prejuízo ao ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador público." (Mauro Roberto Gomes de Mattos, em "O Limite da Improbidade Administrativa", Edit. América Jurídica, 2ª ed. pp. 7 e 8). "A finalidade da lei de improbidade administrativa é punir o administrador desonesto" (Alexandre de Moraes, in "Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional", Atlas, 2002, p. 2.611)."De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado" (REsp 213.994-0⁄MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU de 27.9.1999)." (REsp 758.639⁄PB, Rel. Min. José Delgado, 1.ª Turma, DJ 15.5.2006) 4. A Lei 8.429⁄92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa.
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Recurso especial provido. (REsp 734.984⁄SP...
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