Acórdão nº REsp 1027051 / SC de T2 - SEGUNDA TURMA

Número do processoREsp 1027051 / SC
Data07 Abril 2011
ÓrgãoSegunda Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.027.051 - SC (2008⁄0019441-1)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
R.P⁄ACÓRDÃO : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
PROCURADORES : D.F.M.E.O. CLAUDIOX.S.F.
RECORRIDO : F.S.A.C.I. E AGRICULTURA
ADVOGADO : SILVIO LUIZ DE COSTA E OUTRO(S)

EMENTA

TRIBUTÁRIO E AMBIENTAL. ITR. ISENÇÃO. RESERVA LEGAL. AVERBAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTRAFISCAL DA RENÚNCIA DE RECEITA.

  1. A controvérsia sob análise versa sobre a (im)prescindibilidade da averbação da reserva legal para fins de gozo da isenção fiscal prevista no art. 10, inc. II, alínea "a", da Lei n. 9.393⁄96.

  2. O único bônus individual resultante da imposição da reserva legal ao contribuinte é a isenção no ITR. Ao mesmo tempo, a averbação da reserva funciona como garantia do meio ambiente.

  3. Desta forma, a imposição da averbação para fins de concessão do benefício fiscal deve funcionar a favor do meio ambiente, ou seja, como mecanismo de incentivo à averbação e, via transversa, impedimento à degradação ambiental. Em outras palavras: condicionando a isenção à averbação atingir-se-ia o escopo fundamental dos arts. 16, § 2º, do Código Florestal e 10, inc. II, alínea "a", da Lei n. 9.393⁄96.

  4. Esta linha de argumentação é corroborada pelo que determina o art. 111 do Código Tributário Nacional - CTN (interpretação restritiva da outorga de isenção), em especial pelo fato de que o ITR, como imposto sujeito a lançamento por homologação, e em razão da parca arrecadação que proporciona (como se sabe, os valores referentes a todo o ITR arrecadado é substancialmente menor ao que o Município de São Paulo arrecada, por exemplo, a título de IPTU), vê a efetividade da fiscalização no combate da fraude tributária reduzida.

  5. Apenas a determinação prévia da averbação (e não da prévia comprovação, friso e repito) seria útil aos fins da lei tributária e da lei ambiental. Caso contrário, a União e os Municípios não terão condições de bem auditar a declaração dos contribuintes e, indiretamente, de promover a preservação ambiental.

  6. A redação do § 7º do art. 10 da Lei n. 9.393⁄96 é inservível para afastar tais premissas, porque, tal como ocorre com qualquer outro tributo sujeito a lançamento por homologação, o contribuinte jamais junta a prova da sua glosa - no imposto de renda, por exemplo, junto com a declaração anual de ajuste, o contribuinte que alega ter tido despesas médicas, na entrega da declaração, não precisa juntar comprovante de despesa. Existe uma diferença entre a existência do fato jurígeno e sua prova.

  7. A prova da averbação da reserva legal é dispensada no momento da declaração tributária, mas não a existência da averbação em si.

  8. Mais um argumento de reforço neste sentido: suponha-se uma situação em que o contribuinte declare a existência de uma reserva legal que, em verdade, não existe (hipótese de área tributável declarada a menor); na suspeita de fraude, o Fisco decide levar a cabo uma fiscalização, o que, a seu turno, dá origem a um lançamento de ofício (art. 14 da Lei n. 9.393⁄96). Qual será, neste caso, o objeto de exame por parte da Administração tributária? Obviamente será o registro do imóvel, de modo que, não havendo a averbação da reserva legal à época do período-base, o tributo será lançado sobre toda a área do imóvel (admitindo inexistirem outros descontos legais). Pergunta-se: a mudança da modalidade de lançamento é suficiente para alterar os requisitos da isenção? Lógico que não. E se não é assim, em qualquer caso, será preciso a preexistência da averbação da reserva no registro.

  9. É de afastar, ainda, argumento no sentido de que a averbação é ato meramente declaratório, e não constitutivo, da reserva legal. Sem dúvida, é assim: a existência da reserva legal não depende da averbação para os fins do Código Florestal e da legislação ambiental. Mas isto nada tem a ver com o sistema tributário nacional. Para fins tributários, a averbação deve ser condicionante da isenção, tendo eficácia constitutiva.

  10. A questão ora se enfrenta é bem diferente daquela relacionada à necessidade de ato declaratório do Ibama relacionado à área de preservação permanente, pois, a toda evidência, impossível condicionar um benefício fiscal nestes termos à expedição de um ato de entidade estatal.

  11. No entanto, o Código Florestal, em matéria de reserva ambiental, comete a averbação ao próprio contribuinte proprietário ou possuidor, e isto com o objetivo de viabilizar todo o rol de obrigações propter rem previstas no art. 44 daquele diploma normativo.

  12. Recurso especial provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:,

    "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Castro Meira, acompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, que lavrará o acórdão. Vencido o Sr. Ministro Humberto Martins."

    Votaram com o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques os Srs. Ministros Herman Benjamin e Castro Meira.

    Não participou do julgamento o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha, nos termos do Art. 162, § 2º, do RISTJ.

    Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Humberto Martins.

    Brasília (DF), 07 de abril de 2011.

    MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.027.051 - SC (2008⁄0019441-1)

    RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
    RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
    PROCURADORES : D.F.M.E.O. CLAUDIOX.S.F.
    RECORRIDO : F.S.A.C.I. E AGRICULTURA
    ADVOGADO : SILVIO LUIZ DE COSTA E OUTRO(S)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):

    Cuida-se de recurso especial interposto pela FAZENDA NACIONAL, com fundamento no art. 105, III, "a" da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, ao julgar demanda relativa à isenção de ITR, deu provimento ao recurso de apelação do recorrido.

    A ementa do julgado guarda o seguinte teor (fl. 181):

    "EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ITR. ISENÇÃO DE 20%. ÁREA DE RESERVA LEGAL. AVERBAÇÃO.

    A falta de averbação da área de reserva legal na matrícula do imóvel não é, por si só, fato impeditivo ao aproveitamento da isenção de tal área na apuração do valor do ITR, ante a proteção legal estabelecida pelo art. 16 da Lei 4.771⁄65."

    Aduz, no mérito, que o acórdão regional contrariou as disposições contidas no art. 16, § 2º, da Lei n. 4.771⁄65, na alínea "a", do inciso II, do art. 10, da Lei n. 9.393⁄66, e nos arts. 111 e 179 do CTN.

    Sustenta, em resumo, ser "necessária a averbação à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóvel competente" como condição ao direito de isenção. (fls. 183⁄187).

    Apresentadas as contrarrazões às fls. 190⁄202, sobreveio o juízo de admissibilidade positivo da instância de origem (fls. 237⁄238).

    É, no essencial, o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.027.051 - SC (2008⁄0019441-1)

    EMENTA

    PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ITR. BASE DE CÁLCULO. EXCLUSÃO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E RESERVA LEGAL. ISENÇÃO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. LEI N. 9.393⁄96.

  13. A Lei n. 9.393⁄96, que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, preceitua que a área de reserva legal deve ser excluída do cômputo da área tributável do imóvel para fins de apuração do ITR devido (art. 10, § 1º, II, a).

  14. Por sua vez, a Lei n. 11.428⁄2006 reafirma o benefício e reitera a exclusão da área de reserva legal de incidência da exação (art. 10, II, "a" e IV, "b").

  15. A relação jurídica tributária pauta-se pelo princípio da legalidade estrita, razão pela qual impõe-se ao julgador ater-se aos critérios estabelecidos em lei, não lhe sendo permitido qualquer interpretação extensiva para determinar a incidência ou afastamento de lei tributária isentiva.

    Recurso especial improvido.

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):

    Cinge-se a controvérsia acerca da exigência ou não da averbação na matrícula do imóvel de área de reserva legal como condição para concessão de isenção de ITR.

    Sem razões a Fazenda Pública.

    O art. 10, § 1º, II, alínea "a", e o § 7º da Lei n. 9.393⁄96, assim dispõem:

    "Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior.

    § 1º - Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á:

    II - área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas:

    1. de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, com a redação dada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989;

    § 7° A declaração para fim de isenção do ITR relativa às áreas de que tratam as alíneas 'a' e 'd' do inciso II, § 1o, deste artigo, não está sujeita à prévia comprovação por parte do declarante, ficando o mesmo responsável pelo pagamento do imposto correspondente, com juros e multa previstos nesta Lei, caso fique comprovado que a sua declaração não é verdadeira, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis."

    Como se percebe da leitura do citado artigo, a área de reserva legal é isenta de ITR, e como este é um imposto sujeito a lançamento por homologação o contribuinte deverá declarar a área isenta sem a necessidade de comprovação, sujeito a sanções caso comprovado posteriormente a falsidade das declarações.

    Dessa forma, a isenção não pode ser condicionada a uma exigência não prevista em lei, porquanto a lei tributária isentiva deve ser interpretada literalmente, de modo que a sua incidência ou seu afastamento não comporta interpretação extensiva (art. 111, inciso II, do CTN).

    Ressalte-se que no caso dos autos há, inclusive, lei tributária especial - Lei n. 11.428⁄2006 - reafirmando o mencionado benefício e reiterando a exclusão da área de reserva legal de incidência da exação (art...

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