Acórdão nº 2007/0011372-6 de T3 - TERCEIRA TURMA

Número do processo2007/0011372-6
Data26 Abril 2011
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 918.643 - RS (2007⁄0011372-6)

RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
RECORRENTE : K B H E OUTROS
ADVOGADO : ALDO AYRES TORRES E OUTRO
RECORRIDO : M R N H E OUTROS
ADVOGADO : ATHOS GUSMÃO CARNEIRO
RECORRIDO : B.B.S.
ADVOGADOS : LINOA.D.C.
ANAL.A. E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÕES FEITAS PELO CÔNJUGE VARÃO, FALECIDO, EM NOME DE SUA ESPOSA. MORTE DO VARÃO SEM DEIXAR PATRIMÔNIO. INVASÃO DA LEGÍTIMA. RECURSO PROVIDO. VOTO VENCIDO.

  1. Hipótese em que o de cujus, casado pela terceira vez, destina parte significativa de seu patrimônio para adquirir, em nome de sua nova esposa e dos filhos desta, bens imóveis e um automóvel e que, em função disso, faleceu sem patrimônio algum. Os filhos propõem ação visando à declaração de ineficácia dessas aquisições, de modo que delas constem o falecido como adquirente. Argumenta-se que o de cujus colocou os bens em nome de terceiros para desviar o patrimônio das constantes investidas de sua segunda esposa.

  2. O órgão julgador dos embargos infringentes não fica adstrito aos fundamentos do voto minoritário, devendo apenas ater-se à diferença havida entre a conclusão dos votos vencedores e do vencido. Precedentes.

  3. Se o acórdão reconhece que os bens foram adquiridos com o produto da venda de outros bens da propriedade do de cujus, com valores depositados em conta-vinculada ao FGTS ou mesmo com o dinheiro decorrente de rescisões de contratos de trabalho, é possível aferir que ele possuía patrimônio suficiente para essas aquisições, independentemente de uma prova específica de quanto ganhava por mês. Essa conclusão ganha especial relevo na hipótese em que a boa condição financeira do falecido não foi posta em questão por nenhuma das partes.

  4. Não é possível argumentar que os herdeiros do falecido, pelo mero fato de terem ciência das aquisições promovidas por seu pai, não poderiam questionar esses negócios jurídicos porque teriam sido beneficiados pelo suposto desvio patrimonial decorrente das aquisições. Inexiste benefício numa situação em que o pai promove negócios jurídicos que deixarão os herdeiros sem patrimônio no futuro.

  5. O instituto da simulação, entendido em sentido largo, comporta duas espécies: a absoluta e a relativa. Na primeira, a própria essência do negócio jurídico é simulada, de modo que na ação deve-se anulá-lo (conforme o CC⁄16) ou declará-lo nulo (conforme o CC⁄02) de maneira integral, com o retorno das partes ao status quo ante. Na segunda, também chamada dissimulação, o que ocorre é que as partes declararam praticar um negócio jurídico, mas na verdade tinham a intenção de praticar outro. Nessas situações, não é necessário requerer que seja restabelecido o estado anterior, bastando que o autor da ação requeira a conversão do negócio jurídico, de modo que ele corresponda precisamente à intenção das partes.

  6. Se o Tribunal reconhece, contudo, que a intenção do de cujus fora exatamente no sentido dos negócios supostamente dissimulados, ou seja, que ele de fato queria adquirir bens para sua última companheira, a tese da simulação não pode ser reconhecida por força do óbice da Súmula 7⁄STJ.

  7. O reconhecimento da existência de união estável anterior ao casamento é suficiente para afastar a norma, contida no CC⁄16, que ordenava a adoção do regime da separação obrigatória de bens nos casamentos em que o noivo contasse com mais de sessenta, ou a noiva com mais de cinquenta anos de idade, à época da celebração. As idades, nessa situação, são consideradas reportando-se ao início da união estável, não ao casamento.

  8. O requisito do prequestionamento demanda que a matéria, como um todo, tenha sido enfrentada pelo Tribunal de origem. Eventual anulação do processo com base na ofensa ao art. 535 do CPC apenas para que o Tribunal se manifeste expressamente quanto a um tema que foi debatido em todo o processo implicaria ofensa ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVII, da CF⁄88).

  9. Em tese, para que se reconheça a invasão das legítimas em decorrência de eventual doação promovida pelo de cujus, seria necessária a prova do patrimônio total do doador, em comparação com o bem doado. Entretanto, numa hipótese em que o pai dos recorrentes falece sem deixar patrimônio algum, naturalmente essa prova pode ser dispensada. Não há duvida da ocorrência de doações inoficiosas.

  10. Se a viúva jamais acumulara capital para adquirir bens imóveis até o momento em que se uniu ao de cujus, não é razoável supor que ela tivesse passado a ter condições de acumular vultoso patrimônio, por esforço próprio, após a união. Do mesmo modo, se o de cujus sempre adquiriu bens, conforme sugere o fato de ele ter atravessado duas separações com partilhas disputadas, também não é razoável pensar que ele deixou de ter possibilidade de comprar qualquer coisa depois de se unir à ré. Deve-se, portanto, reconhecer que os bens controvertidos foram adquiridos pelo de cujus e concomitantemente doados à viúva. Há, portanto, doação inoficiosa de 50% do patrimônio total.

  11. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, divergindo do voto do Sr. Ministro Relator, por maioria, dar provimento ao recurso especial. Vencido o Sr. Ministro Relator Massami Uyeda. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Impedido o Sr. Ministro Vasco Della Giustina. Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 26 de abril de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 918.643 - RS (2007⁄0011372-6)

RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
RECORRENTE : K B H E OUTROS
ADVOGADO : ALDO AYRES TORRES E OUTRO
RECORRIDO : M R N H E OUTROS
ADVOGADO : ATHOS GUSMÃO CARNEIRO E OUTRO
RECORRIDO : B.B.S.
ADVOGADOS : LINOA.D.C.
ANAL.A. E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

Os elementos dos autos dão conta de que K. B. H. E OUTROS ajuizaram, em 17⁄09⁄1998, ação ordinária em face de M. R. N. H. E OUTROS, com pedido de liminar, narrando os autores, em síntese, serem filhos, genro e noras de T. H., falecido em 21 de maio de 1988, casado em primeiras núpcias com M. B. H. - mãe dos autores -, em segundas núpcias com N. B. S. H., e em terceiras núpcias com a ré M. R. N. H.

Aduziram os autores K. B. H. E OUTROS que, antes do casamento com a ré M. R. N. H., o de cujus T. H. com ela viveu em concubinato, que perdurara aproximadamente 6 (seis) anos, sendo, posteriormente, o casamento entre ambos antecedido de pacto antenupcial, adotando-se o regime de separação convencional, com cláusula de separação total de bens.

Alegaram os autores K. B. H. E OUTROS, outrossim, que, tendo em vista o fato de que as segundas núpcias do de cujus T. H. com N. B. S. H. havia sido dissolvida de forma "tumultuada", para preservar o seu patrimônio, T. H. transferiu todos os seus bens particulares para a ré M. R. N. H., bem como, em nome dela e dos respectivos filhos, fez aquisições, dando delas ciência aos autores, mediante a promessa de que, posteriormente, tais bens retornariam ao patrimônio que constituiria a legítima dos herdeiros-autores o que, contudo, não ocorreu.

Afirmaram os autores, assim, o regime de bens adotado no casamento entre T. H. e M. R. N. H. - separação convencional -, seria ineficaz, porquanto, tendo em vista a idade dos nubentes quando da celebração do casamento (T. H. com 63 anos, e M. R. N. H. com 53 anos), o regime correto seria o da separação legal, que, por sua vez, não permite doações e compra e venda de bens de forma simulada entre os cônjuges, quer anteriormente, quer posteriormente ao início do vínculo conjugal. Alegaram, também, que os bens teriam sido adquiridos por M. R. N. H. unicamente com os recursos do de cujus T. H., não havendo esforço comum do casal para a aquisição, o que tornaria ineficazes as doações e os contratos de compra e venda simulados promovidas pelos então cônjuges T. H. e M. R. N. H.

Requereram os autores, ao final: i) a declaração da ineficácia do regime da separação convencional; ii) a ineficácia das aquisições feitas pela ré M. R. N. H. ou por interpostas pessoas em relação aos bens descritos na inicial; iii) o reconhecimento do direito sucessório dos autores às verbas correntes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, do Programa de Integração Social - PIS e da rescisão do contrato de trabalho de T. H., em razão de sua morte, bem como das contas bancárias e cadernetas de poupança do de cujus; e iv) a intimação do credor hipotecário da ré M. R. N. H., o BANCO BRADESCO S. A. (fls. 3⁄23, volume 1).

Após regular instrução, a ação foi julgada parcialmente procedente pelo r. Juízo de Direito da 2ª Vara de Família da Comarca de Canoas⁄RS (fls. 1.275⁄1.297, volume 6).

Interpostos recursos de apelação por K. B. H. E OUTROS (fls. 1.320⁄1.407, volume 7), M. R. N. H. E OUTROS (fls. 1.345⁄1.364, volume 7) e pelo BANCO BRADESCO (fls. 1.366⁄1.376, volume 7), e apresentadas contra-razões por K. B. H. E OUTROS (fls. 1415⁄1423), o egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por maioria, conferiu provimento ao recurso de K. B. H. E OUTROS, negou provimento ao apelo de M. R. N. H. E OUTROS e proveram, em parte, o apelo do Banco-assistente (fls. 1.469⁄1.497, volume 7), conforme assim ementado:

"APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. Não cumprindo o agravante a exigência do art. 523 do CPC, não é de ser conhecido o agravo. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. A questão já foi enfrentada por esta Câmara quando do julgamento de anterior agravo neste processo, razão pela qual não é de ser conhecida agora quando renovada em sede de apelação. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL DO ASSISTENTE REJEITADA. Assistência deferida (fl. 1081) em face da não-impugnação do pedido pelas partes, no prazo...

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