Acórdão nº REsp 615628 / DF de T2 - SEGUNDA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistro HERMAN BENJAMIN (1132)
EmissorT2 - SEGUNDA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Especial

RECURSO ESPECIAL Nº 615.628 - DF (2003⁄0215979-3)

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE
PROCURADOR : FREDERICO PAIVA E OUTRO(S)
RECORRIDO : G.E.C.
ADVOGADO : TÚLIO FREITAS DO EGITO COELHO E OUTRO(S)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. APLICAÇÃO DE MULTA PELO PLENÁRIO DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. OPERAÇÃO DE CONCENTRAÇÃO DE EMPRESAS. APRESENTAÇÃO TARDIA DE DOCUMENTOS. TERMO INICIAL. DATA DA EFETIVAÇÃO DO ATO JURÍDICO COM EFICÁCIA VINCULATIVA. ART. 54 DA LEI 8.884⁄1994 E ART. 2º DA RESOLUÇÃO 15⁄1998 DO CADE. PODER REGULAMENTAR DA AUTARQUIA.

  1. Cuidam os autos de Mandado de Segurança impetrado contra ato do Presidente do Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, em razão de multa imposta em acórdão proferido pelo Plenário do órgão no Ato de Concentração 08012.005572⁄99-99.

  2. Discute-se a legalidade da sanção aplicada pelo Cade nos termos da Lei Antitruste. O órgão adotou a medida por considerar que a comunicação do ato de concentração ocorrera tardiamente.

  3. Conforme disposição do art. 54 da Lei 8.884⁄1994, com vista à defesa da concorrência, os atos que importem concentração econômica deverão ser apresentados para exame, previamente ou no prazo máximo de quinze dias úteis de sua realização, mediante encaminhamento da respectiva documentação em três vias à SDE – Secretaria de Direito Econômico, que imediatamente enviará uma delas ao Cade e outra à Seae.

  4. O Cade, em virtude de suas atribuições institucionais, deve examinar os atos que possam limitar ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência.

  5. O sentido do art. 54, § 4º, da Lei 8.884⁄1994 é prevenir efeitos prejudiciais à livre concorrência advindos de operações que possam resultar em concentração de mercado. O prazo estipulado no dispositivo legal decorre da necessidade de análise das operações em tempo hábil.

  6. Com base no Poder Regulamentar, o termo inicial para a apresentação desses atos foi definido pela Resolução 15⁄1998 do Cade, que prevê, em seu art. 2º, que "o momento da realização da operação, para os termos do cumprimento dos §§ 4º e 5º do art. 54 da Lei 8.884⁄94, será definido a partir do primeiro documento vinculativo firmado entre as requerentes, salvo quando alteração nas relações de concorrência entre as requerentes ou entre pelo menos uma delas e terceiro agente ocorrer em momento diverso".

  7. O STJ tem entendimento segundo o qual os arts. 7º, XIX, e 51 da Lei 8.884⁄1994 autorizam a edição desse tipo de ato pelo Cade, em observância ao seu poder regulamentar. O art. 2.º da Resolução interpretou o termo "realização", inserto no art. 54, § 4º, da Lei 8.884⁄1994, como "o primeiro documento vinculativo entre as requerentes". Inexiste, dessa forma, criação de novo prazo.

  8. Além do mais, a Resolução era de todo desnecessária. Na sua ausência, o Judiciário ainda seria chamado a interpretar as expressões “atos, sob qualquer forma manifestados” e “de sua realização”, constantes originalmente do texto da Lei da Concorrência, não havendo o intérprete de fazê-lo de modo diverso, em virtude da razoabilidade da disposição.

  9. Mais do que agente de repressão, o Cade é órgão de prevenção de abusos anticoncorrenciais. Na selva do mercado, como na vida em geral, prevenir danos à concorrência e ao consumidor é melhor, mais barato e eficiente do que remediar.

  10. In casu, a recorrida adquiriu a Divisão de Turbinas a Gás Industriais de Grande Porte – Heavy Duty – da empresa Alstom France⁄SA, em 23.3.1999, e somente comunicou o ato de concentração em 25.6.1999.

  11. No que se refere à aplicabilidade do caput do art. 2º da Lei 8.884⁄1994, o Tribunal de origem desconsiderou a informação contida no acórdão do Cade proferido no Ato de Concentração 08012.005572⁄99-99, que consignou: a) "as duas empresas (General Eletric Company e Alstom France S⁄A) atuam no mercado de turbinas a gás de grande porte através de exportações"; e b) "participam com vendas no mercado brasileiro entre 8% e 9% cada uma" (fl. 219, e-STJ).

  12. De acordo com o Estudo de Viabilidade encomendado pelo Centro Técnico Aeroespacial do Ministério da Defesa Nacional, realizado em 2003 pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas – FGV⁄EASP, o mercado mundial de turbinas a gás de grande porte é dominado por quatro grandes empresas: General Electric, Siemens-Westinghouse, Alstom e Mitsubishi.

  13. A participação das empresas que promoveram o ato de concentração ora analisado era, em 2003, de 40% para a GE e 15% para a Alstom. Dessa maneira, inegável o fato de que a fusão das empresas é ato de concentração que poderia repercutir no Brasil.

  14. Recurso Especial provido para denegar a ordem.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça:"Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, acompanhando o Sr. Ministro Herman Benjamin, a Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques (voto-vista), Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília, 08 de junho de 2010(data do julgamento).

    MINISTRO HERMAN BENJAMIN

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 615.628 - DF (2003⁄0215979-3)

    RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
    RECORRENTE : CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE
    PROCURADOR : FREDERICO PAIVA E OUTRO(S)
    RECORRIDO : G.E.C.
    ADVOGADO : TÚLIO FREITAS DO EGITO COELHO E OUTRO(S)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da República, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado:

    ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEI Nº 8.884⁄94. ATO DE CONCENTRAÇÃO. AQUISIÇÃO OCORRIDA NO ESTRANGEIRO. APRESENTAÇÃO DO ATO DE AQUISIÇÃO, TIDA POR INTEMPESTIVA. AFASTAMENTO. MULTA REPELIDA.

    Estabelece o art. 54 da Lei nº 8.884⁄94 que os atos que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.

    De acordo com o parágrafo 4º do aludido preceptivo, os atos em questão deverão ser apresentados para exame, previamente ou no prazo máximo de quinze dias úteis de sua realização, mediante encaminhamento da respectiva documentação em três vias à Secretaria de Direito Econômico que imediatamente enviará uma via ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica e outra à Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

    A apresentação fora do prazo faz com que haja punição com multa pecuniária de valor não inferior a 60.000 UFIR nem superior a 6.000.000 de UFIR (parágrafo 5º do art. cit.).

    No caso vertente, o negócio realizado ocorreu no estrangeiro e sem repercussão no Brasil para os fins do caput do art. 2º da Lei 8.884⁄94.

    Ademais, por cautela, a empresa comunicou o ato de concentração ao CADE em momento posterior ao pré-contrato, onde existiriam cláusulas suspensivas, mas anterior à assinatura do contrato definitivo, atendendo, assim, ao § 4º do artigo 54 da Lei Antitruste.

    Não se pode aplicar, no particular, o art. 2º da Resolução nº 15⁄1998, do CADE, que apregoa que o momento da realização da operação, para os termos do cumprimento dos parágrafos 4º e 5º, do art. 54 da Lei 8.884⁄94, será definido a partir do primeiro documento vinculativo firmado entre as requerentes, porquanto a regulamentação em destaque não se funda em autorização legal.

    Sentença mantida. Apelo e remessa improcedentes (fl. 426).

    O recorrente afirma que houve ofensa ao art. 54, § § 4º e 5º, da Lei 8.884⁄1994. Sustenta, em suma, que, a) "a despeito do contrato preliminar ter sido celebrado em 23⁄03⁄99, o contrato definitivo somente teria sido assinado em 25⁄06⁄99, motivo pelo qual a apresentação da operação teria respeitado a estipulação do § 4º do art. 54 da Lei Antitruste" (fl. 431); e b) negócio jurídico subordinado a condição suspensiva propicia o início da contagem do prazo previsto no § 4º do art. 54 da Lei 8.884⁄1994.

    Contra-razões às fls. 440-451.

    Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal, na função de custos legis, opinou pelo não-conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento.

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 615.628 - DF (2003⁄0215979-3)

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):

  15. Delimitação da Controvérsia

    Cuidam os autos de Mandado de Segurança impetrado contra ato do Presidente do Cade em razão de multa aplicada pelo Plenário do Órgão, em acórdão proferido no Ato de Concentração 08012.005572⁄99-99.

    Cinge-se a questão à legalidade da incidência de multa pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica com base no art. 54 da Lei Antitruste. O Plenário do Cade aplicou a multa por considerar que a comunicação do ato de concentração ocorrera tardiamente.

  16. Conhecimento do Recurso Especial

    2.1 Inaplicabilidade das Súmulas 5 e 7⁄STJ

    A recorrida argumenta, em contra-razões e memoriais, a aplicabilidade das Súmulas 5 e 7 diante da suposta necessidade de reexame dos fatos da causa e do contrato que realizou o negócio jurídico.

    Afirma que, "para a aferição do momento em que a operação se aperfeiçoou, impõe-se a análise de cláusulas contratuais cingidas ao negócio jurídico havido entre as partes" (fl. 471, e-STJ).

    A GE sustenta que "o contrato de operações (fl. 30 e seguintes) não pode ser considerado como o pacto confirmador da aquisição, uma vez que seria mero pré-contrato".

    Na verdade, não importa, no caso, o nomen iuris: pré-contrato, contrato sob condição suspensiva ou resolutiva, contrato preparatório ou preliminar. O que houve foi a realização de um negócio jurídico, aquisição de Divisão de Turbinas a Gás Industriais de Grande Porte – Heavy Duty pela recorrida da empresa Alstom France⁄SA, que pode ser lesivo à livre concorrência.

    A...

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