Decisão da Presidência nº 175 de STF. Supremo Tribunal Federal, 18 de Septiembre de 2009

Magistrado ResponsávelMin. Presidente
Data da Resolução18 de Septiembre de 2009
Tipo de RecursoSuspensão de Tutela Antecipada

DECISÃO: Trata-se do pedido de suspensão de tutela antecipada nº 175, formulado pela União, e do pedido de suspensão de tutela antecipada nº 178, formulado pelo Município de Fortaleza, contra acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, nos autos da Apelação Cível no 408729/CE (2006.81.00.003148-1), que deferiu a antecipação de tutela recursal para determinar à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza o fornecimento do medicamento denominado Zavesca (Miglustat), em favor de CLARICE ABREU DE CASTRO NEVES.

Na origem, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, contra a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza, com o fim de obter o fornecimento do medicamento Zavesca (Miglustat) em favor de Clarice Abreu de Castro Neves, portadora da doença Niemann-Pick Tipo C (fl. 3).

O Juízo da 7ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Ceará determinou a extinção do processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, por ilegitimidade ativa do Ministério Público, com base na maioridade da pessoa doente e no fato de que o Ministério Público Federal não poderia substituir a Defensoria Pública (fls. 90-95).

Interposto recurso de apelação pelo Ministério Público Federal (fls. 96-111), a 1ª Turma do TRF da 5ª Região, reconhecendo a legitimidade ativa do Ministério Público para a propositura da ação civil pública, deferiu antecipação de tutela para que a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza fornecessem o medicamento Zavesca (Miglustat) à jovem de 21 anos portadora da doença neurodegenerativa progressiva (Niemann-Pick Tipo C).

Contra essa decisão a União ajuizou pedido de suspensão, alegando, em síntese, a ilegitimidade ativa do Parquet Federal e a ilegitimidade passiva da União.

Sustentou a ocorrência de grave lesão à ordem pública - uma vez que o medicamento requerido não foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e não consta da Portaria no 1.318 do Ministério da Saúde - e de grave lesão à economia pública, em razão do alto custo do medicamento (R$ 52.000,00 por mês).

Inferiu, ainda, a possibilidade de ocorrência do denominado efeito multiplicador.

Em 8 de novembro de 2007, a Ministra Ellen Gracie determinou o apensamento da STA 178/DF a estes autos, por considerar idênticas as decisões formuladas.

Na Suspensão de Tutela Antecipada nº 178, o Município de Fortaleza requereu a suspensão da decisão liminar com base, igualmente, em alegações de lesão à ordem pública, em virtude da ilegitimidade do Ministério Público para propositura de ação civil pública a fim de defender interesse individual de pessoa maior de 18 anos (fls. 2-9 da STA 178).

A Procuradoria-Geral da República, em parecer de fls. 135-149, manifestou-se pelo indeferimento do pedido de suspensão.

Salientou a existência do periculum in mora inverso.

No despacho de fls. 153-155, determinei que o Ministério Público Federal informasse se a substituída Clarice Abreu de Castro Neves ainda realizava tratamento com o medicamento ZAVESCA (Miglustat), tendo em vista que a Agência Européia de Medicamentos (EMEA) havia divulgado a retirada do pedido de indicação de uso do medicamento pelo Laboratório Actelion Registration.

A Procuradoria-Geral da República, às fls. 162-166, informou que a paciente ainda realiza tratamento com o medicamento ZAVESCA, conforme relatório médico do neurologista da Rede SARAH de Hospitais do Aparelho Locomotor, Doutor Dalton Portugal.

Juntou, ainda, o comunicado da Agência de Medicina Européia, de 18 de dezembro de 2008, que confirma a indicação do medicamento em questão para o tratamento da doença Niemann-Pick Tipo C.

Decido.

A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão (Leis nos 12.016/2009, 8.437/1992, 9.494/1997 e art. 297 do RI-STF) permite que a Presidência do Supremo Tribunal Federal, a fim de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspenda a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão travada na origem for de índole constitucional.

Assim, é a natureza constitucional da controvérsia que justifica a competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar o pedido de contracautela, conforme a pacificada jurisprudência desta Corte.

No presente caso, reconheço que a controvérsia instaurada na ação em apreço evidencia a existência de matéria constitucional: alegação de ofensa aos arts. , , caput, 167, 196 e 198 da Constituição.

Destaco que a suspensão da execução de ato judicial constitui medida excepcional, a ser deferida, caso a caso, somente quando atendidos os requisitos autorizadores (grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas).

Nesse sentido, confira-se trecho de decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie no julgamento da STA no 138/RN: [...] os pedidos de contracautela formulados em situações como a que ensejou a antecipação da tutela ora impugnada devem ser analisados, caso a caso, de forma concreta, e não de forma abstrata e genérica, certo, ainda, que as decisões proferidas em pedido de suspensão se restringem ao caso específico analisado, não se estendendo os seus efeitos e as suas razões a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual – (STA no 138/RN, Presidente Min.

Ellen Gracie, DJ 19.9.2007).

Ressalte-se, não obstante, que, na análise do pedido de suspensão de decisão judicial, não é vedado ao Presidente do Supremo Tribunal Federal proferir um juízo mínimo de delibação a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal, conforme tem entendido a jurisprudência desta Corte, da qual se destacam os seguintes julgados: SS-AgR no 846/DF, Rel.

Sepúlveda Pertence, DJ 8.11.1996 e SS-AgR no 1.272/RJ, Rel.

Carlos Velloso, DJ 18.5

O art. 4º da Lei no 8.437/1992 c/c art. 1º da Lei 9.494/1997 autoriza o deferimento do pedido de suspensão da execução da tutela antecipada concedida nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

A decisão liminar que a União e o Município de Fortaleza buscam suspender determinou que a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza fornecessem o medicamento Zavesca (Miglustat) à paciente Clarice Neves, com fundamento na aplicação imediata do direito fundamental social à saúde.

O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, (5) regido pelo princípio do acesso universal e igualitário (6) às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição.

Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica.

Tais teses buscam definir se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial.

O fato é que a judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo.

Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania e para a realização do direito à saúde, por outro as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e além das possibilidades orçamentárias.

Em 5 de março de 2009, convoquei Audiência Pública em razão dos diversos pedidos de suspensão de segurança, de suspensão de tutela antecipada e de suspensão de liminar em trâmite no âmbito desta Presidência, com vistas a suspender a execução de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento das mais variadas prestações de saúde (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses; criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação de servidores de saúde; realização de cirurgias e exames; custeio de tratamento fora do domicílio, inclusive no exterior, entre outros).

Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, entendo ser necessário redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil.

Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas.

Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas.

Esse dado pode ser importante para a construção de um critério ou parâmetro para a decisão em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder Judiciário na esfera dos outros Poderes.

O primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte.

Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento.

Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente.

Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensação.

Não raro, busca-se no Poder Judiciário a condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde não registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Como ficou claro nos depoimentos prestados na Audiência Pública, é vedado à Administração Pública fornecer fármaco que não possua registro na ANVISA.

A Lei Federal nº 6.360/76, ao dispor sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, determina em seu artigo 12 que nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde.

O artigo 16 da referida Lei estabelece os requisitos para a obtenção do registro, entre eles, que o produto seja reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe.

O Art. 18 ainda determina que, em se tratando de medicamento de procedência estrangeira, deverá ser comprovada a existência de registro válido no país de origem.

O registro de medicamento, como lembrado pelo Procurador-Geral da República, é uma garantia à saúde pública.

E, como ressaltou o Diretor-Presidente da ANVISA, a agência, por força da lei de sua criação, também realiza a regulação econômica dos fármacos.

Após verificar a eficácia, segurança e qualidade do produto e conceder o registro, a ANVISA passa a analisar a fixação do preço definido, levando em consideração o benefício clínico e o custo do tratamento.

Havendo produto assemelhado, se o novo medicamento não trouxer benefício adicional, não poderá custar mais caro do que o medicamento já existente com a mesma indicação.

Por tudo isso, o registro na ANVISA mostra-se como condição necessária para atestar a segurança e o benefício do produto, sendo a primeira condição para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação.

Claro que essa não é uma regra absoluta.

Em casos excepcionais, a importação de medicamento não registrado poderá ser autorizada pela ANVISA.

A Lei nº 9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), permite que a Agência dispense de registro medicamentos adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo Ministério da Saúde.

O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS.

Há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão.

Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações distintas: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.

A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da Medicina com base em evidências.

Com isso, adotaram-se os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses.

Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.

Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível.

Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada.

Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente.

Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso.

Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos.

Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial.

Situação diferente é a que envolve a inexistência de tratamento na rede pública.

Nesses casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro.

Os tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia) são realizados por laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas.

A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los.

Como esclarecido pelo Médico Paulo Hoff na Audiência Pública realizada, Diretor Clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, essas drogas não podem ser compradas em nenhum país, porque nunca foram aprovadas ou avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido, não sendo possível obrigar o SUS a custeá-las.

No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clínico, mesmo após seu término.

Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria.

Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente acompanhável pela burocracia administrativa.

Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada.

Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada.

Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas.

No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar.

Portanto, independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde.

No caso dos autos, ressalto os seguintes dados fáticos como imprescindíveis para a análise do pleito: a) a interessada, jovem de 21 anos de idade, é portadora da patologia denominada NIEMANN-PICK TIPO C, doença neurodegenerativa rara, comprovada clinicamente e por exame laboratorial, que causa uma série de distúrbios neuropsiquiátricos, tais como, movimentos involuntários, ataxia da marcha e dos membros, disartria e limitações de progresso escolar e paralisias progressivas (fl. 29); b) os sintomas da doença teriam se manifestado quando a paciente contava com cinco anos de idade, sob a forma de dificuldades com a marcha, movimentos anormais dos membros, mudanças na fala e ocasional disfagia (fl. 29); c) os relatórios médicos emitidos pela Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação relatam que o uso do ZAVESCA (miglustat) poderia possibilitar um aumento de sobrevida e a melhora da qualidade de vida dos portadores de Niemann-Pick Tipo C (fl. 30); d) a família da paciente declarou não possuir condições financeiras para custear o tratamento da doença, orçada em R$ 52.000,00 por mês; e e) segundo o acórdão impugnado, há prova pré-constituída de que o medicamento buscado é considerado pela clínica médica como único capaz de deter o avanço da doença ou de, pelo menos, aumentar as chances de vida da paciente com uma certa qualidade (fl. 108).

A decisão impugnada, ao deferir a antecipação de tutela postulada, aponta a existência de provas quanto ao estado de saúde da paciente e a necessidade do medicamento indicado, nos seguintes termos: (...) No caso concreto, a verossimilhança da alegação é demonstrada pelos documentos médicos que restaram coligidos aos autos.

No de fl. 24, consta que ‘o miglustato (Zavesca) é o único medicamento capaz de deter a progressão da Doença de Niemann-Pick Tipo C, aliviando, assim, os sintomas e sofrimentos neuropsiquiátricos da paciente’.

A afirmação é seguida de indicação das bases nas quais se assentou a conclusão: estudos que remontam ao ano 2000.

Além dele, convém apontar para o parecer exarado pela Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação – Associação das Pioneiras Sociais, sendo essa instituição de referência nacional.

Nessa manifestação (fl. 28) consta: ‘Atualmente o tratamento é, preponderantemente, de suporte, mas já há trabalhos relatando o uso do Zavesca (miglustat), anteriormente usado para outras doenças de depósito, com o objetivo de diminuir a taxa de biossíntese de glicolipídios e, portanto, a diminuição do acúmulo lisossomol destes glicolípidios que estão em quantidades aumentadas pelo defeito do transporte de lipídios dentro das células; o que poderia possibilitar um aumento de sobrevida e/ou melhora da qualidade de vida dos pacientes acometidos pela patologia citada’.

Acrescente-se que o medicamento pretendido tem sido ministrado em casos idênticos. (...) Esse quadro mostra que há prova pré-constituída de que a jovem CLARICE é portadora da doença Niemann-Pick Tipo C; de que a medicação buscada (miglustat) é considerada pela clínica médica como único capaz de deter o avanço da doença ou de, ao menos, aumentar as chances de vida do paciente com uma certa qualidade; de que tem sido ministrado em outros pacientes, também em decorrência de decisões judiciais. (fls. 107-108) O argumento central apontado pela União reside na falta de registro do medicamento Zavesca (miglustat) na Agência Nacional de Vigilância Sanitária e, consequentemente, na proibição de sua comercialização no Brasil.

No caso, à época da interposição da ação pelo Ministério Público Federal, o medicamento ZAVESCA ainda não se encontrava registrado na ANVISA (fl. 31).

No entanto, em consulta ao sítio da ANVISA na internet, verifiquei que o medicamento ZAVESCA (princípio ativo miglustate), produzido pela empresa ACTELION, possui registro (nº 155380002 ) válido até 01/2012.

O medicamento Zavesca, ademais, não consta dos Protocolos e Diretrizes Terapêuticas do SUS, sendo medicamento de alto custo não contemplado pela Política Farmacêutica da rede pública.

Apesar de a União e de o Município de Fortaleza alegarem a ineficácia do uso de Zavesca para o tratamento da doença de Niemann-Pick Tipo C, não comprovaram a impropriedade do fármaco, limitando-se a inferir a inexistência de Protocolo Clínico do SUS.

Por outro lado, os documentos juntados pelo Ministério Público Federal atestam que o medicamento foi prescrito por médico habilitado, sendo recomendado pela Agência Européia de Medicamentos (fl. 166).

Ressalte-se, ainda, que o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo para o seu não fornecimento, visto que a Política de Dispensação de Medicamentos excepcionais visa a contemplar justamente o acesso da população acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponíveis.

A análise da ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e da ilegitimidade passiva da União e do Município refoge ao alcance da suspensão de tutela antecipada, matéria a ser debatida no exame do recurso cabível contra o provimento jurisdicional que ensejou a presente medida.

Inocorrentes os pressupostos contidos no art. 4º da Lei no 8.437/1992, verifico que a suspensão da decisão representa periculum in mora inverso, podendo a falta do medicamento solicitado resultar em graves e irreparáveis danos à saúde e à vida da paciente.

Reforçando esse entendimento, a Procuradoria-Geral da República asseverou: [...] A suspensão dos efeitos da decisão pode, portanto, ocasionar danos graves e irreparáveis à saúde e à vida da paciente, parecendo indubitável, na espécie, o chamado perigo de dano inverso, a demonstrar a elevada plausibilidade da pretensão veiculada na ação originária, minando, em contrapartida, a razoabilidade da suspensão requerida - (fl. 148).

Assim, não é possível vislumbrar grave ofensa à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas a ensejar a adoção da medida excepcional de suspensão de tutela antecipada.

Ante o exposto, indefiro o pedido de suspensão.

Publique-se.

Brasília, 18 de setembro de 2009.

Ministro GILMAR MENDES Presidente

Partes

Reqte.(s): UniÃo

adv.(a/S): Advogado-Geral da UniÃo

reqdo.(a/S): Tribunal Regional Federal da 5ª RegiÃo (ApelaÇÃo CÍvel Nº 408729-Ce - 2006.81.00.003148-1)

intdo.(a/S): MinistÉrio PÚblico Federal

proc.(a/S)(Es): Procurador-Geral da RepÚblica

intdo.(a/S): Clarice Abreu de Castro Neves

intdo.(a/S): MunicÍpio de Fortaleza

proc.(a/S)(Es): Procurador-Geral do MunicÍpio de Fortaleza

intdo.(a/S): Estado do CearÁ

proc.(a/S)(Es): Procurador-Geral do Estado do CearÁ

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