Acórdão nº HC 190334 / SP de T5 - QUINTA TURMA

Número do processoHC 190334 / SP
Data10 Maio 2011
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 190.334 - SP (2010⁄0209758-8)

RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
IMPETRANTE : E.A.L.F. E OUTROS
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : J.A.B.D.C.

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. HC. CARTEL E QUADRILHA. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO APÓS DELAÇÕES ANÔNIMAS, SEM PRÉVIA CONFIRMAÇÃO PELA AUTORIDADE COMPETENTE. SUBMISSÃO DE TODOS OS AGENTES ESTATAIS ÀS NORMAS E PRINCÍPIOS REITORES DO SISTEMA REPRESSIVO. PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES: CORTE ESPECIAL E PRESIDÊNCIA DO STJ E STF. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, TODAVIA, PARA O FIM DE DECLARAR A ILICITUDE DA PROVA ORIUNDA DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DEFERIDA COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA E DAQUELAS DIRETAMENTE DERIVADAS, SEM PREJUÍZO DA CONTINUIDADE DA AÇÃO PENAL SE EXISTENTES OUTRAS PROVAS.

  1. O sistema jurídico do País, composto de múltiplos princípios e inúmeras regras, exegeticamente harmonizados na Jurisprudência dos Tribunais e interpretados nas lições da Doutrina Jurídica, não admite que se instaure a persecução penal, na sua fase inquisitorial ou na sua fase processual, a partir de delações anônimas, ex vi do art. 5o., IV da Carta Magna. Precedentes das Cortes Superiores: Corte Especial⁄STJ: AgReg na Sind 100-TO, Rel. Min. NILSON NAVES, DJU 30.03.09; QO na Sind 81-SP, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJU 28.08.06; Presidência⁄STJ: HC 159.159-DF, Rel. Min. CESAR ROCHA, DJU 20.05.10; STF: INQ 1.957, Rel. Min. CÉZAR PELUSO, DJU 11.11.05 e HC 84.827⁄TO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe 22.11.07.

  2. Todos os agentes estatais estão submetidos aos limites que a ordem jurídica lhes impõe, não havendo situação que possa isentar qualquer deles de tal subordinação; os valores acolhidos superiormente no Texto Constitucional não podem ser excepcionados, nem pela atividade normativa do Congresso, nem pela atuação do Poder Judiciário, dada a sua função estruturante do ordenamento, a lhe conferir estabilidade e eficácia, bem como em razão da supremacia dos dispositivos insertos na Lex Legum.

  3. A regra insculpida na Constituição é de que a correspondência, as comunicações telegráficas, de dados e telefônicas são protegidas pelo sigilo (art. 5o., XII da CF). A violação do sigilo telefônico é admitida pela norma constitucional, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, desde que a decisão que a determine seja fundamentada (art. 5o. da Lei 9.296⁄96) e, mais ainda, que tenham sido esgotados ou que inexistam outros meios de obtenção de prova, conforme se depreende da Lei 9.296⁄96 que regulamentou a matéria, que, no inciso II do art. 2o, afirma, categoricamente que não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando a prova puder ser feita por outros meios.

  4. É indispensável, assim, nos termos da norma constitucional e da norma legal que a regulamentou, a identificação clara e precisa dos indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal, e a demonstração de que somente por meio dessa medida extrema se poderá apurar o ilícito penal sob investigação; dessa forma, a sistemática do nosso ordenamento jurídico constitucional não permite a movimentação de aparato investigatório oficial, seja ele qual for, sem um mínimo de prova, não sendo mesmo razoável que aqueles indícios de autoria possam ser recolhidos a partir somente de uma denúncia apoiada no anonimato do denunciante, sem o apoio de outros elementos probatórios mais densos, robustos e, principalmente, confiáveis.

  5. No caso concreto, muito embora se tente emprestar ares de legalidade à medida de quebra de sigilo telefônico, ao argumento de que ela não derivou exclusivamente da denúncia anônima feita à Secretaria de Direito Econômico, mas também restou embasada nos procedimentos administrativos em curso perante esse órgão contra as empresas fabricantes e comercializadoras de gás industrial, o fato é que o Inquérito Policial e o pedido de interceptação telefônica somente foram formalizados após o recebimento das referidas denúncias apócrifas (feitas em 19 e 22.12.2003), que gerou imediata solicitação por parte da SEDE da providência de quebra do sigilo telefônico (22.12.2003), pedido este acatado incontinenti pelo Ministério Público na mesma data, sem a realização de qualquer outro ato investigativo ou de prospecção para a aferição da sua idoneidade, condutas essas abonadas pelo Juízo que, imediatamente, deferiu a medida requerida, já no dia seguinte, ou seja, em 23.12.2003.

  6. Ordem concedida, para o fim de declarar a ilicitude da prova oriunda da interceptação telefônica deferida com base em denúncia anônima e daquelas derivadas diretamente, sem prejuízo da continuidade da Ação Penal se existentes outras provas.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Jorge Mussi e A.V.M. (Desembargador convocado do TJ⁄RJ) votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz.

    Brasília⁄DF, 10 de maio de 2011 (Data do Julgamento).

    NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

    MINISTRO RELATOR

    HABEAS CORPUS Nº 190.334 - SP (2010⁄0209758-8)

    RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
    IMPETRANTE : E.A.L.F. E OUTROS
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
    PACIENTE : J.A.B.D.C.

    RELATÓRIO

  7. Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de J.A.B.D.C., denunciado, perante o MM. Juízo da 15a. Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, pela suposta prática dos crimes de formação de quadrilha (art. 288 do CPB) e formação de cartel (art. 4o., inciso II, alíneas a, b e c da Lei 8.137⁄90).

  8. Aponta o impetrante como autoridade coatora o TRF da 3a. Região, que denegou a ordem em writ anteriormente impetrado, pelos fundamentos assim ementado:

    PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA (ART. 288 DO CP) E FORMAÇÃO DE CARTEL (ART. 4º, II, "A", "B" e "C" DA LEI 8.137⁄90. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS: LICITUDE DA PROVA: ART. 5º, XII, DA CF E LEI 9.269⁄96: DETERMINAÇÃO COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA: POSSIBILIDADE: INÍCIO DE PROVA CORROBORADO POR INVESTIGAÇÃO PRÉVIA DA SECRETARIA ESTADUAL DE DIREITO ECONÔMICO (SEDE). INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 2º DA LEI 9.269⁄96: DECISÃO FUNDAMENTADA: NECESSIDADE IMPERIOSA DE INVESTIGAÇÕES. IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA. IMPOSSIBILIDADE DE APROFUNDAMENTO DA INVESTIGAÇÃO POR OUTRO MEIO. NULIDADE INEXISTENTE. MEDIDA DEFERIDA POR JUIZ ESTADUAL COMPETENTE À ÉPOCA: POSTERIOR DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL: VALIDADE DA PROVA. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE NAS DECISÕES DE PRORROGAÇÕES DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS: NÃO CONHECIMENTO: DEFICIÊNCIA DA INSTRUÇÃO. FALTA DE JUNTADA DA DECISÃO IMPUGNADA. EXAME APROFUNDADO DE PROVAS: INADMISSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.

  9. Até o advento da Lei 9.296⁄96, prevaleceu a tese de nulidade das interceptações telefônicas por se constituírem em prova ilícita, sendo também nulas as provas dela decorrentes. Atualmente, considera-se válida essa prova. Fundamento: Art. 5º, inciso XII, da CF e Lei 9.296⁄96. Precedentes.

  10. Ainda que com ressalvas, admite-se a determinação de interceptações telefônicas com base em denúncia anônima, desde que contenha informações que se revistam de credibilidade e suficientes para que a autoridade diligencie a procedência das afirmações feitas, em conjunto com outros elementos colhidos durante a investigação preliminar por ela motivada.

  11. Caso em que o pedido de interceptação telefônica não foi baseado apenas em denúncia anônima, mas com fundamento em elementos colhidos em investigação prévia efetuada pela Secretaria de Direito Econômico (SEDE), informando ter recebido denúncia anônima noticiando a formação de poderoso cartel por diversas empresas que dividem o mercado de gases industriais. A nota técnica que sugeriu a medida e foi enviada ao Promotor de Justiça de São Paulo explicitou a dificuldade no combate aos cartéis e na obtenção de provas da infração à ordem econômica, bem como a necessidade e urgência da medida.

  12. A decisão do Juiz estadual que deferiu o pedido de interceptação telefônica dos envolvidos está fundamentada na convergência de indícios da prática de crimes e na necessidade imperiosa da investigação, assegurando o sigilo das investigações: Inexistência de violação ao artigo 2º, inciso III da Lei 9.296⁄96.

  13. Decisão do Juiz Federal que ratificou a adoção da medida fundamentada em documento do Departamento de Proteção e Defesa Econômica que encaminhou a relação de diversos procedimentos administrativos existentes em face das sociedades fornecedoras de gás industrial, dentre elas a empresa representada pelo paciente, onde se apuram denúncias de existência de cartéis, bem como na imprescindibilidade da medida diante da dificuldade de comprovação dos fatos. Legalidade da decisão.

  14. À época do requerimento da interceptação telefônica, não era possível determinar qual...

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