Acordão nº 0013085-71.2010.5.04.0000 (DC) de Tribunal Regional do Trabalho - 4ª Região (Rio Grande do Sul), 11 de Abril de 2011

Data11 Abril 2011
Número do processo0013085-71.2010.5.04.0000 (DC)
ÓrgãoTribunal Regional do Trabalho - 4ª Região (Porto Alegre - RS) (Brasil)

VISTOS e relatados estes autos de DISSÍDIO COLETIVO, sendo suscitante SINDICATO DOS TRABALHADORES NO COMÉRCIO HOTELEIRO, RESTAURANTES, BARES E SIMILARES, REFEIÇÕES COLETIVAS, AGÊNCIAS DE TURISMO, CONDOMÍNIOS, TURISMO E HOSPITALIDADE DE SANTA MARIA - RS - SECOHTUR e suscitado FEDERAÇÃO NACIONAL DE HOTÉIS, RESTAURANTES, BARES E SIMILARES.

O Sindicato dos Trabalhadores no Comércio Hoteleiro, Restaurantes, Bares e Similares Refeições Coletivas, Agências de Turismo, Condomínios, Turismo e Hospitalidade de Santa Maria - RS - SECOHTUR ajuíza ação de revisão de dissídio coletivo contra o Federação Nacional de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, postulando dentre outras vantagens constantes da representação (fls. 02/35): reajuste salarial, salário normativo, adicional noturno, e adicional para caixa ou operador de caixa.

O suscitante junta, posteriormente, os documentos constantes do protesto judicial (fls. 42/140).

Mediante despacho (fl. 143), foi designada audiência, e determinado que o suscitante junte aos autos, até a data da audiência, a declaração do número de associados.

Na audiência (fls. 146/147), o suscitante informa que o número total de associados é de 947, e o suscitado apresenta contestação (fls. 149/160) e junta documentos (fls. 161/163).

O suscitado, posteriormente, junta procuração (fl. 167).

Na petição das fls. 173/174 o suscitante manifestasse sobre a defesa e documentos, e junta os documentos das fls. 175/179.

No despacho da fl. 181 foi dado vista ao suscitado dos documentos juntados pelo suscitante, e, e determinada a intimação das partes para falarem sobre a possibilidade de conciliação.

O suscitado manifesta-se à fl. 183, e junta os documentos das fls. 184/195.

Encerrada a instrução, foi determinada a distribuição do feito na forma regimental (fl. 197).

Distribuídos os autos a este Relator, foi determinada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho (fl. 201).

Na manifestação das fls. 203/205 o Ministério Público do Trabalho propugna a abertura de prazo para que o suscitado corrobore a proposta de acordo constante na petição da fl. 183, e para que seja dada vista da manifestação e documentos das fls. 184/195 ao suscitante.

No despacho da fl. 207 foi determinada a intimação do suscitante para tomar ciência da petição da fl. 183 e documentos juntados às fls. 184/195, bem como para manifestar-se sobre a proposta de acordo apresentada pelo suscitado na petição referida.

O suscitante manifesta-se na petição da fl. 210 requerendo o prosseguimento do feito, diante da impossibilidade de acordo.

São, então, remetidos os autos ao Ministério Público do Trabalho, que emite parecer (fls. 216/222).

É o relatório.

ISTO POSTO:

PRELIMINARMENTE.

INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA E LEGITIMIDADE ATIVA.

Afirma o suscitado, em sua defesa, que a instauração de dissídio coletivo, sem o comum acordo de todos os possíveis interessados, fere a regra constitucional, estabelecida na nova redação do § 2º, do art. 114 da CF. Pretende, por decorrência, a extinção do feito sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC.

O Ministério Público do Trabalho, em seu parecer, opina pela declaração incidental da inconstitucionalidade da expressão “de comum acordo”, acrescentada pela Emenda Constitucional nº 45/2004 ao § 2º, do art. 114 da CF, com a conseqüente rejeição da prefacial. Entende que a exigência da concordância da parte adversa para o ajuizamento do dissídio coletivo seria a negação do direito de ação, ferindo assim, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, esculpido no art. 5º, inciso XXXV da CF.

Rejeita-se a prefacial.

Dispõe o § 2º do art. 114 da Constituição Federal, com redação que lhe deu o art. 1º da Emenda Constitucional nº 45:

Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

A inclusão da expressão “de comum acordo”, na nova redação do parágrafo acima transcrito, tem ensejado o ajuizamento de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, as quais ainda pendem de decisão.

Diante da argüição do Ministério Público do Trabalho, necessário adentrar no exame da constitucionalidade da expressão referida, ainda que de forma incidental.

Refira-se, no entanto, que a conclusão sobre a constitucionalidade da expressão “de comum acordo”, passa necessariamente pela correta interpretação da nova redação do § 2º do art. 114 da CF.

Na árdua tarefa de interpretar a norma jurídica, não basta ao intérprete simplesmente determinar a intenção do legislador. O excessivo apego à interpretação lógica e gramatical levou juristas, no século XIX, a concluir que o intérprete cumpria o seu dever primordial de aplicador da lei, de conformidade com a intenção do legislador”, chegando ao extremo de afirmar: “se o intérprete substituir a intenção do legislador pela sua, o Judiciário estará invadindo a esfera de competência do Legislativo...” (Lições Preliminares de Direito, Miguel Reale, Editora Saraiva, 11ª edição, p. 276).

Carlos Maximiliano, em sua clássica obra “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, ensina:

A lei não brota do cérebro do seu elaborador, completa, perfeita, como um ato de vontade independente, espontâneo. Em primeiro lugar, a própria vontade humana é condicionada, determinada; livre na aparência apenas. O indivíduo inclina-se, num ou noutro sentido, de acordo com o seu temperamento, produto do meio, da hereditariedade e da educação. Crê exprimir o que pensa; mas esse próprio pensamento é socializado, é condicionado pelas relações sociais e exprime uma comunidade de propósitos.

(...)

A ação do legislador é real, eficiente, porém não clara, definida, expressiva. Há o impulso inicial e necessário de um. Segue-se, entretanto, a colaboração milímoda, variadíssima, de muitos, sensível, verificável, no conjunto, porém inapreciável, às vezes até imperceptível, relativamente às minúcias.

Quantos fatores atuam até surgir o conceito definitivo! Em uma das forjas da lei, no parlamento, composto, em regra, de duas câmaras, fundem-se opiniões múltiplas, o conjunto resulta de frações de idéias, amalgamadas; cada representante do povo aceita por um motivo pessoal a inclusão de palavra ou frase, visando a um objetivo particular a que a mesma se presta; há o acordo aparente, resultado de profundas contradições. Bastas vezes a redação final resulta imprecisa, ambígua, revelando-se o produto da inelutável necessidade de transigir com exigências pequeninas a fim de conseguir a passagem da idéia principal.

Se descerem a exumar o pensamento do legislador, perder-se-ão em um báratro de dúvidas maiores ainda e mais inextricáveis do que as resultantes do contexto. Os motivos, que induziram alguém a propor a lei, podem não ser os mesmos que levaram outros a aceitá-la.

(...)

Em resumo: sob qualquer dos seus aspectos, a interpretação é antes sociológica do que individual. Vai caindo em vertiginoso descrédito a doutrina oposta, que se empenha em descobrir e revelar a vontade, a intenção, o pensamento do legislador. Despreza os postulados da Psicologia moderna, reduz em demasia, o campo da Hermenêutica, assenta antes em ficções do que em verdades demonstráveis, força a pesquisas quase sempre inúteis e, em regra, não atinge a certeza colimada. (Editora Forense, 9ª edição, 3ª tiragem, págs. 19, 23 e 31).

Assim, não basta examinar as notas taquigráficas do debate que envolveu a inclusão da expressão “de comum acordo”, no § 2º do art. 114 da CF, para se chegar à correta interpretação da norma, como alguns intérpretes mais apressados tem feito. Conclui-se, portanto, que ainda que alguns dos legisladores que participaram da referida votação, acirrados defensores da eliminação do poder normativo da Justiça do Trabalho, tenham feito referência a isto quando proferiram seus votos, não se pode dar a expressão em discussão a interpretação que gostariam.

Destaque-se, que a interpretação dada à expressão “de comum acordo”, pelo próprio Congresso Nacional, nas informações prestadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.431, onde é requerente a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino - CONTEE (vide site do Senado Federal), diverge daquela conferida por alguns dos deputados que votaram o destaque, como se lê da seguinte transcrição:

Parece-nos que todo o imbróglio jurídico sobre o novo art. 114, §2º, da Constituição - que até agora já gerou 04 (quatro) ações diretas de inconstitucionalidade - deriva, “data venia”, de um equívoco na interpretação que vem sendo conferida pelas entidades obreiras ao texto impugnado.

Ora, não seria plausível e nem razoável ao legislador constitucional simplesmente desconstituir o acesso à jurisdição ou minar a chance de os sindicatos, à vista de controvérsia com os empregadores, obterem a emanação de sentenças normativas da Justiça do Trabalho. Por isso não se crê que tenha sido essa a intenção da reforma.

A solução adviria da compreensão do que significa a expressão “comum acordo” - constante da norma -, em contraponto com a expressão “consentimento”, propugnada pela Requerente.

Entendemos que a inserção dessa necessidade de “comum acordo” no art. 114, §2º, da Constituição, objetivou meramente impedir a propositura precipitada de dissídios coletivos e reforçar o estímulo à negociação no âmbito das relações de trabalho. A redução numérica de lides judiciais, vale lembrar, foi a principal Meca da reforma do Poder Judiciário.

Quando o art. 114, §2º, fala em “comum acordo” para ajuizamento do dissídio coletivo, quis significar aquela situação em que ambas as partes enxergam a interferência judicial como a única forma restante de resolver o conflito.

Passou a ser exigido, portanto, que se configure aquele momento de...

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