Acórdão nº REsp 1064009 / SC de T2 - SEGUNDA TURMA
Data | 04 Agosto 2009 |
Número do processo | REsp 1064009 / SC |
Órgão | Segunda Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil) |
RECURSO ESPECIAL Nº 1.064.009 - SC (2008⁄0122737-7)
RELATOR | : | MINISTRO HERMAN BENJAMIN |
RECORRENTE | : | F.N.D.S. -F. |
ADVOGADO | : | OSCAR J T MONTEIRO DE BARROS E OUTRO(S) |
RECORRENTE | : | UNIÃO |
RECORRIDO | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO DOS ÍNDIOS. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. INTERPRETAÇÃO DE NORMAS DE PROTEÇÃO DE SUJEITOS HIPERVULNERÁVEIS E DE BENS INDISPONÍVEIS. LEI 8.080⁄90 E DECRETO FEDERAL 3.156⁄99. SÚMULA 126⁄STJ. ART. 461 DO CPC. MULTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE.
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O Ministério Público Federal propôs Ação Civil Pública contra a União e a Funasa, objetivando garantir o acesso dos indígenas que não residem na Aldeia Xapecó à assistência médico-odontológica prestada na localidade, tendo obtido êxito na instância ordinária.
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In casu, a prestação jurisdicional não beneficia apenas um índio ou alguns índios em particular, mas todos os que se encontrem na mesma situação que ensejou a propositura da Ação Civil Pública pelo Ministério Público.
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No campo da proteção da saúde e dos índios, a legitimidade do Ministério Público para propor Ação Civil Pública é – e deve ser – a mais ampla possível, não derivando de fórmula matemática, em que, por critério quantitativo, se contam nos dedos as cabeças dos sujeitos especialmente tutelados. Nesse domínio, a justificativa para a vasta e generosa legitimação do Parquet é qualitativa, pois leva em consideração a natureza indisponível dos bens jurídicos salvaguardados e o status de hipervulnerabilidade dos sujeitos tutelados, consoante o disposto no art. 129, V, da Constituição, e no art. 6º da Lei Complementar 75⁄1993.
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A Lei 8.080⁄1990 e o Decreto 3.156⁄1999 estabelecem, no âmbito do SUS, um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, financiado diretamente pela União e executado pela Funasa, que dá assistência aos índios em todo o território nacional, coletiva ou individualmente, e sem discriminações.
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Os apelos não comportam conhecimento no mérito, haja vista o acórdão recorrido estar fundamentado precipuamente nos arts. 5º, 196 e 231 da Constituição da República, não tendo sido interposto Recurso Extraordinário. Incidência da Súmula 126⁄STJ.
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Mas mesmo que assim não fosse, a insurgência recursal não prospera, porquanto inexiste, na legislação pátria, respaldo para o critério excludente defendido pela União e pela Funasa – Fundação Nacional de Saúde.
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O status de índio não depende do local em que se vive, já que, a ser diferente, estariam os indígenas ao desamparo, tão logo pusessem os pés fora de sua aldeia ou Reserva. Mostra-se ilegal e ilegítimo, pois, o discrímen utilizado pelos entes públicos na operacionalização do serviço de saúde, ou seja, a distinção entre índios aldeados e outros que vivam foram da Reserva. Na proteção dos vulneráveis e, com maior ênfase, dos hipervulneráveis, na qual o legislador não os distingue, descabe ao juiz fazê-lo, exceto se for para ampliar a extensão, o grau e os remédios em favor dos sujeitos especialmente amparados.
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O atendimento de saúde – integral, gratuito, incondicional, oportuno e de qualidade – aos índios caracteriza-se como dever de Estado da mais alta prioridade, seja porque imposto, de forma expressa e inequívoca, pela lei (dever legal), seja porque procura impedir a repetição de trágico e esquecido capítulo da nossa história (dever moral), em que as doenças (ao lado da escravidão e do extermínio físico, em luta de conquista por território) contribuíram decisivamente para o quase extermínio da população indígena brasileira.
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É cabível a cominação da multa prevista no art. 461 do CPC contra a Fazenda Pública. Precedentes do STJ.
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Recursos Especiais parcialmente conhecidos e não providos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, conheceu em parte dos recursos e, nessa parte, negou-lhes provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 04 de agosto de 2009(data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.064.009 - SC (2008⁄0122737-7)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA PROCURADOR : OSCAR J T MONTEIRO DE BARROS E OUTRO(S) RECORRENTE : UNIÃO RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recursos Especiais interpostos, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição da República, contra acórdão assim ementado (fl. 248):
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. INDÍGENAS. SAÚDE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ODONTOLÓGICO.
- É cabível o ajuizamento de ação civil pública para a defesa de quaisquer direitos individuais homogêneos socialmente relevantes.
- O Ministério Público é parte ativa legítima para a ação, pois seu objeto não é a defesa de apenas um indígena, mas a prestação da devida assistência odontológica a todo indígena, residente ou não na aldeia.
- Ao garantir aos indígenas tratamento médico especializado, a lei não faz qualquer distinção, nem prevê exclusão da assistência à saúde pela FUNASA, de forma que o direito de serem atendidos por aquele órgão independe de estarem aldeados ou não.
- Onde o legislador não restringiu não cabe ao intérprete restringir e deve-se dar às normas garantidoras de direitos fundamentais a maior aplicabilidade possível.
- Cabe ao poder público a tutela das comunidades indígenas, assegurando-lhes o direito à vida saudável.
- Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir.
A União opôs Embargos de Declaração, sem êxito (fls. 266-269).
A Funasa, em suas razões, alega violação dos arts. 273, 461 e 535 do CPC; dos arts. 4º e 7º da Lei 6.001⁄1973. Sustenta que não estão presentes os requisitos da antecipação da tutela e que é incabível a cominação de multa diária contra a Fazenda Pública (fls. 273-288).
A União, por sua vez, suscita violação dos arts. 1º e 21 da Lei 7.347⁄1985, c⁄c os arts. 2º e 81 do CDC, e do art. 461, § 4º, do CPC, ao argumento de que o Ministério Público não possui legitimidade ativa ad causam e que as astreintes devem ser excluídas.
Aduz ainda que inexiste disposição legal que obrigue as recorrentes a prestarem assistência à saúde de indígenas não aldeados, os quais devem buscar atendimento no SUS. Nesse particular, acena com dispositivos da Convenção 169 da OIT, aprovada pelo Decreto 5.051⁄2004, da Lei 6.001⁄1973, da Lei 9.836⁄1999 e com o art. 231 da Constituição, e conclui (fl. 302):
E a prova produzida deixou comprovado que o serviço prestado pela FUNASA nas aldeias é simples, quase de apenas de prevenção, sendo que na maioria dos casos há encaminhamento...
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