Acórdão nº 2007/0104537-9 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Número do processo2007/0104537-9
Data14 Abril 2011
ÓrgãoPrimeira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 950.382 - DF (2007⁄0104537-9)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
R.P⁄ACÓRDÃO : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO
RECORRENTE : UNIÃO
RECORRIDO : V.D.C.F. E OUTRO
ADVOGADO : OSMAR LOBAO VERAS FILHO E OUTRO(S)
RECORRIDO : R.D.O.S.
ADVOGADO : THEREZINHA DE JESUS OLIVEIRA

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. TRATAMENTO MÉDICO EM CUBA (RETINOSE PIGMENTAR). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECORRENTE QUE NÃO DEFINE NEM DEMONSTRA A OMISSÃO. SÚMULA Nº 284⁄STF. ARTIGO 3º, PARÁGRAFO 1º, DA LEI Nº 8.437⁄92. DEFICIÊNCIA NAS RAZÕES RECURSAIS. SÚMULA Nº 284⁄STF. LIMINAR CONCEDIDA PARA REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICO EM CUBA. AÇÃO MANDAMENTAL JULGADA IMPROCEDENTE. RESTITUIÇÃO. INCABIMENTO. OSCILAÇÃO JURISPRUDENCIAL. BOA-FÉ OBJETIVA. SEGURANÇA JURÍDICA. DIREITO À SAÚDE. IRREPETIBILIDADE DE PRESTAÇÃO DE CARÁTER ALIMENTAR.

  1. Em tema de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, a não indicação expressa das questões apontadas como omitidas vicia a motivação do recurso especial, inviabilizando o seu conhecimento. Incidência do enunciado nº 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

  2. A ausência de vinculação dos dispositivos legais apontados como violados pelo recorrente com as razões recursais atrai a incidência do enunciado nº 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

  3. É incabível o pedido de restituição de valores despendidos pelo erário, por força de liminar concedida em mandado de segurança posteriormente julgado improcedente, para tratamento de doença grave - retinose pigmentar - em Havana, Cuba, se a pretensão era reiteradamente acolhida no âmbito desta Corte Superior à época da concessão da tutela de urgência e se o tratamento era reputado indispensável para evitar a cegueira completa dos recorridos. Inaplicabilidade da Súmula nº 405⁄STJ.

  4. Em casos tais, é de se afirmar efetivamente existente a boa-fé objetiva, induvidosamente aplicável às relações entre o particular e o Estado, não podendo os recorridos, após consumado o tratamento médico de urgência, ser condenados ao ressarcimento em função de posteriores oscilações jurisprudenciais sobre a matéria, o que não se ajusta aos postulados constitucionais do direito à saúde, segurança jurídica, estabilidade das relações sociais e dignidade da pessoa humana, próprios do Estado Social em que vivemos e fruto da opção garantista do legislador constitucional originário.

  5. Ademais, se o Superior Tribunal de Justiça tem afirmado a irrepetibilidade de prestações de caráter alimentício, como nos casos de servidor público e previdenciários, com mais razão há que se afirmar o incabimento da restituição em hipóteses como a dos autos, em que se está a tratar da saúde, comprovada, na espécie, a urgência da consecução do tratamento pleiteado e a hipossuficiência financeira dos réus.

  6. Recurso parcialmente conhecido e improvido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Hamilton Carvalhido, por maioria, vencido o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (voto-vista), conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (RISTJ, artigo 52, inciso IV, alínea "b"). Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, B.G. e Hamilton Carvalhido (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, nesta assentada, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.

    Brasília, 14 de abril de 2011 (data do julgamento).

    Ministro Hamilton Carvalhido, Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 950.382 - DF (2007⁄0104537-9)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX(Relator):

    Trata-se de recurso especial interposto pela União, com fulcro na alínea "a", inciso III, da Constituição Federal contra acórdão proferido em sede de apelação pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e que restou assim ementado:

    ADMINISTRATIVO. TRATAMENTO MÉDICO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE LIMINAR CASSADA.

  7. Recebimento de valor para tratamento de saúde no exterior por força de liminar, posteriormente cassada, quando da denegação da segurança. Não havendo controvérsia a respeito da doença grave que acometia os pacientes e da utilização integral dos recursos no tratamento de saúde, cabe a invocação, por analogia, da jurisprudência que impede a repetição dos valores de caráter alimentar pagos pela Administração, mas, posteriormente, julgados indevidos, desde que não comprovado erro grosseiro ou má-fé.

  8. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento.

    Noticiam os autos que a UNIÃO ajuizou ação de restituição de valores contra V.D.C.F. E ROBERTA DE OLIVEIRA SARKIS referentes às verbas que foram liberadas, por força de liminar concedida nos autos do MS n.º 2000.34.00.04268-1, em favor dos requeridos para fins de pagamento de tratamento de retinose pigmentar em CUBA. Sustentou a União, em sua inicial, que, em tendo sido revogada a liminar anteriormente concedida, em sede de sentença proferida em 31.05.2001 e publicada em 14.11.2001, faria jus à devolução dos valores repassados num total de R$ 150.026,39 e R$ 22.426,39, respectivamente.

    O r. Juízo monocrático, em sentença de fls. 280⁄283, julgou improdecente o pedido ao argumento de que a posterior cassação da liminar decorrente da denegação da ordem no writ não justifica, por si só, a devolução do dinheiro, afirmando, ainda que" a restituição só teria cabimento se houvesse prova de que os réus não viajaram a Havana, Cuba, desviando a utilização do dinheiro ou dele se apropriando indevidamente.".

    Irresignada, apelou a União, tendo o Tribunal a quo, por unanimidade, negado provimento ao recurso nos termos da ementa supratranscrita.

    Opostos embargos de declaração, assim se manifestou a Corte de origem:

    PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. RESSARCIMENTO DE CUSTO DE TRATAMENTO DE SAÚDE FEITO POR FORÇA DE LIMINAR CASSADA.

  9. Ausência de contradição, obscuridade ou omissão.

  10. Embargos de declaração aos quais se nega provimento.

    Na presente irresignação especial, aponta a União, preliminarmente, a ofensa ao arts. 535, do CPC, ante a rejeição dos embargos de declaração e, no mérito, a contrariedade aos arts. 964, do Código Civil de 1916, que corresponde aos arts. 876 e 884, do Código Civil de 2002 e 1º, § 3º, da Lei n.º 8.437⁄1992. Afirma que, transitado em julgado o writ que denegou a ordem, cassando a liminar anteriormente concedida em favor dos recorridos, "nasceu para a União o direito de pleitear a devolução dos valores a que efetivamente fas jus" e que, portanto, teriam sido recebidos indevidamente pelos demandados. Ademais, sustenta que não poderia ter sido concedida liminar satisfativa em desfavor da União, à luz do disposto no art. 1º, § 3º, da Lei n.º 8.437⁄92.

    Às fls. 343⁄355, consta Recurso Extraordinário dirigido ao E. STF.

    Transcorreu in albis o prazo para oferecimento de contra-razões.

    Realizado o juízo de admissibilidade positivo do apelo extremo, ascenderam os autos ao E. STJ.

    O douto representante do Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso, nos termos assim sintetizados:

    "PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO (SIC). AÇÃO RESTITUIÇÃO DE VALORES. TRATAMENTO DE SAÚDE NO EXTERIOR . 1 - Não há violação ao art. 535, II, do CPC a fundamentar o recurso especial quando a matéria foi suscitada somente em embargos de declaração com o que inovou-se a 'quaestio iuris' 2 - A alegação genérica de omissão do julgado, sem especificar o ponto omisso, não configura violação ao art. 535, do CPC (Súmula 284⁄STF) 3 - O direito à saúde é assegurado a todos e dever do Estado. Ademais, a aplicação da Teoria do Fato Consumado, segundo a qual as situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais (RESP n.º 944.325⁄RS, Rel. Min. Humberto Martins DJE 09⁄10⁄2007) 4 - O parecer é pelo conhecimento em parte, e nesta, pelo não provimento do recurso especial."

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 950.382 - DF (2007⁄0104537-9)

    EMENTA

    PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA DE OMISSÃO. INADMISSIBILIDADE. ADMINISTRATIVO. VERBAS DO SUS. REPASSE. TRATAMENTO NO EXTERIOR. LIMINAR CASSADA. FATO CONSUMADO. DEVOLUÇÃO AOS COFRES PÚBLICOS. CARÁTER ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE.

  11. O paciente que, de boa-fé, consumou, em razão do deferimento de medida liminar em mandado de segurança, o tratamento da retinose no exterior, por meio de repasse de verbas públicas para tal mister, em razão do princípio da segurança jurídica e da aplicação da Teoria do Fato Consumado, não está obrigado à devolução do quantum repassado ainda que denegada a ordem e cassada a liminar anteriormente concedida. (Precedente da Segunda Turma: REsp 944.325⁄RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04⁄11⁄2008, DJe 21⁄11⁄2008).

  12. A aplicação do Princípio da boa-fé que veda a repetição de valores remuneratórios recebidos indevidamente por servidores públicos, em razão de seu caráter alimentar, encontra respaldo na jurisprudência do E. STJ (AgRg no REsp 802.354⁄PE, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP), SEXTA TURMA, julgado em 20⁄04⁄2010, DJe 10⁄05⁄2010; AgRg no REsp 691.012⁄RS, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP), SEXTA TURMA, julgado em 15⁄04⁄2010, DJe 03⁄05⁄2010; REsp 1113682⁄SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p⁄ Acórdão Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23⁄02⁄2010, DJe 26⁄04⁄2010; AgRg no REsp 887.042⁄RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 09⁄02⁄2010, DJe 08⁄03⁄2010 AgRg no Ag 1138706⁄RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21⁄05⁄2009, DJe 03⁄08⁄2009) deve se estender, às verbas recebidas do SUS, para fins de tratamento no exterior impondo, assim, sua irrepetibilidade.

  13. A ofensa ao art. 535 do CPC não resta...

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