Acórdão nº REsp 919096 / SP de T3 - TERCEIRA TURMA

Data07 Outubro 2010
Número do processoREsp 919096 / SP
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 919.096 - SP (2007⁄0013988-1)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
R.P⁄ACÓRDÃO : MINISTRO MASSAMI UYEDA
RECORRENTE : O.P.D.B. - ESPÓLIO
ADVOGADO : ISMAEL PEREIRA DE BARROS NETO E OUTRO(S)
REPR. POR : A.M.P.D.B. - INVENTARIANTE
ADVOGADO : CLITO FORNACIARI JÚNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO : F.A.A.C.G.
ADVOGADO : FERNANDO BRANDÃO WHITAKER E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO RESCISÓRIA - DESCONSTITUIÇÃO DE DECISÃO DE CONTEÚDO INTERLOCUTÓRIO - NÃO CABIMENTO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

I - A decisão rescindenda apenas tratou da cobrança de multa anteriormente fixada em decisão liminar nos autos da ação possessória, a qual já havia transitado em julgado com a manutenção da posse da recorrida. A constatação de turbação, punível com a aplicação da multa fixada em decisão liminar, não altera o mérito da ação possessória, pois trata-se de mera verificação do descumprimento da determinação judicial.

II -Não havendo decisão de mérito capaz de possibilitar o manejo de ação rescisória do art. 485 do Código de Processo Civil, correto o entendimento do egrégio Tribunal estadual ao julgar o recorrente carecedor do direito de ação, por impossibilidade jurídica do pedido. Precedente.

III - Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, após a renovação do relatório, da ratificação dos votos proferidos anteriormente e do voto desempate proferido pelo Sr. Ministro Luis Felipe Salomão, a Turma, por maioria, negar provimento ao recurso especial. Votaram com o Sr. Ministro Massami Uyeda os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ⁄BA). Votaram vencidos os Srs. Ministros Nancy Andrighi e V.D.G. (Desembargador convocado do TJ⁄RS). Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Massami Uyeda.Impedido o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Brasília, 07 de outubro de 2010(data do julgamento)

MINISTRO MASSAMI UYEDA

Relator para o acórdão

RECURSO ESPECIAL Nº 919.096 - SP (2007⁄0013988-1)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : O.P.D.B. - ESPÓLIO
ADVOGADO : ISMAEL PEREIRA DE BARROS NETO E OUTRO(S)
REPR. POR : A.M.P.D.B. - INVENTARIANTE
ADVOGADO : CLITO FORNACIARI JÚNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO : F.A.A.C.G.
ADVOGADO : FERNANDO BRANDÃO WHITAKER E OUTRO(S)

VOTO-VENCIDO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida-se de Recurso Especial interposto por ESPÓLIO DE OSMAR PEREIRA DE BARROS e ANA MARIA PACIULLO DE BARROS, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJ⁄SP.

Ação: rescisória de acórdão proferido no julgamento de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de ação de manutenção de posse proposta pelo recorrido. O acórdão rescindendo condenou os recorrentes ao pagamento de multa pela turbação da posse do recorrido sobre área de sua propriedade. A condenação dos recorrentes ao pagamento da multa e a prolação do acórdão impugnado a ela referente, por sua vez, ocorreu após o trânsito em julgado da sentença que julgou procedente a ação possessória. Na inicial da ação rescisória, os recorrentes alegam: (i) nulidade da citação por hora certa; e (ii) error in judicando do acórdão rescindendo quanto ao fato de que a multa fixada liminarmente jamais poderia ser executada, pois estava condicionada à existência de “nova turbação.” A turbação que ocasionou a condenação dos recorrentes ao pagamento, contudo, verificou-se antes mesmo da citação tida por inválida (fls. 2⁄129).

Contestação: o recorrido aduziu preliminar de carência de ação, pois o acórdão proferido em sede de agravo de instrumento não examinou o mérito da questão, de maneira que é incabível o ajuizamento de ação rescisória para sua desconstituição. Sustenta, ainda, que a citação dos recorrentes para os termos da ação original de manutenção de posse foi regularmente efetuada e que o esbulho gerador da multa aplicada aos recorrentes ocorreu após sua citação (fls. 185⁄360).

Acórdão: O TJ⁄SP, por maioria de votos, julgou extinta a ação rescisória proposta pelos recorrentes, nos termos da seguinte ementa (fls. 410⁄419):

AÇÃO RESCISÓRIA - ACÓRDÃO PROFERIDO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - MULTA - DOLO - LEALDADE E BOA-FÉ – CITAÇÃO. Acórdão proferido em agravo de instrumento tirado de ação de manutenção de posse, em fase de execução, onde por sentença foi mantida liminar com fixação de multa para o caso de nova turbação, bem como ocorrência desta após o cumprimento daquela determinação judicial. Acórdão que decidiu no sentido de que o juízo constatou e comprovou a turbação praticada pelos ora autores e entendeu, por conseguinte, a possibilidade da cobrança da multa - Não obstante a rescisória tenha sido ajuizada no prazo legal, não preenche um dos seus pressupostos legais, vez que se volta contra acórdão tirado de decisão interlocutória, em sede de manutenção de posse em fase de execução, e não em face de decisão de mérito - Inadmissibilidade de reabertura da discussão em relação a eventual vicio de citação proferida em sede do ação de manutenção de posse - Regularidade da citação apreciada em decisão interlocutória e mantida em sentença confirmada em grau recurso - preclusão da matéria e decadência do direito de ação reconhecidas - Autores carecedores de ação rescisória.

Embargos de declaração: interpostos pelos recorrentes (fls. 423⁄428), foram rejeitados (432⁄434).

Recurso Especial: interposto com fundamento na alínea “a” do art. 105 da CF⁄88, sustenta a necessidade de reforma do acórdão proferido pelo TJ⁄SP por violação do art. 485 do CPC. Segundo alega o recorrente, é inadequada a decisão que julgou extinta a ação rescisória, visto que o acórdão impugnado não cuida de mera decisão interlocutória, mas sim de julgamento de mérito, com conteúdo distinto da causa de pedir da ação de manutenção de posse ajuizada pelo recorrido (fls. 437⁄453).

Exame de admissibilidade: o TJ⁄SP admitiu o recurso especial, determinando a remessa dos autos ao STJ (fls. 477⁄478).

Parecer do Ministério Público Federal: da lavra do i. Subprocurador-Geral da República Henrique Fagundes Filho, opina-se pelo conhecimento e provimento do recurso especial (fls. 491⁄507).

Impedimento: O i. Min Sidnei Benetti manifestou seu impedimento para atuação neste processo por ter participado, como relator, do julgamento que deu origem ao acórdão rescindendo. Por esta razão vieram-me os autos, por redistribuição (fl. 509).

É o relatório.

I – Delimitação da controvérsia

Cinge-se a controvérsia a analisar a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória em face de acórdão proferido no julgamento de agravo de instrumento no qual teria sido analisada questão de mérito.

Sustentam os recorrentes que o acórdão rescindendo, não obstante proferido por ocasião da reforma de decisão interlocutória, examinou o mérito da questão principal quando atribuiu ao recorrido a proteção da posse que esse pleiteava na inicial da ação originária. Isso porque, ao determinar o pagamento da multa em benefício do recorrido, o acórdão rescindendo analisou a ocorrência do esbulho que ensejou a aplicação da penalidade, motivo pelo qual deve ser considerado “decisão de mérito”, passível de revisão pela via da ação rescisória.

II – A solução da controvérsia

A análise deste recurso especial passa pelo exame de duas questões controvertidas no direito processual: (i) a apuração do conceito de “mérito”, nos termos do art. 269 do CPC; e (ii) a rescindibilidade de decisão interlocutória que o tenha analisado, muito embora o art. 485 do CPC somente faça referência à “sentença.”

II.a. – Divergência quanto à análise do mérito pela decisão interlocutória rescindenda

Os recorrentes sustentam a possibilidade de rescindirem a decisão interlocutória impugnada que analisa questão de mérito, na medida em que se manifesta sobre o cumprimento do que foi decidido na sentença terminativa, já com trânsito em julgado. A excepcionalidade da hipótese em exame reside, logo, no fato de o acórdão rescindendo ter determinado a aplicação de multa condicionada a futuro esbulho da posse exercida pelo recorrido.

O mérito é um conceito doutrinário ainda em construção. Segundo o mestre Pontes de Miranda, há julgamento de mérito “quando o juiz vai ao direito material e acolhe ou rejeita o pedido do autor” (Miranda, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 4ª Ed., T. III, 1997, p. 509). Para Cândido Rangel Dinamarco, mérito é “o conjunto das questões materiais que a lide apresenta” (Dinamarco, Cândido Rangel. Fundamentos do processo Civil Moderno. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1986, p. 200).

Vale transcrever, pela admirável clareza, a lição de Luis Eulálio de Bueno Vidigal sobre o assunto:

Até o aparecimento da obra carneluttiana, o vocábulo lide não tinha um significado científico preciso: ora era empregado para designar o conflito de interesses para cuja composição opera o processo, ora para designar o processo propriamente dito. Carnelutti, porém, afirmando que a primeira condição do progresso científico é a pureza dos conceitos e a propriedade dos vocábulos, propôs definir a lide como o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro. O julgamento desse conflito de pretensões mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a à outra, constitui uma decisão definitiva de mérito.

(Vidigal, L.E. deB. Comentários ao CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª Ed., 1976, v. VI, p. 45⁄46 – sem destaques no original)

Na doutrina alemã, reconhecidamente dedicada ao estudo da questão, o vocábulo “Streitgegenstand” corresponde aos conceitos brasileiros de lide ou mérito e reflete a pretensão processual, ou seja, o pedido formulado pelo autor em juízo. O código de processo civil...

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