Decisão da Presidência nº 244 de STF. Supremo Tribunal Federal, 18 de Septiembre de 2009

Magistrado ResponsávelMin. Presidente
Data da Resolução18 de Septiembre de 2009
Tipo de RecursoSuspensão de Tutela Antecipada

DECISÃO: Trata-se de pedido de suspensão de tutela antecipada, ajuizado pelo Estado do Paraná, em face da decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, nos autos da ação ordinária 003.064/2007, mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná no julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Liminar nº 454.365-5/01, que determinou o fornecimento do medicamento Naglazyme (Galsulfase) por tempo indeterminado.

Na origem, o menor Wesley de Oliveira Xavier ajuizou ação ordinária, com pedido de tutela antecipada, contra o Estado do Paraná, com o fim de obter o fornecimento do medicamento NAGLAZYME (Galsulfase), na posologia de 3 frascos de 5ml por semana, por tempo indeterminado, necessário para o tratamento da doença Mucopolissacaridose do Tipo VI. (fls. 39-53).

O Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba deferiu a antecipação de tutela postulada, fixando multa diária no valor de R$ 200,00 em caso de descumprimento (fls. 66-68).

O Estado do Paraná requereu a suspensão da liminar ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado (fls. 17-35).

O Presidente do Tribunal deferiu a suspensão da execução de liminar, sob a fundamentação de que o medicamento não consta da Relação de Medicamentos Excepcionais do Ministério da Saúde, não é registrado na ANVISA e, consequentemente, não possui comercialização autorizada no país (fls. 82-86).

O autor da ação originária interpôs Agravo Regimental requerendo a cassação da decisão monocrática que suspendeu a tutela antecipada (fls. 92-137).

O Órgão Especial do Tribunal, por maioria, deu provimento ao Agravo Regimental, cassando a decisão monocrática do Presidente do Tribunal e restabelecendo a tutela antecipada (fls. 248-262).

O Estado do Paraná apresenta novo pedido de suspensão de tutela antecipada a esta Suprema Corte.

Alega, em síntese, que o medicamento não foi registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária e, portanto, não pode ser comercializado no Brasil.

Infere que o Poder Público não pode servir de amparo para experimentos de laboratórios e indústrias farmacêuticas e que cabe ao Poder Executivo elaborar as políticas públicas de saúde, estabelecendo instrumentos e critérios de dispensação de medicamentos à população.

Aduz que o Estado não se nega a tratar o autor, mas que é necessário que o menor se submeta à prévia avaliação do SUS para que seja receitado o tratamento disponível.

Defende que as prestações de saúde devem ser executadas dentro da 'reserva do possível' e que o Estado do Paraná gasta, em razão de decisões judiciais, mais de treze milhões de reais e que só com o autor gastará R$ 18.000,00 dólares por mês, sem que haja a respectiva fonte de custeio.

Sustenta a ocorrência de grave lesão à ordem pública e a possibilidade do 'efeito multiplicador' da decisão.

Decido.

A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão (Leis nos 12.016/2009, 8.437/1992, 9.494/1997 e art. 297 do RI-STF) permite que a Presidência do Supremo Tribunal Federal, a fim de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspenda a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão travada na origem for de índole constitucional.

Assim, é a natureza constitucional da controvérsia que justifica a competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar o pedido de contracautela, conforme a pacificada jurisprudência desta Corte.

No presente caso, reconheço que a controvérsia instaurada na ação em apreço evidencia a existência de matéria constitucional: alegação de ofensa aos arts. , , caput, 167, 196 e 198 da Constituição.

Destaco que a suspensão da execução de ato judicial constitui medida excepcional, a ser deferida, caso a caso, somente quando atendidos os requisitos autorizadores (grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas).

Nesse sentido, confira-se trecho de decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie no julgamento da STA no 138/RN: '[...] os pedidos de contracautela formulados em situações como a que ensejou a antecipação da tutela ora impugnada devem ser analisados, caso a caso, de forma concreta, e não de forma abstrata e genérica, certo, ainda, que as decisões proferidas em pedido de suspensão se restringem ao caso específico analisado, não se estendendo os seus efeitos e as suas razões a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual' ' (STA no 138/RN, Presidente Min.

Ellen Gracie, DJ 19.9.2007).

Ressalte-se, não obstante, que, na análise do pedido de suspensão de decisão judicial, não é vedado ao Presidente do Supremo Tribunal Federal proferir um juízo mínimo de delibação a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal, conforme tem entendido a jurisprudência desta Corte, da qual se destacam os seguintes julgados: SS-AgR no 846/DF, Rel.

Sepúlveda Pertence, DJ 8.11.1996 e SS-AgR no 1.272/RJ, Rel.

Carlos Velloso, DJ 18.5

O art. 4º da Lei no 8.437/1992 c/c art. 1º da Lei 9.494/1997 autoriza o deferimento do pedido de suspensão da execução da tutela antecipada concedida nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

A decisão liminar que o Estado do Paraná busca suspender, ao deferir a antecipação da tutela, determinando que o Estado fornecesse o medicamento Naglazyme (Galsulfase) ao menor Wesley de Oliveira Xavier, fundamentou-se na aplicação imediata do direito fundamental social à saúde, na Lei nº 8.080/90 e na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) 'direito de todos' e (2) 'dever do Estado', (3) garantido mediante 'políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos', (5) regido pelo princípio do 'acesso universal e igualitário' (6) 'às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação'.

A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição.

Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica.

Tais teses buscam definir se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial.

O fato é que a judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo.

Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania e para a realização do direito à saúde, por outro as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e além das possibilidades orçamentárias.

Em 5 de março de 2009, convoquei Audiência Pública em razão dos diversos pedidos de suspensão de segurança, de suspensão de tutela antecipada e de suspensão de liminar em trâmite no âmbito desta Presidência, com vistas a suspender a execução de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento das mais variadas prestações de saúde (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses; criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação de servidores de saúde; realização de cirurgias e exames; custeio de tratamento fora do domicílio, inclusive no exterior, entre outros).

Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, entendo ser necessário redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil.

Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas.

Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas.

Esse dado pode ser importante para a construção de um critério ou parâmetro para a decisão em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder Judiciário na esfera dos outros Poderes.

O primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte.

Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento.

Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente.

Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensação.

Não raro, busca-se no Poder Judiciário a condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde não registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Como ficou claro nos depoimentos prestados na Audiência Pública, é vedado à Administração Pública fornecer fármaco que não possua registro na ANVISA.

A Lei Federal nº 6.360/76, ao dispor sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, determina em seu artigo 12 que 'nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde'.

O artigo 16 da referida Lei estabelece os requisitos para a obtenção do registro, entre eles, que o produto seja reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe.

O Art. 18 ainda determina que, em se tratando de medicamento de procedência estrangeira, deverá ser comprovada a existência de registro válido no país de origem.

O registro de medicamento, como lembrado pelo Procurador-Geral da República, é uma garantia à saúde pública.

E, como ressaltou o Diretor-Presidente da ANVISA, a agência, por força da lei de sua criação, também realiza a regulação econômica dos fármacos.

Após verificar a eficácia, segurança e qualidade do produto e conceder o registro, a ANVISA passa a analisar a fixação do preço definido, levando em consideração o benefício clínico e o custo do tratamento.

Havendo produto assemelhado, se o novo medicamento não trouxer benefício adicional, não poderá custar mais caro do que o medicamento já existente com a mesma indicação.

Por tudo isso, o registro na ANVISA mostra-se como condição necessária para atestar a segurança e o benefício do produto, sendo a primeira condição para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação.

Claro que essa não é uma regra absoluta.

Em casos excepcionais, a importação de medicamento não registrado poderá ser autorizada pela ANVISA.

A Lei nº 9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), permite que a Agência dispense de 'registro' medicamentos adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo Ministério da Saúde.

O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS.

Há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão.

Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações distintas: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.

A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da 'Medicina com base em evidências'.

Com isso, adotaram-se os 'Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas', que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses.

Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.

Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível.

Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada.

Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente.

Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso.

Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos.

Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial.

Situação diferente é a que envolve a inexistência de tratamento na rede pública.

Nesses casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro.

Os tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia) são realizados por laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas.

A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los.

Como esclarecido pelo Médico Paulo Hoff na Audiência Pública realizada, Diretor Clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, essas drogas não podem ser compradas em nenhum país, porque nunca foram aprovadas ou avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido, não sendo possível obrigar o SUS a custeá-las.

No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clínico, mesmo após seu término.

Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria.

Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente acompanhável pela burocracia administrativa.

Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada.

Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada.

Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas.

No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar.

Portanto, independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde.

Dos documentos acostados aos autos, ressalto os seguintes dados fáticos como imprescindíveis para a análise do pleito: a) segundo consta do relatório médico assinado pelo Dr.

Salmo Raskin (CRM/PR 11162), Wesley de Oliveira Xavier, com 7 anos de idade, foi diagnosticado em 2003 como sendo paciente afetado pela Mucopolissacaridose de Tipo VI, apresentando deformidades esqueléticas, hérnias umbilical e inguinal e opacidade da córnea (fl. 57); b) ainda, segundo o relatório médico, houve significativa piora dos sintomas clínicos nos últimos meses, estando com 'déficit de 95% na visão esquerda, respiração extremamente dificultada, hepatoesplenomegalia, acentuada dificuldade motora e apatia' (fl. 57); c) os exames de fls. 58-61 comprovam que o diagnóstico enzimático (dosagem da enzima Arilsulfatase de 10nmoles/h/mg proteína) foi confirmado pela análise molecular do gene ARSB, revelando a presença de duas mutações (D54N e L 72R); d) o médico prescreveu, de acordo com o diagnóstico e o caráter progressivo da doença, a medicação Naglazyme (Galsulfase), 3 frascos de 5ML por semana (EV bomba de infusão), por tempo indeterminado (fl. 62); e) a Secretaria de Estado da Saúde do Paraná informou que, por não constar da Portaria GM/MS 2577/2006, o medicamento não é fornecido pela Farmácia Especial (fl. 63); f) segundo o Parecer Técnico nº 134/07, da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, o medicamento Naglazyme (Galsufase) não está registrado na ANVISA, sua comercialização não está autorizada pela ANVISA e não faz parte dos medicamentos gerenciados pelo CEMEPAR (fl. 73); g) ainda segundo o Parecer Técnico, há indicação na bula do Naglazyme para tratamento de substituição enzimática prolongada em doentes com diagnóstico de Mucopolissacaridose VI (Síndrome de Maroteaux-Lamy), tendo sido designado medicamento órfão para o tratamento da doença em 14 de fevereiro de 2001 (fls. 73 e 76); h) 'Em 24 de Janeiro de 2006, a Comissão Européia concedeu à BioMarin Europe Ltd uma Autorização de Introdução no Mercado para o Naglazyme, válida para toda a União Européia' (fl. 75); i) o custo mensal do tratamento está orçado em US$ 18.000,00 (fl. 9); e j) o Estado do Paraná alega que, hoje, destina R$ 13.000.000,00 (treze milhões de reais) para cumprir decisões judiciais envolvendo fornecimento de medicamentos (fl. 7).

O argumento central apontado pelo Estado do Paraná reside na falta de registro do medicamento Naglazyme (Galsulfase) na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e, consequentemente, a proibição de sua comercialização no Brasil.

No caso, à época da interposição da ação pelo Ministério Público Federal, o medicamento Naglazyme ainda não se encontrava registrado na ANVISA.

A importância da ação regulamentadora, controladora e fiscalizadora da ANVISA para a proteção e promoção da saúde da população, ao garantir a segurança sanitária dos produtos e serviços, fica evidente ao se analisar o Relatório Europeu de Avaliação Pública (EMEA/H/C/640), da Agência Reguladora Européia (EMEA), citado pelo Parecer Técnico da Secretaria de Saúde Estadual, que aprovou a introdução do medicamento na União Européia.

No Relatório Europeu, constam os cuidados necessários para a administração do medicamento e seus possíveis efeitos colaterais: '(...) O Naglazyme é administrado na forma de uma perfusão de 4 horas, uma vez por semana.

O Naglazyme deve ser administrado por um médico com experiência neste tipo de tratamento.

Antes da cada perfusão, os doentes devem receber um anti-histamínico (para reduzir qualquer reação alérgica) e podem ainda receber um antipirético (para prevenir a febre). (...) Os efeitos secundários mais freqüentes (mais de 1 em 10 doentes nos estudos clínicos) são causados pela perfusão e não pelo medicamento.

Estas reações incluíram urticária (uma reação cutânea) da face e do pescoço e problemas respiratórios.

Os efeitos secundários mais freqüentes observados nos estudos clínicos foram dores de cabeça, febre, artralgia (dores nas articulações), vômitos, constipações, dores abdominais (dores de barriga), diarréia, dores de oubidos, tosse e infecções nos ouvidos.

O Naglazyme não deve ser utilizado em pessoas que possam apresentar hipersensibilidade (ser alérgicas) à galsulfase ou a qualquer dos seus componentes. (...) O Naglazyme foi autorizado em `Circunstâncias Excepcionais' porque, como se trata de uma doença rara, não foi possível obter informações completas sobre o medicamento.

A Agência Européia do Medicamento (EMEA) reavaliará anualmente quaisquer novas informações sobre o medicamento e atualizará o presente resumo conforme necessário. (...) A empresa que fabrica o Naglazyme irá efetuar estudos para investigar a utilização de Naglazyme em crianças com idade inferior a 5 anos, para monitorar se os doentes desenvolvem anticorpos (proteínas que são produzidas pelo organismo em resposta ao Naglazyme) que possam afetar a resposta ao tratamento, bem como para determinar a dosagem ótima a administrar numa base regular a longo prazo. (...) A empresa que fabrica o Naglazyme está a implementar um plano para monitorar a segurança e a eficácia do medicamento a longo prazo, recolhendo todos os dados necessários dos doentes tratados com o medicamento.' (http://www.

emea.

eu.

int) Assim, a decisão monocrática proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, ao decidir o pedido de suspensão de liminar nº 454.365, bem analisou a questão: '(...) Ademais, de acordo com o teor do Parecer Técnico nº 13407, subscrito pela Auditora Médica do CEMEPAR (fls. 58/61), o fármaco pretendido, além de não fazer parte dos medicamentos fornecidos pelo Estado do Paraná, não é registrado na ANVISA, e, consequentemente, não possui sua comercialização autorizada pelo referido Órgão do Ministério da Saúde.

Logo, não tem a sua eficácia terapêutica comprovada.

Com efeito, consoante se infere no Parecer referido, embora o medicamento Naglazyme (Galsulfase) esteja indicado para terapêutica de substituição enzimática prolongada em doentes com diagnóstico confirmado de Mucopolissacaridose VI (indicação da bula), observa-se que tal recomendação não esta baseada em estudos científicos aprovados pela ANVISA, Órgão este responsável por tal procedimento no Brasil, tratando-se, portanto, na linguagem médica, de remédio meramente experimental.

Sendo assim, permitir o fornecimento de medicamento, em contrariedade às normas estabelecidas pela comunidade médica científica, através dos Protocolos Clínicos (o remédio solicitado sequer é aprovado pela ANVISA não existindo, portanto, Protocolo específico para a sua distribuição), representa sérios riscos não só à saúde do paciente Wesley, como também à ordem e economia pública (o Estado se vê obrigado a adquirir medicamento que não possui comercialização autorizada no Brasil).

Revela-se no contexto a respeito da não-evidência de risco de morte do paciente, ao cessar o uso do citado remédio.

Seria mister a realização de perícia, não valendo unilateral relatório médico (fl. 42).' (fls.84-85) No entanto, em consulta ao sítio da ANVISA na internet, verifiquei que o medicamento Naglazyme (princípio ativo Galsulfase), produzido pela empresa BIOMARIN Brasil Farmacêutica, possui registro (nº 173330001 ) válido até 02/2014.

O medicamento Naglazyme, ademais, não consta dos Protocolos e Diretrizes Terapêuticas do SUS, sendo medicamento de alto custo não contemplado pela Política Farmacêutica da rede pública.

Apesar de o Estado do Paraná alegar a ineficácia do uso de Naglazyme para o tratamento da doença de Mucopolissacaridose Tipo VI, não comprovou a impropriedade do fármaco, limitando-se a inferir a inexistência de Protocolo Clínico do SUS.

Como relatado pelo Presidente da Associação Brasileira de Mucopolissacaridoses (MPS) na Audiência Pública, a Terapia de Reposição Enzimática, único tratamento específico para a patologia em questão, não é experimental, uma vez que os fármacos Laronidase (prescrito para MPS Tipo I), Indursulfase (prescrito para MPS Tipo II) e Naglasyme (prescrito para MPS Tipo VI) estão registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e na Agência Européia de Medicamentos (EMEA).

Apesar disso, nenhuma das três enzimas são contempladas pela Política de Medicamentos Excepcionais do Sistema Único de Saúde, que não possui tratamento alternativo específico para a doença Mucopolissacaridose.

Ademais, o relatório médico de fl. 156 atesta que 'a terapia de reposição enzimática (NAGLAZYME) constitui o único tratamento eficaz para a doença, e é o único tratamento que pode salvar o paciente de complicações graves'.

Ressalte-se, ainda, que o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo para o seu não fornecimento, visto que a Política de Dispensação de Medicamentos excepcionais visa a contemplar justamente o acesso da população acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponíveis.

Inocorrentes os pressupostos contidos no art. 4º da Lei no 8.437/1992, verifico que a suspensão da decisão representa periculum in mora inverso, podendo a falta do medicamento solicitado resultar em graves e irreparáveis danos à saúde e à vida do paciente.

Assim, não é possível vislumbrar grave ofensa à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas a ensejar a adoção da medida excepcional de suspensão de tutela antecipada.

Ante o exposto, indefiro o pedido de suspensão.

Publique-se.

Brasília, 18 de setembro de 2009.

Ministro GILMAR MENDES Presidente 1

Partes

Reqte.(s): UniÃo

adv.(a/S): Advogado-Geral da UniÃo

reqdo.(a/S): Tribunal Regional Federal da 5ª RegiÃo (ApelaÇÃo CÍvel Nº 408729-Ce - 2006.81.00.003148-1)

intdo.(a/S): MinistÉrio PÚblico Federal

proc.(a/S)(Es): Procurador-Geral da RepÚblica

intdo.(a/S): Clarice Abreu de Castro Neves

intdo.(a/S): MunicÍpio de Fortaleza

proc.(a/S)(Es): Procurador-Geral do MunicÍpio de Fortaleza

intdo.(a/S): Estado do CearÁ

proc.(a/S)(Es): Procurador-Geral do Estado do CearÁ

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