Decisão da Presidência nº 319 de STF. Supremo Tribunal Federal, 28 de Octubre de 2009

Magistrado ResponsávelMin. Presidente
Data da Resolução28 de Octubre de 2009
Tipo de RecursoSuspensão de Liminar

DECISÃO: Trata-se de pedido de suspensão de liminar, ajuizado pelo Estado da Bahia, em face da decisão proferida pelo juízo da Comarca de Camacan, nos autos da ação civil pública n.º 1412896-2/2007, mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no julgamento do Pedido de Suspensão de Liminar n.º 720427/2008, que determinou o fornecimento do medicamento Naglazyme (Galsulfase) para o atendimento de duas crianças.

Na origem, o Ministério Público do Estado da Bahia ajuizou ação civil pública em favor dos menores Lethicia Vitória Gomes da Rocha (13 anos de idade) e Felipe Gabriel Gomes da Rocha (5 anos de idade), portadores de Mucopolissacaridose Tipo VI (MPS VI) – Síndrome de Maroteaux-Lamy, cujo tratamento exige o uso contínuo do medicamento N-acetylgalactosamine 4-sulfatose (rhASB) 1mg/ml, conforme prescrição médica (fl. 14).

Em sede de tutela antecipada contra o Estado da Bahia, pleiteou-se a condenação do Estado da Bahia e do Município de Camacan à compra e ao fornecimento do medicamento NAGLAZYME (Galsulfase), em quantidade suficiente para o atendimento das duas crianças pelo período mínimo de um ano.

Requereu-se, ainda, contra o referido Estado e o Município de Camacan, a providência de atendimento das crianças por equipe multidisciplinar (fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia e nutrição) e o transporte gratuito para o referido atendimento, bem como para o início do tratamento de reposição enzimática, por médico especializado, incluindo os exames médicos necessários anteriores à reposição e monitoramento após sua aplicação.

Ademais, deverá o segundo réu arcar com as despesas referentes às diárias, durante todo o tratamento (fl. 30).

O Juízo da Comarca de Camacan deferiu a antecipação de tutela postulada, fixando multa diária em dez salários-mínimos em caso de descumprimento (fls. 14-23).

O Estado da Bahia requereu a suspensão da liminar ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado (fls. 24-31).

O Presidente do Tribunal indeferiu a suspensão da execução de liminar, com a fundamentação de que o pedido encontra respaldo no ordenamento legal pátrio, bem como de que a ausência do tratamento pode causar significativo avanço da rara enfermidade, com potencialidade letal (fls. 32-34).

Após interposição de agravo regimental pelo Estado da Bahia, o Tribunal de Justiça negou-lhe provimento (fl. 40).

O Estado da Bahia apresenta novo pedido de suspensão de liminar a esta Suprema Corte (fls. 02-06).

Alega, em síntese, a ocorrência de grave lesão à ordem e à economia públicas e a possibilidade do efeito multiplicador da decisão, diante do impacto no orçamento municipal e a ausência de comprovação de eficácia do medicamento.

Decido.

A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão (Leis nos 12.016/2009, 8.437/1992, 9.494/1997 e art. 297 do RI-STF) permite que a Presidência do Supremo Tribunal Federal, a fim de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspenda a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão travada na origem for de índole constitucional.

Assim, é a natureza constitucional da controvérsia que justifica a competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar o pedido de contracautela, conforme a pacificada jurisprudência desta Corte.

No presente caso, reconheço que a controvérsia instaurada na ação em apreço evidencia a existência de matéria constitucional: alegação de ofensa do direito à vida e à saúde infantil, nos termos dos artigos 5º, caput, 6º, caput, 196 e 227 da Constituição.

Destaco que a suspensão da execução de ato judicial constitui medida excepcional, a ser deferida, caso a caso, somente quando atendidos os requisitos autorizadores (grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas).

Nesse sentido, confira-se trecho de decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie no julgamento da STA no 138/RN: [...] os pedidos de contracautela formulados em situações como a que ensejou a antecipação da tutela ora impugnada devem ser analisados, caso a caso, de forma concreta, e não de forma abstrata e genérica, certo, ainda, que as decisões proferidas em pedido de suspensão se restringem ao caso específico analisado, não se estendendo os seus efeitos e as suas razões a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual – (STA no 138/RN, Presidente Min.

Ellen Gracie, DJ 19.9.2007).

Ressalte-se, não obstante, que, na análise do pedido de suspensão de decisão judicial, não é vedado ao Presidente do Supremo Tribunal Federal proferir um juízo mínimo de delibação a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal, conforme tem entendido a jurisprudência desta Corte, da qual se destacam os seguintes julgados: SS-AgR no 846/DF, Rel.

Sepúlveda Pertence, DJ 8.11.1996 e SS-AgR no 1.272/RJ, Rel.

Carlos Velloso, DJ 18.5

O art. 4º da Lei no 8.437/1992 autoriza o deferimento do pedido de suspensão da execução de liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

A decisão que o Estado da Bahia busca suspender, ao deferir o pedido liminar, determinando que o Estado forneça o medicamento Naglazyme (Galsulfase) aos menores impúberes, fundamentou-se na aplicação imediata do direito fundamental social à saúde, na Lei n.º 8.080/90 e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, (5) regido pelo princípio do acesso universal e igualitário (6) às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição.

Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica.

Essas teses buscam definir se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial.

O fato é que a judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo.

Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania e para a realização do direito à saúde, por outro as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão entre os elaboradores e os executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e além das possibilidades orçamentárias.

Em 5 de março de 2009, convoquei Audiência Pública em razão dos diversos pedidos de suspensão de segurança, de suspensão de tutela antecipada e de suspensão de liminar em trâmite no âmbito desta Presidência, com vistas a suspender a execução de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento das mais variadas prestações de saúde (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses; criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação de servidores de saúde; realização de cirurgias e exames; custeio de tratamento fora do domicílio, inclusive no exterior, entre outros).

Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, entendo ser necessário redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil.

Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas.

Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas.

Esse dado pode ser importante para a construção de um critério ou parâmetro para a decisão em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder Judiciário na esfera dos outros Poderes.

O primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte.

Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento.

Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente.

Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensação.

Não raro, busca-se no Poder Judiciário a condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde não registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Como ficou claro nos depoimentos prestados na Audiência Pública, é vedado à Administração Pública fornecer fármaco que não possua registro na ANVISA.

A Lei Federal n.º 6.360/76, ao dispor sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, determina em seu artigo 12 que nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde.

O artigo 16 da referida Lei estabelece os requisitos para a obtenção do registro, entre eles, o de que o produto seja reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe.

O Art. 18 ainda determina que, em se tratando de medicamento de procedência estrangeira, deverá ser comprovada a existência de registro válido no país de origem.

O registro de medicamento, como lembrado pelo Procurador-Geral da República, é uma garantia à saúde pública.

E, como ressaltou o Diretor-Presidente da ANVISA, a agência, por força da lei de sua criação, também realiza a regulação econômica dos fármacos.

Após verificar a eficácia, a segurança e a qualidade do produto e conceder o registro, a ANVISA passa a analisar a fixação do preço definido, levando em consideração o benefício clínico e o custo do tratamento.

Havendo produto assemelhado, se o novo medicamento não trouxer benefício adicional, não poderá custar mais caro do que o medicamento já existente com a mesma indicação.

Por tudo isso, o registro na ANVISA mostra-se como condição necessária para atestar a segurança e o benefício do produto, sendo a primeira condição para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação.

Claro que essa não é uma regra absoluta.

Em casos excepcionais, a importação de medicamento não registrado poderá ser autorizada pela ANVISA.

A Lei n.º 9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), permite que a Agência dispense de registro medicamentos adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo Ministério da Saúde.

O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS.

Há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão.

Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações distintas: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.

A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da Medicina com base em evidências.

Com isso, adotaram-se os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses.

Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.

Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível.

Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada.

Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente.

Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso.

Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos.

Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial.

Situação diferente é a que envolve a inexistência de tratamento na rede pública.

Nesses casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro.

Os tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia) são realizados por laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas.

A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los.

Como esclarecido pelo Médico Paulo Hoff na Audiência Pública realizada, Diretor Clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, essas drogas não podem ser compradas em nenhum país, porque nunca foram aprovadas ou avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido, não sendo possível obrigar o SUS a custeá-las.

No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clínico, mesmo após seu término.

Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria.

Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente acompanhável pela burocracia administrativa.

Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada.

Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada.

Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas.

No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar.

Portanto, independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde.

Dos documentos acostados aos autos, ressalto os seguintes dados fáticos como imprescindíveis para a análise do pleito: a) é incontroverso nos autos que os menores Lethicia Vitória Gomes da Rocha (13 anos de idade) e Felipe Gabriel Gomes da Rocha (5 anos de idade) são portadores de Mucopolissacaridose Tipo VI (MPS VI) – Síndrome de Maroteaux-Lamy, cujo tratamento exige o uso contínuo do medicamento N-acetylgalactosamine 4-sulfatose (rhASB) 1mg/ml, conforme prescrição médica (fl. 9); b) conforme consta nas razões da ação civil pública, de acordo com o receituário médico, cada criança precisará de 04 (quatro) frascos de 5ml por mês, perfazendo um total de 212 (duzentos e doze) frasco/ano cada, a serem administradas por meio de 53 (cinqüenta e três) infusões/ano (fl. 9); c) segundo o Ministério Público, os genitores dos menores prestaram declarações na Promotoria de Justiça noticiando que a Secretaria Estadual de Saúde não fornece os medicamentos destinados ao tratamento da enfermidade, por serem remédios importados e de alto custo, não existindo sequer em estoque, por não constar da lista de remédios especiais fornecidos gratuitamente pelo Estado da Bahia (Decreto 3.083/2000), o que impossibilita qualquer tentativa administrativa de recebimento desses medicamentos (fl. 10); d) segundo o Estado da Bahia, o medicamento Naglazyme (Galsufase) não está registrado na ANVISA, sua comercialização não está autorizada pela ANVISA e não integra a lista de medicamentos especiais oferecidos pelo Estado (fl. 26); e) ainda segundo o Estado da Bahia, há indicação na bula do Naglazyme para tratamento de substituição enzimática prolongada em doentes com diagnóstico de Mucopolissacaridose VI (Síndrome de Maroteaux-Lamy), tendo sido designado medicamento órfão para o tratamento da doença (fls. 25-26); f) Em 24 de Janeiro de 2006, a Comissão Européia concedeu à BioMarin Europe Ltda.

uma Autorização de Introdução no Mercado para o Naglazyme, válida para toda a União Européia (fl. 26); g) o custo mensal do tratamento está orçado em cerca de R$ 699.600,00 (seiscentos e noventa e nove mil e seiscentos reais) (fl. 26); e h) o Estado da Bahia alega que, somente no primeiro semestre de 2008, gastou R$ 1.765.789,01 (hum milhão, setecentos e sessenta e cinco mil, setecentos e oitenta e nove reais e um centavo) para cumprir decisões judiciais envolvendo fornecimento do medicamento em questão (fl. 26).

O argumento central apontado pelo Estado da Bahia reside na falta de registro do medicamento Naglazyme (Galsulfase) na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e na consequente proibição de sua comercialização no Brasil.

No caso, à época da interposição da ação pelo Ministério Público Estadual, o medicamento Naglazyme ainda não se encontrava registrado na ANVISA.

A importância da ação regulamentadora, controladora e fiscalizadora da ANVISA para a proteção e promoção da saúde da população, ao garantir a segurança sanitária dos produtos e serviços, fica evidente a partir da análise do Relatório Europeu de Avaliação Pública (EMEA/H/C/640), da Agência Reguladora Européia (EMEA), citado pelo Parecer Técnico da Secretaria de Saúde Estadual, que aprovou a introdução do medicamento na União Européia.

No Relatório Europeu, constam os cuidados necessários para a administração do medicamento e seus possíveis efeitos colaterais: (...) O Naglazyme é administrado na forma de uma perfusão de 4 horas, uma vez por semana.

O Naglazyme deve ser administrado por um médico com experiência neste tipo de tratamento.

Antes da cada perfusão, os doentes devem receber um anti-histamínico (para reduzir qualquer reação alérgica) e podem ainda receber um antipirético (para prevenir a febre). (...) Os efeitos secundários mais freqüentes (mais de 1 em 10 doentes nos estudos clínicos) são causados pela perfusão e não pelo medicamento.

Estas reações incluíram urticária (uma reação cutânea) da face e do pescoço e problemas respiratórios.

Os efeitos secundários mais freqüentes observados nos estudos clínicos foram dores de cabeça, febre, artralgia (dores nas articulações), vômitos, constipações, dores abdominais (dores de barriga), diarréia, dores de oubidos, tosse e infecções nos ouvidos.

O Naglazyme não deve ser utilizado em pessoas que possam apresentar hipersensibilidade (ser alérgicas) à galsulfase ou a qualquer dos seus componentes. (...) O Naglazyme foi autorizado em ‘Circunstâncias Excepcionais’ porque, como se trata de uma doença rara, não foi possível obter informações completas sobre o medicamento.

A Agência Européia do Medicamento (EMEA) reavaliará anualmente quaisquer novas informações sobre o medicamento e atualizará o presente resumo conforme necessário. (...) A empresa que fabrica o Naglazyme irá efetuar estudos para investigar a utilização de Naglazyme em crianças com idade inferior a 5 anos, para monitorar se os doentes desenvolvem anticorpos (proteínas que são produzidas pelo organismo em resposta ao Naglazyme) que possam afetar a resposta ao tratamento, bem como para determinar a dosagem ótima a administrar numa base regular a longo prazo. (...) A empresa que fabrica o Naglazyme está a implementar um plano para monitorar a segurança e a eficácia do medicamento a longo prazo, recolhendo todos os dados necessários dos doentes tratados com o medicamento. (http://www.

emea.

eu.

int) No entanto, em consulta ao sítio da ANVISA , verifiquei que o medicamento Naglazyme (princípio ativo Galsulfase), produzido pela empresa BIOMARIN Brasil Farmacêutica, possui registro (n.º 173330001) válido até 02/2014.

O medicamento Naglazyme, ademais, não consta dos Protocolos e Diretrizes Terapêuticas do SUS, sendo medicamento de alto custo não contemplado pela Política Farmacêutica da rede pública.

Apesar de o Estado da Bahia alegar a ausência de certeza quanto à eficácia do uso de Naglazyme para o tratamento da doença de Mucopolissacaridose Tipo VI, não comprovou a impropriedade do fármaco.

Como relatado pelo Presidente da Associação Brasileira de Mucopolissacaridoses (MPS) na Audiência Pública, a Terapia de Reposição Enzimática, único tratamento específico para a patologia em questão, não é experimental, uma vez que os fármacos Laronidase (prescrito para MPS Tipo I), Indursulfase (prescrito para MPS Tipo II) e Naglasyme (prescrito para MPS Tipo VI) estão registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e na Agência Européia de Medicamentos (EMEA).

Apesar disso, nenhuma das três enzimas são contempladas pela Política de Medicamentos Excepcionais do Sistema Único de Saúde, que não possui tratamento alternativo específico para a doença Mucopolissacaridose.

Ressalte-se, ainda, que o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo para o seu não fornecimento, visto que a Política de Dispensação de Medicamentos excepcionais visa a contemplar justamente o acesso da população acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponíveis.

Inocorrentes os pressupostos contidos no art. 4º da Lei no 8.437/1992, verifico que a suspensão da decisão representa periculum in mora inverso, podendo a falta do medicamento solicitado resultar em graves e irreparáveis danos à saúde e à vida dos pacientes (STA 244-0/PR, de minha relatoria, DJE de 24.09.2009).

Assim, não é possível vislumbrar grave ofensa à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas a ensejar a adoção da medida excepcional de suspensão de liminar.

Ante o exposto, indefiro o pedido de suspensão.

Publique-se.

Brasília, 28 de outubro de 2009.

Ministro GILMAR MENDES Presidente 1 1

Partes

Adv.(a/s) : Ana Laura Moreno

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral do Estado de SÃo Paulo

impte.(S) : Maria CecÍlia Bicudo VerÍssimo de Mello

reqte.(S) : Estado de SÃo Paulo

reqdo.(a/S) : Tribunal de JustiÇa do Estado de SÃo Paulo

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