Acórdão nº REsp 1223733 / RJ de T4 - QUARTA TURMA

Data07 Abril 2011
Número do processoREsp 1223733 / RJ
ÓrgãoQuarta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.223.733 - RJ (2010⁄0206509-7)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : J.F.D.O. E OUTROS
ADVOGADO : ROBERTO RAPOPORT
RECORRENTE : R.M.S.D.O. E OUTRO
ADVOGADO : M.T.D.S. E OUTRO(S)
RECORRENTE : ÚNICA PARTICIPAÇÕES LIMITADA E OUTROS
ADVOGADO : ROBERTO RAPOPORT E OUTRO(S)
RECORRIDO : OS MESMOS

EMENTA

RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS SOCIETÁRIOS. SÓCIA COTISTA. SOCIEDADE LIMITADA. PARTICIPAÇÃO EM SOCIEDADES AS QUAIS INTEGRAM COMO SÓCIAS MAJORITÁRIAS O QUADRO SOCIAL DE OUTRAS. HOLDING FAMILIAR. DOCUMENTOS COMUNS EM VIRTUDE DAS RELAÇÕES JURÍDICAS COLIGADAS. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. MANUTENÇÃO DA AFFECTIO SOCIETATIS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. MULTA COMINATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO EM SEDE DE AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. SÚMULA 372⁄STJ.

  1. Não há falar em violação ao art. 535 do CPC se o acórdão recorrido, julgando integralmente a causa, deu aos dispositivos de regência a interpretação que, sob sua ótica, se coaduna com a espécie, não caracterizando omissão ou ofensa à legislação infraconstitucional o resultado diferente do pretendido pela parte.

  2. No presente caso, cinge-se a controvérsia em saber se a participação indireta tem o condão de conferir à sócia cotista da holding familiar - que participa como sócia majoritária do quadro social de outras empresas -, o direito de pedir a exibição de documentos que a lei confere aos sócios destas últimas.

  3. No grupo de empresas de que cuidam os presentes autos, a primeira recorrente é sócia de quatro holdings familiares que - possuindo quase a totalidade das quotas das demais empresas do grupo-, deixam de ser apenas depositárias de participações societárias, assumindo papel primordial de governo de toda a organização.

  4. Sobreleva, aqui, para além da questão do “sócio direto”, o interesse em se verem exibidos documentos que, em virtude de relações jurídicas coligadas, são comuns às partes.

  5. A existência da relação jurídica entre as empresas controladas e as holdings familiares está intimamente relacionada com o liame jurídico entre estas e a recorrente, defluindo-se daí interesses diretos e indiretos sobre todas as sociedades empresariais do grupo, uma vez que o aviltamento do patrimônio das sociedades controladas acarretará, consequentemente, o esvaziamento do patrimônio das sociedades controladoras, da qual a recorrente integra diretamente o quadro social.

  6. Sob a ótica de que, in casu, a personalidade jurídica no grupo de empresas deve ser tomada dentro da realidade maior da junção das empresas componentes, e não no seu aspecto meramente formal, a confiança que deve reinar entre os sócios da empresa também deve imperar no relacionamento entre os sócios da holding e as empresas coligadas, constituindo-se em um dos pilares da affectio societatis.

  7. Ao impedir-se o acesso da recorrente aos documentos das empresas coligadas apenas com fundamento em uma interpretação restritiva dos arts. 1.020 e 1.021 do Código Civil e do art. 844, II, do CPC corre-se o risco de instaurar-se, ou arrefecer-se, um clima de beligerância entre os sócios da holding, comprometendo a existência da affectio societatis e, em última análise, atuando contra os princípios da confiança e da preservação da empresa.

  8. "Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória." Súmula 372⁄STJ.

  9. Recurso especial de R.M.S. deO. e outro PARCIALMENTE PROVIDO e recursos especiais de Única Participações Ltda e outras e José Fonseca de Oliveira e outros PROVIDOS para afastar a incidência da multa cominatória imposta.

    ACÓRDÃO

    A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial de R.M.S. deO. e H.D. deO.N. e deu provimento aos recursos especiais de Única participações limitada e outros e de José Fonseca de Oliveira e outros, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, M.I.G., Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Dr(a). CARLOS DAVID ALBUQUERQUE BRAGA, pela parte RECORRENTE: R.M.S.D.O.

    Brasília (DF), 07 de abril de 2011(Data do Julgamento)

    MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.223.733 - RJ (2010⁄0206509-7)

    RECORRENTE : J.F.D.O. E OUTROS
    ADVOGADO : ROBERTO RAPOPORT
    RECORRENTE : R.M.S.D.O. E OUTRO
    ADVOGADO : M.T.D.S. E OUTRO(S)
    RECORRENTE : ÚNICA PARTICIPAÇÕES LIMITADA E OUTROS
    ADVOGADO : ROBERTO RAPOPORT E OUTRO(S)
    RECORRIDO : OS MESMOS

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

  10. Cuida-se de ação cautelar de exibição de documentos, com pedido de concessão de liminar, ajuizada por R.M.S. deO. e Heráclito Dantas de Oliveira Neto em face das empresas Única Participações Ltda., Naveriver Navegação Fluvial Ltda., H. Dantas Construção e Reparos Navais Ltda., H. Dantas Comércio, Navegação e Indústrias Ltda., H. Dantas Serviços Marítimos e Portuários Ltda., Caboto Comercial e Marítima Ltda., Speedboat - Serviços de Transporte e Turismo Ltda., F.F.N.L. e Sulnorte Serviços Marítimos Ltda., bem como de seus outros sócios, J.F. deO., A.A. doP.N. e A.F. deO., objetivando a exibição dos seguintes documentos:

    “(i) Cópia das Atas de Reuniões de Sócios realizadas nas empresas requeridas nos anos de 2006, 2007 e 2008, em especial a ata de reunião realizada em 04 de setembro de 2007, relativa à NAVERIVER;

    (ii) Cópia das mensagens eletrônicas encaminhadas ao Grupo H. Dantas desde maio de 2007 até hoje e que deveriam ter sido recebidas pelos administradores (Sr. Ricardo Souza de Oliveira);

    (iii) Relatórios mensais e anuais de atividades das sociedades, desde dezembro de 2007, que sempre foram disponibilizados aos administradores (Srs. Ricardo Souza de Oliveira e Paulo Souza de Oliveira);

    (iv) Balanços contábeis de todas as sociedades Requeridas relativos aos últimos 5 anos;

    (v) Balancetes de todas as sociedades Requeridas relativos aos últimos 5 anos;

    (vi) Contratos firmados pelas sociedades Requeridas com prazo superior a 6 meses e que ainda estejam em vigor;

    (vii) Documentos, minutas de contratos ou mensagens eletrônicas sobre negociações de contratos operacionais, empréstimos e⁄ou qualquer outra operação relevante que esteja, atualmente, sendo conduzida no âmbito das empresas Requeridas, em especial em relação ao BNDES;

    (viii) Instrumentos contratuais e demais documentos comerciais e contábeis relacionados às despesas em razão de contratações de serviços no exterior durante o período de 2004 a 2007; e

    (ix) Instrumentos contratuais e demais documentos comerciais e contábeis relacionados às receitas em razão de serviços prestados no exterior durante o período de 2004 a 2007."

    Fundamentando o seu pedido, alegaram que R.M.S. deO. é quotista minoritária da holding familiar H. Dantas, com atuação no setor de transporte marítimo e fluvial, possuindo participação societária, direta e indireta, nas empresas requeridas e, por expressa previsão nos contratos sociais, tem o direito de participar da administração das diversas sociedades, enquanto Heráclito Dantas de Oliveira Neto detém participação na requerida Caboto Comercial e M.L.

    Afirmaram, ainda, que "os acionistas majoritários vêm se utilizando dos mais diversos subterfúgios e artimanhas para impedir o acesso da Requerente à administração das empresas do Grupo H. Dantas", sendo o acesso aos referidos documentos essenciais ao exercício do direito que lhes assiste na qualidade de sócios e de serem referidos documentos imprescindíveis ao exercício da fiscalização da maneira como vêm sendo conduzidos os negócios sociais.

    O pedido de liminar foi deferido pelo Juízo de Direito da Sexta Vara Empresarial da Comarca da Capital - RJ (fls. 241⁄242), tendo sido determinada a apresentação de todos os documentos solicitados na exordial.

    Irresignando-se, os requeridos manejaram os agravos de instrumento n. 2008.002.13039 e n. 2008.002.12747, julgados pela 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (fls. 644-647, 673-675, 1.127-1.131 e 1.134-1.135), que reformou em parte a liminar concedida, mantendo a obrigação de exibição de todos os documentos requeridos na inicial, tão somente em relação às sociedades nas quais os autores constem do quadro social como integrantes, de forma direta (“sócios diretos”).

    Sobrevindo sentença (fls. 1.139-1.141), o pedido foi julgado procedente em parte, sendo confirmada a liminar, nos termos do decidido nos agravos de instrumento referidos, e condenados os réus ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$2.000,00 (dois mil reais).

    O julgado foi integrado pela decisão de fls. 1.168-1.169, que, acolhendo parcialmente os embargos de declaração de fls. 1.145-1.149, acrescentou à determinação de exibição dos documentos, o prazo de 10 dias para cumprimento da obrigação, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

    Os réus apelaram (fls. 1.173-1.201) sustentando, em síntese, a ilegitimidade ativa e passiva, a falta de interesse de agir, a impossibilidade material de fornecer as mensagens de e-mail, que a maior parte dos pedidos já teria sido atendida e, por fim, o não cabimento, em sede de cautelar de exibição de documentos, da cominação de multa nos termos da Súmula 372⁄STJ. Pediram o provimento do recurso para afastar a multa e reconhecer a inépcia do pedido (ii) da inicial.

    Os autores também interpuseram recurso de apelação (fls. 1.173-1.201), alegando que a legislação não faz nenhuma diferenciação entre as figuras do “sócio direto” e do “sócio indireto” e, assim, têm direito à exibição dos documentos das empresas de que participam de forma indireta, via empresa controladora, tanto em virtude da lei, quanto dos princípios da transparência, da boa-fé e da confiança, incidentes nas sociedades onde a affectio societatis se põe presente.

    Salientam, ainda, que R.M.S. deO., em virtude da sua participação minoritária nas empresas controladoras, não pode formar a vontade social no sentido de fiscalizar as sociedades controladas e que eventuais irregularidades...

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