Acordão nº 0112500-76.2009.5.04.0383 (RO) de Tribunal Regional do Trabalho - 4ª Região (Rio Grande do Sul), 2 de Junio de 2011

Data02 Junho 2011
Número do processo0112500-76.2009.5.04.0383 (RO)
ÓrgãoTribunal Regional do Trabalho - 4ª Região (Porto Alegre - RS) (Brasil)

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 3ª Vara do Trabalho de Taquara, sendo recorrentes CALÇADOS AZALÉIA S.A. E SOLANGE RAMOS e recorridos OS MESMOS.

Inconformada com a sentença de parcial procedência do feito de fls.526/530 verso, interpõem as partes recurso ordinário.

Nas razões de fls. 534/550, a reclamada pugna pela reforma da decisão nos seguintes tópicos: diferenças de participação nos lucros e resultados, diferenças salariais, adicional de transferência, indenização por dano moral, autorização de descontos, adicional de insalubridade, FGTS e a condenação de honorários periciais.

A autora recorre adesivamente às fls. 573/584 pretendendo o pagamento de diferenças salariais por acúmulo de função, o intervalo previsto pelo artigo 384 da CLT, integralização na participação dos lucros, horas extras pela contagem minuto a minuto, descontos, horas in itinere, férias, adicional de insalubridade e multa do artigo 477 da CLT.

Ofertadas contrarrazões pela reclamante às fls. 560/572 e pela reclamada às fls. 593/599.

É o relatório.

ISTO POSTO:

PRELIMINARMENTE.

NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO DA AUTORA. AUSÊNCIA DE ATAQUE AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. ARGUIÇÃO PELA RÉ EM CONTRARRAZÕES.

Sustenta a reclamada que não merece ser conhecido o recurso da parte autora por ausência de ataque aos fundamentos da sentença, nos termos do artigo 514 do CPC. Alega que a autora se insurge contra a decisão de primeiro grau, sem, contudo, enfrentar os fundamentos desta. Defende que a recorrente cabia fundamentar a sua insurgência de forma específica, em relação a cada item da decisão recorrida, explicitando as razões pelas quais deseja a modificação desta.

Com razão em parte.

Da análise das razões recursais apresentadas pela autora, verifica-se que, embora sucintamente, os fundamentos da sentença foram contrapostos, com exceção dos itens “Integralização da Participação Nos Lucros” e “Intervalo Previsto no Artigo 384 da CLT”. No primeiro tópico a sentença negou o pedido sob o fundamento de que “a própria Carta Política desvinculou a participação nos lucros dos salários, atribuindo-lhe, por conseguinte, natureza indenizatória (art. 7º, inciso XI)”, restringindo-se a autora, no apelo, a postular a reforma da decisão de origem sem apresentar qualquer argumento que contraponha a sentença, colacionando apenas decisão jurisprudencial. E no segundo, a decisão indeferiu o pedido, pois entende que o artigo 384 da CLT não foi recepcionado pela CLT, aduzindo a recorrente, no recurso, que “Merece reforma tal decisão visto que, ao contrário do entendimento do respeitável Juízo, o descumprimento do dispositivo legal citado não gera somente infração administrativa, mas também o direito à percepção de horas extras pelo intervalo não concedido”. Nos referidos casos, o recurso interposto não ataca os fundamentos expostos pelo Juízo de origem na decisão.

A fundamentação do recurso constitui inarredável pressuposto de sua admissibilidade, da mesma forma que, analogicamente, a fundamentação da sentença é condição a sua validade, nos moldes do art. 93, IX, da CF. Não pode ser conhecida a pretensão encerrada nas razões do recurso que sequer é fundamentada. O princípio do duplo grau de jurisdição tem por escopo a revisão da decisão atacada (exclusivamente naquilo que for objeto de inconformidade da parte recorrente - nos termos do art. 515 do CPC), e não, propriamente, a reapreciação da matéria julgada. Nessa esteira a súmula 422 do TST, aqui aplicada analogicamente, verbis:

RECURSO. APELO QUE NÃO ATACA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. NÃO CONHECIMENTO. ART. 514, II, do CPC. Não se conhece de recurso para o TST, pela ausência do requisito de admissibilidade inscrito no art. 514, II, do CPC, quando as razões do recorrente não impugnam os fundamentos da decisão recorrida, nos termos em que fora proposta”.

O recurso, assim, que não fundamenta a contrariedade com o decidido, não pode ter trânsito, por lhe faltar pressuposto de regularidade formal que impossibilita a fixação do universo recursal.

Nestes termos, acolho em parte a irresignação arguida pela reclamada em contrarrazões e deixo de conhecer o recurso ordinário interposto pela autora nos itens “Integralização da Participação Nos Lucros” e “Intervalo Previsto no Artigo 384 da CLTpor ausência de ataque aos fundamentos da sentença de origem.

MÉRITO.

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. MATÉRIAS CONEXAS. ANÁLISE CONJUNTA.

DESCONTOS INDEVIDOS

Não se conforma a reclamada com a sentença que determinou a devolução dos descontos efetuados a título de mensalidade, associação Azaléia, refeitório, adicional noturno indevido, horas não trabalhadas, material escolar, empréstimo consignado Santander, adiantamento comp. Desconto, adiantamentos diversos, plano de saúde em 13º salário e empréstimo de R$ 2.019,06, sob o fundamento de que não foram expressamente autorizados pela autora. No recurso, defende que a adesão a associação Azaléia é livre e pode ser manifestada no momento da admissão ou depois, assim como o seu desligamento. Argumenta que a condição de associado representa inúmeros benefícios, fruídos pela autora. Alega que os descontos com material escolar estão autorizados pelos comprovantes de fls. 92/115, 463/465 e 503/513 e que os efetuados sob a rubrica de refeitório, adicional noturno indevido, horas não trabalhadas, adiantamento comp. Desconto, adiantamentos diversos têm sua origem comprovada nos fatos geradores que lhe motivaram.

Por sua vez, a autora alega que os descontos efetuados a título de transporte e adiantamento salarial deveriam ter sua origem demonstrada mês a mês e a não comprovação nestes termos torna os descontos ilegais.

Ao exame.

Acerca dos descontos efetuados pelo empregador na remuneração do obreiro, reza o artigo 462, caput da CLT que:

Art. 462 . Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivo de lei ou de contrato coletivo”.

Em complemento preconiza o entendimento da Súmula 342 do Tribunal Superior do Trabalho, infratranscrito:

“Descontos salariais efetuados pelo empregador, com a autorização prévia e por escrito do empregado, para ser integrado em planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada, ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativa associativa dos seus trabalhadores, em seu benefício e dos seus dependentes, não afrontam o disposto pelo art. 462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de outro defeito que vicie o ato jurídico." (grifou-se)

As normas coletivas acostadas aos autos às fls. 357/399 e 402/433, condicionam a realização do desconto à autorização expressa do empregado, conforme se verifica, por exemplo, da redação da cláusula 29 da Convenção Coletiva 2007/2008 (fl. 418), in verbis:

29. DESCONTOS NO PAGAMENTO

As empresas ficam autorizadas a promoverem descontos em folha de pagamento de seus empregados, até o limite máximo de 70% (setenta por cento) do valor de seu salário, quando expressamente autorizadas e quando se referirem a associações, clubes, cooperativas, seguros, convênios com farmácias, clínicas, hospitais, plano de saúde, funerárias, supermercados, lojas, compras no próprio estabelecimento, inclusive ferramentas e utensílios de trabalho não devolvidos, transporte, alimentação, assinatura de periódicos, taxas de água, luz e telefone, impostos, aluguel, prestação da casa própria, compras intermediadas pelo SESI e eventos comunitários e empréstimos bancários autorizados por lei.

Os descontos somente poderão ser efetivados mediante expressa autorização do empregado interessado, valendo o registro no recibo de pagamento de salário como comprovante e quitação”.

Neste prisma, o desconto para ser válido está condicionado à expressa autorização do empregado. Veja-se que os descontos efetuados sob as rubricas “refeitório”, “adicional noturno indevido”, “horas não trabalhadas”, “material escolar”, “empréstimo consignado Santander”, “adiantamento comp. Desconto”, “adiantamentos diversos”, “plano de saúde em 13º salário”, “empréstimo de R$ 2.019,06”, efetivamente, não foram autorizados pela autora.

Todavia, no caso sub judice, verifica-se que não constam dos recibos salariais diversos descontos contemplados na sentença de origem, exceto os descontos denominados "refeitório”, "mensalidade associação Azaléia", "descontos diversos", os quais não contam com prévia autorização.

Contudo, a autora não nega que se tenha utilizado do refeitório, que, na verdade, trata-se de alimentação subsidiada pelo empregador, assim como se vê nos recibos que há outros tantos descontos por "empréstimos", inclusive consignado junto ao Banco do Brasil, que revelam ser prática usual da autora.

No que tange a mensalidade da Associação Azaléia, o contrato de trabalho de fls. 73/74 espelha que a autorização para o desconto de tal verba encontra-se inserida como cláusula contratual, tendo a autora anuído com os descontos no momento da sua admissão. Assim, reforma-se parcialmente a sentença para excluir da condenação a restituição dos descontos realizados a título de “mensalidade Associação Azaléia”.

No que diz respeito ao recurso da autora, não procedem os respectivos argumentos, no sentido de que, para a licitude do desconto, é necessária autorização da empregada, mês a mês. Sabe-se que a autorização para a realização de determinado desconto é necessária para justificá-lo, sendo prescindível que tal autorização se renove mensalmente. De qualquer modo, na trilha da sentença, os descontos efetuados a título de transportes e adiantamento salarial encontram amparo legal.

Assim, em conformidade com os fundamentos ora declinados, nego provimento ao apelo da autora e dou parcial provimento ao recurso ordinário da ré para excluir da condenação a restituição dos descontos realizados a título de...

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