Acórdão nº 2010/0022474-9 de T4 - QUARTA TURMA

Data05 Abril 2011
Número do processo2010/0022474-9
ÓrgãoQuarta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.180.714 - RJ (2010⁄0022474-9)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : A.D.V.P.
ADVOGADOS : ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S)
L.P.A. E OUTRO(S)
B.A.C.D.O.
RECORRIDO : T.M.L. -M.F.
ADVOGADOS : LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE
MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO

EMENTA

DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SEMELHANÇA COM AS AÇÕES REVOCATÓRIA FALENCIAL E PAULIANA. INEXISTÊNCIA. PRAZO DECADENCIAL. AUSÊNCIA. DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. DEFERIMENTO DA MEDIDA NOS AUTOS DA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO SOCIETÁRIA. INSTITUTO DIVERSO. EXTENSÃO DA DISREGARD A EX-SÓCIOS. VIABILIDADE.

  1. A desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências. A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, agora em igualdade de condições (arts. 129 e 130 da Lei n.º 11.101⁄05 e art. 165 do Código Civil de 2002).

  2. A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade.

  3. Com efeito, descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos decadenciais para o ajuizamento das ações revocatória falencial e pauliana.

  4. Relativamente aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.

  5. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos da falência, nos termos da jurisprudência sedimentada do STJ.

  6. Não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e administradores da sociedade falida (art. 6º do Decreto-lei n.º 7.661⁄45 e art. 82 da Lei n.º 11.101⁄05) com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Na primeira, não há um sujeito oculto, ao contrário, é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios deveres de sócio⁄administrador, ao passo que na segunda, supera-se a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos. Ou seja, a ação de responsabilização societária, em regra, é medida que visa ao ressarcimento da sociedade por atos próprios dos sócios⁄administradores, ao passo que a desconsideração visa ao ressarcimento de credores por atos da sociedade, em benefício da pessoa oculta.

  7. Em sede de processo falimentar, não há como a desconsideração da personalidade jurídica atingir somente as obrigações contraídas pela sociedade antes da saída dos sócios. Reconhecendo o acórdão recorrido que os atos fraudulentos, praticados quando os recorrentes ainda faziam parte da sociedade, foram causadores do estado de insolvência e esvaziamento patrimonial por que passa a falida, a superação da pessoa jurídica tem o condão de estender aos sócios a responsabilidade pelos créditos habilitados, de forma a solvê-los de acordo com os princípios próprios do direito falimentar, sobretudo aquele que impõe igualdade de condição entre os credores (par conditio creditorum), na ordem de preferência imposta pela lei.

  8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

    ACÓRDÃO

    A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e negou-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, M.I.G., Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Dr(a). SEBASTIAO ALVES DOS REIS JUNIOR, pela parte RECORRENTE: ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA

    Dr(a). LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE, pela parte RECORRIDA: TRANSPORTES MOSA LTDA

    Brasília (DF), 05 de abril de 2011(Data do Julgamento)

    MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.180.714 - RJ (2010⁄0022474-9)

    RECORRENTE : A.D.V.P.
    ADVOGADO : LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S)
    RECORRIDO : T.M.L. - MASSA FALIDA
    ADVOGADO : MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

  9. Cuida-se, na origem, de agravo de instrumento interposto por A. deV.P., tirado de decisão que, nos autos da falência de T.M.L., desconsiderou a personalidade jurídica da falida para alcançar os bens de seus ex-acionistas, para a satisfação dos débitos existentes. O agravante arguiu, notadamente, que a) a prova dos autos constatam a regularidade dos atos praticados pelos ex-sócios; b) deve haver uma presunção de legalidade dos atos dos sócios, pois praticados antes do termo legal fixado na sentença de quebra; c) nulidade da decisão, porquanto transbordou os limites subjetivos da lide, a atingir pessoas que não são partes no processo e não têm nenhuma relação com a falida; d) para a responsabilização de ex-sócios mostra-se necessário o ajuizamento de ação própria, revocatória ou inquérito judicial, sendo que, no caso, não teria havido sequer intimação dos sócios sobre o pedido de desconsideração; e) subsidiariamente, a responsabilidade dos sócios deveriam estar adstritas até abril de 2000.

    O agravo foi, por maioria, improvido, nos termos da seguinte ementa:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO - CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DECRETADA EM PROCESSO FALIMENTAR - PRECEDENTES QUE ADMITEM A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO FALIMENTAR - DESNECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA - OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA, UMA VEZ QUE OS AGRAVANTES TINHAM CIÊNCIA DO PROCESSADO E HOUVE POSSIBILIDADE DE SE MANIFESTAREM SOBRE O REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - RENOVAÇÃO DO CONTRADITÓRIO EM SEDE RECURSAL - PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, COM O DESIDERATO DE ALCANÇAR OS BENS DOS EX-SÓCIOS, SOB CUJA ADMINISTRAÇÃO FORAM PRATICADOS OS ATOS ABUSIVOS DA PERSONALIDADE JURÍDICA - DESVIO DA FINALIDADE SOCIAL DA EMPRESA E CONFUSÃO PATRIMONIAL - INAPLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA AO INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, ANTE A INOCORRÊNCIA DE INTERESSE DE TERCEIRO A EXIGIR ESTABILIDADE JURÍDICA ALMEJADA POR AQUELES INSTITUTOS - SUSPENSÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS, PREVISTOS NAS LEIS FALIMENTARES (art. 47, D.L. nº 7.661⁄45 e art. 6º da Lei nº 11.101⁄05), A INDICAR QUE A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NÃO SE SUJEITA A LIMITE TEMPORAL PARA SUA APLICAÇÃO - PROVAS DOCUMENTAIS E PERICIAIS, INDICANDO ATOS DE DESVIO DE FINALIDADE PRATICADOS, NO PERÍODO EM QUE OS AGRAVANTES ERAM SÓCIOS DA FALIDA, TAIS COMO, ALIENAÇÕES DE BENS E DIREITOS, SEM O RESPECTIVO INGRESSO NOS COFRES DA EMPRESA DAS QUANTIAS CORRESPONDENTES AOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PACTUADOS - PARECERES MINISTERIAIS (fls. 450⁄472 E 717v nos autos do AI Nº 09997⁄2007) OPINANDO PELO DESPROVIMENTO DOS 3 (TRÊS) AGRAVOS DE INSTRUMENTO - RECURSOS CONHECIDOS - PROVIMENTO NEGADO A TODOS. (fls. 745⁄779)

    O voto vencido, de lavra do Desembargador Nagib Salaib Filho, dava provimento ao agravo, encampando tese apresentada em parecer jurídico do Dr. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, notadamente no que concerne ao prazo para pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

    Opostos embargos declaratórios, foram eles rejeitados (fls. 820⁄825).

    Sobreveio recurso especial, fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, e o recorrente alega ofensa aos arts. 17, 535 e 460 do Código de Processo Civil; art. 178, inciso II do Código Civil de 1916; art. 50 do Código Civil de 2002; art. 47 do Decreto-lei n.º 7.661⁄45 e art. 6º da Lei n.º 11.101⁄05. Pretende o recorrente o afastamento da condenação por litigância de má-fé; reconhecimento de julgamento ultra petita, porquanto o Ministério Público pleiteou a responsabilização dos sócios por dívidas limitadas no tempo; a declaração de decadência do direito de requerer a desconsideração da personalidade jurídica da falida; necessidade de ação própria para a responsabilização dos ex-sócios da falida.

    Contra-arrazoado (fls. 962⁄973), o especial foi admitido (fls. 997⁄1003).

    O Ministério Público Federal, mediante parecer do i. Subprocurador-Geral da República Washington Bolívar Júnior, opina pelo não provimento do recurso especial (fls. 1015⁄1025).

    Vieram-me memoriais com parecer jurídico do Dr. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, com teses a lastrear o recurso especial.

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.180.714 - RJ (2010⁄0022474-9)

    RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
    RECORRENTE : A.D.V.P.
    ADVOGADO : LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S)
    RECORRIDO : T.M.L. - MASSA FALIDA
    ADVOGADO : MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO

    EMENTA

    DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SEMELHANÇA COM AS AÇÕES REVOCATÓRIA FALENCIAL E PAULIANA. INEXISTÊNCIA. PRAZO DECADENCIAL. AUSÊNCIA. DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. DEFERIMENTO DA MEDIDA NOS AUTOS DA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO SOCIETÁRIA. INSTITUTO DIVERSO. EXTENSÃO DA DISREGARD A EX-SÓCIOS. VIABILIDADE.

  10. A...

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