Acórdão nº 2008/0150187-7 de S2 - SEGUNDA SEÇÃO

Data23 Março 2011
Número do processo2008/0150187-7
ÓrgãoSegunda Seção (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.073.595 - MG (2008⁄0150187-7)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : A.R.D.S.
ADVOGADO : BRUNO AFONSO CRUZ E OUTRO(S)
RECORRIDO : S.A.S.D.V.E.P.S.
ADVOGADOS : FERNANDON.D.S.E.O. ALBERTOE.P.S. E OUTRO(S)
ASSISTENTE : FENAPREVI - FEDERAÇÃO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA PRIVADA E VIDA
ADVOGADO : SÉRGIO BERMUDES E OUTRO(S)
ASSISTENTE : A.L.
ADVOGADO : EDGARD LUIZ C DE ALBUQUERQUE

EMENTA

DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA, RENOVADO ININTERRUPTAMENTE POR DIVERSOS ANOS. CONSTATAÇÃO DE PREJUÍZOS PELA SEGURADORA, MEDIANTE A ELABORAÇÃO DE NOVO CÁLCULO ATUARIAL. NOTIFICAÇÃO, DIRIGIDA AO CONSUMIDOR, DA INTENÇÃO DA SEGURADORA DE NÃO RENOVAR O CONTRATO, OFERECENDO-SE A ELE DIVERSAS OPÇÕES DE NOVOS SEGUROS, TODAS MAIS ONEROSAS. CONTRATOS RELACIONAIS. DIREITOS E DEVERES ANEXOS. LEALDADE, COOPERAÇÃO, PROTEÇÃO DA SEGURANÇA E BOA FÉ OBJETIVA. MANUTENÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO NOS TERMOS ORIGINALMENTE PREVISTOS. RESSALVA DA POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO CONTRATO, PELA SEGURADORA, MEDIANTE A APRESENTAÇÃO PRÉVIA DE EXTENSO CRONOGRAMA, NO QUAL OS AUMENTOS SÃO APRESENTADOS DE MANEIRA SUAVE E ESCALONADA.

  1. No moderno direito contratual reconhece-se, para além da existência dos contratos descontínuos, a existência de contratos relacionais, nos quais as cláusulas estabelecidas no instrumento não esgotam a gama de direitos e deveres das partes.

  2. Se o consumidor contratou, ainda jovem, o seguro de vida oferecido pela recorrida e se esse vínculo vem se renovando desde então, ano a ano, por mais de trinta anos, a pretensão da seguradora de modificar abrutamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo.

  3. Constatado prejuízos pela seguradora e identificada a necessidade de modificação da carteira de seguros em decorrência de novo cálculo atuarial, compete a ela ver o consumidor como um colaborador, um parceiro que a tem acompanhado ao longo dos anos. Assim, os aumentos necessários para o reequilíbrio da carteira têm de ser estabelecidos de maneira suave e gradual, mediante um cronograma extenso, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente. Com isso, a seguradora colabora com o particular, dando-lhe a oportunidade de se preparar para os novos custos que onerarão, ao longo do tempo, o seu seguro de vida, e o particular também colabora com a seguradora, aumentando sua participação e mitigando os prejuízos constatados.

  4. A intenção de modificar abruptamente a relação jurídica continuada, com simples notificação entregue com alguns meses de antecedência, ofende o sistema de proteção ao consumidor e não pode prevalecer.

  5. Recurso especial conhecido e provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora, conhecendo do recurso e dando-lhe provimento, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Vencidos os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e J.O. deN. Acompanharam a Sra. Ministra Relatora, em sessões anteriores, os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Luis Felipe Salomão. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, M.I.G. e Vasco Della Giustina, Art. 162, § 2º, RISTJ.

    Brasília (DF), 23 de março de 2011(Data do Julgamento)

    MINISTRO SIDNEI BENETI

    Presidente

    MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    Relatora

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.073.595 - MG (2008⁄0150187-7)

    RECORRENTE : A.R.D.S.
    ADVOGADO : BRUNO AFONSO CRUZ E OUTRO(S)
    RECORRIDO : S.A.S.D.V.E.P.S.
    ADVOGADO : ALBERTOE.P.S. E OUTRO(S)

    RELATÓRIO

    A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

    Trata-se de recurso especial interposto por A.R.D.S. com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional visando a reforma de acórdão exarado pelo TJ⁄MG no julgamento de recurso de apelação.

    Ação: para cumprimento de obrigação de fazer, sob o procedimento ordinário, proposta pelo recorrente em face de S.A.S.D.V.E.P. S⁄A.

    O autor alega que vinha contratando, há mais de trinta (30) anos, continuamente, o seguro de vida individual oferecido pela ré, mediante renovação automática de apólice de seguro. Em 1999, houve por bem manter seu vínculo com a seguradora, aderindo, porém, a uma apólice coletiva, vigente a partir de 2000. Essa apólice, da mesma forma, vinha sendo automaticamente renovada ano a ano.

    Ocorre que no final do ano de 2006 a ré enviou correspondência ao autor informando de sua intenção de não mais renovar o seguro, nos termos em que fora contratado. Ofereceu-lhe, em substituição, três alternativas que o autor reputou excessivamente desvantajosas. Daí a propositura da ação. Nela, o autor argumenta, entre outros fundamentos que: (i) a seguradora estaria impedida de rescindir o contrato ou de alterar suas condições unilateralmente, em especial tendo em vista que o autor pagou regularmente o prêmio do seguro; (ii) a Circular nº 302⁄05, da SUSEP, que autoriza a não renovação de apólices de seguro desde que haja notificação prévia, lesa o ato jurídico perfeito; (iii) o princípio da boa-fé objetiva inibe a modificação brusca do critério de renovação do contrato.

    Pleiteia, ao final, a aplicação do CDC à controvérsia e requer, entre outros pedidos, que seja estendida a validade da apólice à qual vinha aderindo, com a respectiva emissão de boletos para pagamento e tolerando-se seu reajuste anual segundo o INPC⁄IBGE.

    Antecipação de tutela: Há pedido de antecipação dos efeitos da tutela, deferido pelo juízo de primeiro grau, motivando a interposição de agravo de instrumento, pela seguradora. O agravo foi improvido pelo Tribunal a quo (fls. 473 a 483)

    Contestação: Ao apresentar sua resposta (fls. 96 a 147), a seguradora argumenta, entre outras matérias, que: (i) a realidade econômica brasileira impede que os seguros de vida sejam contratados sob o mesmo sistema utilizado nos anos 70, quando se iniciou a série de seguros a que aderiu o autor; (ii) o CC⁄02, sensível a essa realidade, limitou a renovação automática de contratos de seguros a uma única vez (art. 774 do CC⁄02); (iii) os constantes prejuízos experimentados pela seguradora para a manutenção do sistema anterior de renovação de contratos de seguro a obrigaram à redução de seu capital social em mais de 200 milhões de reais; (iv) os contratos de seguro não são vitalícios, mas anuais, de modo que a recusa à renovação, tanto por parte do segurado como da seguradora, não pode implicar rompimento do contrato; (v) a Circular 317⁄06, da SUSEP, expressamente autoriza o aumento do seguro de vida com fundamento na mudança de faixa etária do segurado; (vi) não há ofensa ao CDC, mas exercício, por parte da seguradora, de seu direito de liberdade contratual; (vii) o aumento proposto pela seguradora no prêmio do seguro obedeceu a um Programa de Readequação favorável ao autor, que evitou transferir a ele todos os ônus decorrentes da mudança do cálculo atuarial do seguro. Pondera, após fazer essas ilações, sobre o fato de ser o seguro um contrato coletivo e junta pareceres. Noticia a existência de uma ação civil pública sobre a questão, cujo pedido de antecipação dos efeitos da tutela solicitado pelo MP foi indeferido (Processo nº 06.104.239-6, perante a 12ª Vara Cível de Belo Horizonte).

    Sentença: julgou improcedente o pedido. O principal fundamento foi o de que "o consumidor não tem direito adquirido à renovação automática e perpétua da avença, podendo a seguradora, com amparo no princípio da liberdade contratual, alterar os termos dos contratos ofertados no mercado, visando à manutenção do equilíbrio contratual" (fls. 487 a 491).

    A sentença foi impugnada mediante recurso de apelação, interposto pelo autor.

    Acórdão: negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:

    AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - SEGURO DE VIDA - NOVAS BASES PARA RENOVAÇÃO DO CONTRATO - NOTIFICAÇÃO PELA SEGURADORA - OBRIGATORIEDADE DE MANUTENÇÃO DO CONTRATO - IMPOSSIBILIDADE. Prevendo o contrato de seguro a não-renovação da apólice pelas partes, mediante aviso prévio de 30 dias, não há abusividade da seguradora ao dar por findo o pacto após a vigência da apólice, posto haver cláusula expressa nesse sentido.

    Recurso especial: interposto pelo segurado, com fundamento nas alíneas 'a' e 'c' do permissivo constitucional. Alega-se violação dos arts. 6º, V, 39, X e XI, 46 e 51, XI e XIII, todos do CDC, bem como ao art. 765, do CC⁄02.

    Admissibilidade: o recurso foi admitido, na origem.

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.073.595 - MG (2008⁄0150187-7)

    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
    RECORRENTE : A.R.D.S.
    ADVOGADO : BRUNO AFONSO CRUZ E OUTRO(S)
    RECORRIDO : S.A.S.D.V.E.P.S.
    ADVOGADO : ALBERTOE.P.S. E OUTRO(S)

    VOTO

    A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

    I - Objeto

    Cinge-se o a lide a estabelecer se é possível à empresa seguradora notificar o segurado, que com ela mantinha vínculo há muitos anos, de sua intenção de não renovar o contrato de seguro de vida nas bases vigentes até então. É peculiaridade da espécie o fato de que a seguradora ofereceu ao consumidor outras alternativas para a renovação do seguro, todas significativamente mais onerosas que a original.

    II - O recurso quanto à alínea 'a' do permissivo constitucional

    O acórdão recorrido está baseado na aplicação, à hipótese dos autos, das normas do art. 769 do CC⁄02 (para justificar que o agravamento dos riscos podem motivar a recusa à renovação do contrato de seguro), no art. 774, também do CC⁄02 (para justificar que a Lei veda a renovação automática do contrato de seguro por mais de uma vez) e no art. 51, IV, do CDC, (para justificar a inexistência de abusividade na cláusula que dava ao segurador a faculdade de não renovar o contrato). Inexistem embargos de...

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