Acórdão nº HC 159159 / SP de T6 - SEXTA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131)
EmissorT6 - SEXTA TURMA
Tipo de RecursoHabeas Corpus

HABEAS CORPUS Nº 159.159 - SP (2010⁄0004039-3)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : C.S.V. E OUTRO
ADVOGADO : PIERPAOLO BOTTINI E OUTRO(S)
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO
PACIENTE : P F G B
PACIENTE : D B
PACIENTE : F D G

EMENTA

HABEAS CORPUS. “OPERAÇÃO CASTELO DE AREIA”. DENÚNCIA ANÔNIMA NÃO SUBMETIDA À INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR. DESCONEXÃO DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA MEDIDA CAUTELAR. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS. OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO FORMAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MOTIVOS IDÔNEOS. BUSCA GENÉRICA DE DADOS.

As garantias do processo penal albergadas na Constituição Federal não toleram o vício da ilegalidade mesmo que produzido em fase embrionária da persecução penal.

A denúncia anônima, como bem definida pelo pensamento desta Corte, pode originar procedimentos de apuração de crime, desde que empreendida investigações preliminares e respeitados os limites impostos pelos direitos fundamentais do cidadão, o que leva a considerar imprópria a realização de medidas coercitivas absolutamente genéricas e invasivas à intimidade tendo por fundamento somente este elemento de indicação da prática delituosa.

A exigência de fundamentação das decisões judiciais, contida no art. 93, IX, da CR, não se compadece com justificação transversa, utilizada apenas como forma de tangenciar a verdade real e confundir a defesa dos investigados, mesmo que, ao depois, supunha-se estar imbuída dos melhores sentimentos de proteção social.

Verificada a incongruência de motivação do ato judicial de deferimento de medida cautelar, in casu, de quebra de sigilo de dados, afigura-se inoportuno o juízo de proporcionalidade nele previsto como garantia de prevalência da segurança social frente ao primado da proteção do direito individual.

Ordem concedida em parte, para anular o recebimento da denúncia da Ação Penal n.º 2009.61.81.006881-7.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Celso Limongi, acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora, concedendo parcialmente a ordem de habeas corpus e o voto do Sr. Ministro Haroldo Rodrigues no mesmo sentido, a Turma, por maioria, concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, vencido o Sr. Ministro Og Fernandes, que conhecia parcialmente do pedido de habeas corpus e, nessa extensão, denegava a ordem, expedindo habeas corpus de ofício." Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ⁄SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ⁄CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Brasília, 05 de abril de 2011(Data do Julgamento)

Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Relatora

HABEAS CORPUS Nº 159.159 - SP (2010⁄0004039-3)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : C.S.V. E OUTRO
ADVOGADO : PIERPAOLO BOTTINI E OUTRO(S)
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO
PACIENTE : P F G B
PACIENTE : D B
PACIENTE : F D G

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

Cuida-se do julgamento conjunto de dois procedimentos heroicos. O primeiro habeas corpus, com pedido liminar, o HC de n.º 137.349⁄SP, foi impetrado em 27⁄5⁄2009 pelos advogados Alberto Zacharias Toron, Carla Vanessa T. H. de Domenico e Claudia Maria Bernasconi, em favor de KURT PAUL PICKEL, tendo como autoridade coatora Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Relatora do HC nº 2009.03.00.014446-1.

Narra a impetração que, após um ano e dois meses de investigação sigilosa, fundada na quebra de sigilo de dados, interceptação telefônica e telemática, escuta ambiental e monitoramento de pessoas, iniciada com base em denúncia anônima, o paciente foi preso preventivamente, na denominada operação da Polícia Federal denominada Operação Castelo de Areia.

Informa que, na mesma decisão que decretou a custódia cautelar do paciente, o Juízo de primeiro grau determinou “o cumprimento de mandado de busca e apreensão em sua residência, onde foram recolhidos todos os seus pertences indiscriminadamente, bem como decretado o bloqueio de suas contas correntes, a quebra do sigilo bancário e fiscal e o sequestro do apartamento em que reside” (fl. 9).

Nos autos do HC nº 2009.03.00009974-1, o Tribunal a quo revogou a prisão preventiva decretada em desfavor do paciente. No entanto, a investigação continua e persistem os efeitos das demais medidas decretadas.

Foi impetrado, pela defesa, prévio writ, “em razão das ilegalidades que maculam a investigação e tornam nulos todos os atos e provas lá colhidos” (fl. 10), cujo pleito liminar foi indeferido, em decisão assim fundamentada (fls. 93⁄95):

A concessão de liminar em habeas corpus é medida de caráter excepcional, possível somente quando restar evidenciado, de plano, o alegado constrangimento ilegal, ou seja, quando presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris.

Diante disso, ainda que com ressalvas, nosso ordenamento jurídico admite a denúncia anônima, desde que encerre em seu bojo informações que se revistam de credibilidade e contenham informações que se revistam de credibilidade e contenham informações suficientes à deflagração de procedimento de investigação.

Verifico, dentro desse contexto, que a decisão que deferiu a quebra do sigilo telefônico, na verdade, cingiu-se aos dados telefônicos, o que não se confunde com a inviolabilidade das comunicações havidas por telefone. Destaco que a decisão é expressa no sentido de determinar que as empresas operadoras de telefonia forneçam senhas para possibilitar aos agentes federais o acesso aos seus bancos de dados e à obtenção dos dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários.

Oportuno salientar, ainda, que os elementos que embasaram o início das interceptações telefônicas não estão restritos à denúncia anônima, como querem fazer crer os impetrantes.

Com efeito, colho dos autos que, além da denúncia anônima, o procedimento de interceptação telefônica também está lastreado em indícios obtidos a partir de investigações preliminares levadas a efeito pelo Departamento de Polícia Federal.

Ademais, consoante informado pelo magistrado impetrado, os elementos indiciários foram igualmente obtidos por meio do compartilhamento de informações constantes na “Operação Downtown”, em trâmite perante o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo-SP.

Doutra parte, entendo não haver qualquer nulidade por não ter sido feita a degravação integral das conversas telefônicas interceptadas, pois a transcrição total das conversas, em muitos casos, acabaria por inviabilizar a investigação, podendo, inclusive, prejudicar a sua celeridade, conforme entendimento proclamado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal:

(...)

No que tange às prorrogações, as decisões estão suficientemente motivadas, sendo certo que o Colendo STF, em decisão recente, já decidiu pela sua possibilidade (Inquérito nº 2424⁄RJ) desde que devidamente fundamentadas e necessárias, conforme consta no Informativo nº 529 (período de 17 a 21 de novembro de 2008).

Por fim, as traduções dos diálogos feitos em idioma estrangeiro pelos policiais federais, a princípio, não se revestem de nulidade, considerando que os mesmo conhecem o idioma e estão capacitados para tal, mormente por se trata de feito em que o sigilo deve ser resguardado.

Com esteio no expendido, dentro do exame prévio, não verifico qualquer mácula no processo que determine de plano o sobrestamento do feito originário, razão pela qual a liminar pleiteada fica indeferida.

Daí o presente mandamus, no qual os impetrantes afirmam que toda a investigação, que culminou com a denominada Operação Castelo de Areia, teve início exclusivamente em notitia criminis anônima “dando conta de que uma pessoa de nome Kurt Pickel estaria se dedicando à atividade de compra e venda de dólares no mercado paralelo, sem qualquer respaldo legal para tanto. Tratar-se-ia de verdadeiro 'doleiro', atuando no mercado negro de moedas estrangeiras e, como tal, envolvido na prática de delitos contra o sistema financeiro nacional e, provavelmente, de lavagem de dinheiro” (fl. 11).

Com base em tal informação, a autoridade policial, para iniciar a investigação, “solicitou ao magistrado o fornecimento de senhas a policiais federais para que possam acessar os bancos de dados das empresas telefônicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários, o que foi deferido” (fl. 12).

Aduzem que a autoridade policial, após consultas a bancos de dados e acesso de dados pessoais do paciente e de terceiros desconhecidos, e “sem apresentar qualquer elemento informativo idôneo colhido por meio de investigação realizada pela Polícia Federal, requereu a interceptação telefônica dos telefones do paciente afirmando genericamente que 'através de investigações preliminares foi obtida a informação de que Kurt prestaria seus serviços ilegais à construtoras de grande porte, como, por exemplo, a construtora Camargo Correa'” (fl. 12).

Esclarecem que o Ministério Público Federal e o magistrado a quo entenderam que tal pedido seria genérico, determinando fosse este esclarecido. Em nova manifestação da autoridade policial, afirmou que se tratava de pedido propositadamente genérico, sem lançar qualquer esclarecimento. A despeito disto, o pleito foi deferido.

Asseveram que a decisão que determinou o fornecimento de senhas a policiais federais, permitindo que estes realizassem a quebra do sigilo de dados de pessoas não identificadas, é carente de fundamentação, “vazia, infundada, genérica e sem conexão com a realidade” (fl. 26), não apontando elementos concretos que demonstrassem a necessidade da medida.

Defendem que tudo o que seguiu à denúncia anônima – o resultado das interceptações telefônicas, telemáticas, escutas ambientais e monitoramento de dados de pessoas – são dela...

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