Acórdão nº REsp 1114049 / PE de T4 - QUARTA TURMA
Magistrado Responsável | Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140) |
Emissor | T4 - QUARTA TURMA |
Tipo de Recurso | Recurso Especial |
RECURSO ESPECIAL Nº 1.114.049 - PE (2009⁄0043871-6) (f)
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | B.B.S. |
ADVOGADO | : | JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO E OUTRO(S) |
RECORRIDO | : | I.C.S. |
ADVOGADOS | : | ANTÔNIOE.S. E OUTRO(S) |
MARCOS AMANCIO SILVA CHAVES |
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. REVISÃO DE CONTRATOS DE MÚTUOS BANCÁRIOS CONSOLIDADOS EM ESCRITURA DE CONFISSÃO DE DÍVIDA E DAÇÃO EM PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 286⁄STJ. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. SÚMULA 284⁄STF. AUDIÊNCIA PARA OITIVA DE PERITO. NÃO REALIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DÚVIDAS A ESCLARECER. INUTILIDADE NA HIPÓTESE. DETERMINAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. SÚMULA 7⁄STJ. UTILIZAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL - TR. POSSIBILIDADE. SÚMULA 295⁄STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
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Não há falar em violação ao art. 535 do CPC se o acórdão recorrido, julgando integralmente a causa, deu aos dispositivos de regência a interpretação que, sob sua ótica, se coaduna com a espécie, não caracterizando omissão ou ofensa à legislação infraconstitucional, resultado diferente do pretendido pela parte.
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O recurso especial exige fundamentação vinculada e o seu efeito translativo se opera, tão-somente, nos termos do que foi impugnado. A ausência de indicação expressa de dispositivos legais tidos por vulnerados atrai a incidência da Súmula 284⁄STF.
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Na presente hipótese, as instâncias ordinárias entenderam estar o feito correta e extensamente instruído, não havendo dúvidas a esclarecer, não configurando, assim, cerceamento de defesa o julgamento da causa sem a realização de audiência para a oitiva do perito. Ademais, determinada a liquidação da sentença, com realização de nova perícia nos termos dos parâmetros fixados pelo Tribunal Estadual e por este Superior Tribunal de Justiça, revela-se desprovida de utilidade a manifestação do expert sobre o laudo pericial já produzido, o que serviria, tão somente, à procrastinação do feito.
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Havendo pedido implícito para que seja anulada a escritura de confissão de dívidas, não se vislumbra ausência de interesse de agir.
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Constou do acórdão recorrido que não se cuidava, na espécie, de novação mas de simples renegociação de dívida. A revisão deste entendimento demanda interpretação de cláusula contratual e reexame do conjunto fático-probatório, providências vedadas em sede especial, nos termos das súmulas 05 e 07 desta Corte.
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No pertinente à revisão das cláusulas contratuais, a legislação consumerista, aplicável à espécie, permite a manifestação acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas, o que acaba por relativizar o princípio do pacta sunt servanda. Assim, reiterada a jurisprudência desta Corte quanto à possibilidade de revisão dos contratos firmados com a instituição financeira desde a origem, de modo que a renegociação de mútuo bancário ou a confissão de dívida não seria óbice à discussão acerca de eventuais ilegalidades, nos termos da Súmula nº 286 deste Superior Tribunal de Justiça.
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Em sede de recurso especial, descabe apreciar as razões que levaram as instâncias ordinárias a aplicar a multa por litigância de má-fé (art. 17 do CPC), porquanto seria necessário rever o suporte fático-probatórios dos autos. Incidência da Súmula 7⁄STJ.
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O Tribunal de origem, mesmo reconhecendo a pactuação, em alguns contratos, da Taxa Referencial - TR como índice de atualização monetária, afastou a sua utilização. Esse entendimento encontra-se dissonante da consolidada jurisprudência desta Corte Superior de Justiça no sentido de sua aplicabilidade, quando pactuada, como índice de correção, nos termos da Súmula 295⁄STJ, merecendo reforma neste ponto.
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Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, M.I.G., Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). GUILHERME PIMENTA DA VEIGA NEVES, pela parte RECORRENTE: BANCO BRADESCO S⁄A
Dr(a). J.A.B.B., pela parte RECORRIDA: INDÚSTRIAS COELHO S⁄A
Brasília (DF), 07 de abril de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.114.049 - PE (2009⁄0043871-6)
RECORRENTE : B.B.S. ADVOGADO : JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO E OUTRO(S) RECORRIDO : INDÚSTRIAS COELHO S⁄A ADVOGADOS : ANTÔNIO ELIAS SALOMÃO E OUTRO(S) MARCOS AMANCIO SILVA CHAVES RELATÓRIO
O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
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Na origem, Indústrias Coelho S⁄A narra que, em 26⁄02⁄1997, firmou com a instituição financeira ré, ora recorrente, escritura pública de confissão de dívida e dação em pagamento, objetivando a composição de seus débitos junto àquele Banco, tendo pago naquela ocasião o valor de R$12.474.988,44 (doze milhões, quatrocentos e setenta e quatro mil, novecentos e oitenta e oito reais e quarenta e quatro centavos), por intermédio de dação em pagamento de três imóveis descritos na inicial, além de reconhecido, ainda, um débito remanescente de R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), o qual se comprometeu a pagar em sua totalidade na data de 26⁄02⁄2002, corrigidos pela Taxa Referencial - TR e incidindo juros de 12% ao ano, estes capitalizados no período de carência e exigíveis, mensalmente, a partir de 26⁄02⁄1999.
Ante a discordância entre as partes quanto ao valor e aos encargos financeiros que deveriam ser pagos mensalmente, Indústrias Coelho S⁄A ajuizou, em face do ora recorrente, ação revisional de contratos bancários objetivando a revisão do saldo devedor, das cláusulas dos contratos que originaram a composição do débito e do próprio instrumento de confissão de dívida e dação em pagamento.
Relatam os autos que a sentença julgou procedente a demanda para decretar nulas as cláusulas dos contratos bancários que deram origem ao instrumento de confissão de dívida e dação em pagamento e, mais ainda, a cláusula quinta deste último; reconheceu, também, que a correção monetária incidente sobre a composição de dívida seria exigível somente no vencimento daquele contrato e, por fim, amparada em laudo pericial, concluiu pela existência de um saldo credor, a favor da autora, no valor de R$ 20.535.015,88 (vinte milhões, quinhentos e trinta e cinco mil, quinze reais e oitenta e oito centavos).
Irresignado, apelou o réu (fls. 4479⁄4529), sustentando, preliminarmente, cerceamento de defesa, diante da negativa do juízo a quo de marcar audiência para esclarecimentos sobre a perícia realizada; alegou que a sentença não poderia ser proferida, porque pendente efeito suspensivo conferido por agravo de instrumento anteriormente interposto; aduziu que ocorrera novação e que, portanto, os contratos não poderiam ser revisados; argumentou que os juros remuneratórios não estariam sujeitos à limitação de 12% prevista no art. 192, § 3º, da Constituição Federal; aduziu, outrossim, que não houvera cobrança pela TR, tampouco juros disfarçados; pediu, caso mantida a decisão, que os honorários advocatícios fossem arbitrados, segundo parâmetro diverso do valor da condenação.
O Tribunal estadual conheceu, por cautela, da preliminar de cerceamento de defesa, mas, no entanto, lhe negou acolhimento; no mérito, negou provimento à apelação, por maioria, nos termos da ementa seguinte:
"PROCESSO CIVIL. COMERCIAL E BANCÁRIO. NEGÓCIO JURÍDICO. CONTRATO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO DE SALDOS DEVEDORES DE CONTRATOS E DE DECLARAÇÕES DE NULIDADES DE CLÁUSULAS. AÇÃO CONSIGNATÓRIA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. PRINCIPAL. AMORTIZAÇÃO. DAÇÃO EM PAGAMENTO. COMPRA E VENDA. IMÓVEIS. ESCRITURA PÚBLICA. CRÉDITOS. COMPOSIÇÃO. RENEGOCIAÇÃO. CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. SALDO DEVEDOR. REVISÃO DO DÉBITO. FORMA DE PAGAMENTO. PRESTAÇÕES MENSAIS. CARÊNCIA. ÍNDICE. TAXA REFERENCIAL - TR. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCC. JUROS MORATÓRIOS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO. ANDIBE. CETIP. ENCARGOS. TAXA DE JUROS. MERCADO FINANCEIRO. MULTA. CAPITALIZAÇÃO. ANATOCISMO. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. PERÍCIA CONTÁBIL. PARECER TÉCNICO-CONTÁBIL. LAUDO. PERITO. INCAPACIDADE TÉCNICA. ANULAÇÃO. NOVA PERÍCIA. EXCESSO. CLÁUSULAS ABUSIVAS. ILEGALIDADE. NULIDADE. DIREITO DE DEFESA. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO. NOVAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ATIVIDADE PRODUTIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Encontrando-se o processo em condições de receber sentença, eis que suficientemente instruído com provas pericial e documental, afiguram-se despiciendas as pretensões de prestação de esclarecimentos em audiência de instrução e julgamento e de produção de prova testemunhal, desmerecendo prosperar a invocação de cerceamento ao direito de defesa e ao contraditório, ainda mais tendo o juízo a quo, em atenção ao requerido pela própria parte Apelante, em suas sucessivas impugnações aos laudos periciais, oportunizado a realização de três distintas perícias contábeis, observados, em todos os casos, os trâmites procedimentais.
- Não tendo sido apresentada oportunamente como matéria de defesa na ocasião da contestação, fere os princípios processuais da eventualidade e da concentração a argüição extemporânea, em sede de razões finais, de suposta novação das obrigações contraídas, pelo que não resulta afastada a possibilidade de revisão dos contratos firmados anteriormente ao contrato de confissão de dívida.
- Não configura novação e autoriza a revisão negocial em sua globalidade, incluindo os contratos liquidados, quando, em sede de contrato de confissão de dívida, transparece a simples intenção de consolidar as obrigações sucessivamente assumidas ao longo de quinze anos e de amortizar parte dos débitos remanescentes dos contratos anteriores.
- O Superior Tribunal de Justiça vem sedimentando o entendimento de que a celebração de contrato de confissão de dívida, extintivo ou não das contratações anteriores firmadas entre as partes, não subtrai do judiciário o poder de retroagir a análise do acordado até a origem para efeito de apreciar a...
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