Acórdão nº REsp 769753 / SC de T2 - SEGUNDA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistro HERMAN BENJAMIN (1132)
EmissorT2 - SEGUNDA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Especial

RECURSO ESPECIAL Nº 769.753 - SC (2005⁄0112169-7)

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : UNIÃO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRENTE : M.A.M.
ADVOGADO : CÍCERO HARTMANN E OUTRO(S)
RECORRIDO : OS MESMOS
INTERES. : MUNICÍPIO DE PORTO BELO SC

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. ZONA COSTEIRA. LEI 7.661⁄1988. CONSTRUÇÃO DE HOTEL EM ÁREA DE PROMONTÓRIO. NULIDADE DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA URBANÍSTICO-AMBIENTAL. OBRA POTENCIALMENTE CAUSADORA DE SIGNIFICATIVA DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL – EPIA E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL – RIMA. COMPETÊNCIA PARA O LICENCIAMENTO URBANÍSTICO-AMBIENTAL. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR (ART. 4°, VII, PRIMEIRA PARTE, DA LEI 6.938⁄1981). RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938⁄1981). PRINCÍPIO DA MELHORIA DA QUALIDADE AMBIENTAL (ART. 2°, CAPUT, DA LEI 6.938⁄1981).

  1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta pela União com a finalidade de responsabilizar o Município de Porto Belo-SC e o particular ocupante de terreno de marinha e promontório, por construção irregular de hotel de três pavimentos com aproximadamente 32 apartamentos.

  2. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, deu provimento às Apelações da União e do Ministério Público Federal para julgar procedente a demanda, acolhendo os Embargos Infringentes, tão-só para eximir o proprietário dos custos com a demolição do estabelecimento.

  3. Incontroverso que o hotel, na Praia da Encantada, foi levantado em terreno de marinha e promontório, este último um acidente geográfico definido como "cabo formado por rochas ou penhascos altos" (Houaiss). Afirma a união que a edificação se encontra, após aterro ilegal da área, "rigorosamente dentro do mar", o que, à época da construção, inclusive interrompia a livre circulação e passagem de pessoas ao longo da praia.

  4. Nos exatos termos do acórdão da apelação (grifo no original): "O empreendimento em questão está localizado, segundo consta do próprio laudo pericial às fls. 381-386, em área chamada promontório. Esta área é considerada de preservação permanente, pela legislação do Estado de Santa Catarina por meio da Lei n° 5.793⁄80 e do Decreto n° 14.250⁄81, bem como pela legislação municipal (Lei Municipal n° 426⁄84)".

  5. Se o Tribunal de origem baseou-se em informações de fato e na prova técnica dos autos (fotografias e laudo pericial) para decidir a) pela caracterização da obra ou atividade em questão como potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente – de modo a exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (Epia) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) – e b) pela natureza non aedificandi da área em que se encontra o hotel (fazendo-o também com fulcro em norma municipal, art. 9°, item 7, da Lei 426⁄1984, que a classifica como "Zona de Preservação Permanente", e em legislação estadual, Lei 5.793⁄1980 e Decreto 14.250⁄1981), interditado está ao Superior Tribunal de Justiça rever tais conclusões, por óbice das Súmulas 7⁄STJ e 280⁄STF.

  6. É inválida, ex tunc, por nulidade absoluta decorrente de vício congênito, a autorização ou licença urbanístico-ambiental que ignore ou descumpra as exigências estabelecidas por lei e atos normativos federais, estaduais e municipais, não produzindo os efeitos que lhe são ordinariamente próprios (quod nullum est, nullum producit effectum), nem admitindo confirmação ou convalidação.

  7. A Lei 7.661⁄1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, previu, entre as medidas de conservação e proteção dos bens de que cuida, a elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental – Epia acompanhado de seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental – Rima.

  8. Mister não confundir prescrições técnicas e condicionantes que integram a licença urbanístico-ambiental (= o posterius) com o próprio Epia⁄Rima (= o prius), porquanto este deve, necessariamente, anteceder aquela, sendo proibido, diante da imprescindibilidade de motivação jurídico-científica de sua dispensa, afastá-lo de forma implícita, tácita ou simplista, vedação que se justifica tanto para assegurar a plena informação dos interessados, inclusive da comunidade, como para facilitar o controle administrativo e judicial da decisão em si mesma.

  9. Indubitável que seria, no plano administrativo, um despropósito prescrever que a União licencie todo e qualquer empreendimento ou atividade na Zona Costeira nacional. Incontestável também que ao órgão ambiental estadual e municipal falta competência para, de maneira solitária e egoísta, exercer uma prerrogativa – universal e absoluta – de licenciamento ambiental no litoral, negando relevância, na fixação do seu poder de polícia licenciador, à dominialidade e peculiaridades do sítio (como áreas representativas e ameaçadas dos ecossistemas da Zona Costeira, existência de espécies migratórias em risco de extinção, terrenos de marinha, manguezais), da obra e da extensão dos impactos em questão, transformando em um nada fático-jurídico eventual interesse concreto manifestado pelo Ibama e outros órgãos federais envolvidos (Secretaria do Patrimônio da União, p. ex.).

  10. O Decreto Federal 5.300⁄2004, que regulamenta a Lei 7.661⁄1988, adota como "princípios fundamentais da gestão da Zona Costeira" a "cooperação entre as esferas de governo" (por meio de convênios e consórcios entre União, Estados e Municípios, cada vez mais comuns e indispensáveis no campo do licenciamento ambiental), bem como a "precaução" (art. 5°, incisos XI e X, respectivamente). Essa postura precautória, todavia, acaba esvaziada, sem dúvida, quando, na apreciação judicial posterior, nada mais que o fato consumado da degradação ambiental é tudo o que sobra para examinar, justamente por carência de diálogo e colaboração entre os órgãos ambientais e pela visão monopolista-exclusivista, territorialista mesmo, da competência de licenciamento.

  11. Pacífica a jurisprudência do STJ de que, nos termos do art. 14, § 1°, da Lei 6.938⁄1981, o degradador, em decorrência do princípio do poluidor-pagador, previsto no art. 4°, VII (primeira parte), do mesmo estatuto, é obrigado, independentemente da existência de culpa, a reparar – por óbvio que às suas expensas – todos os danos que cause ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade, sendo prescindível perquirir acerca do elemento subjetivo, o que, conseqüentemente, torna irrelevante eventual boa ou má-fé para fins de acertamento da natureza, conteúdo e extensão dos deveres de restauração do status quo ante ecológico e de indenização.

  12. Ante o princípio da melhoria da qualidade ambiental, adotado no Direito brasileiro (art. 2°, caput, da Lei 6.938⁄81), inconcebível a proposição de que, se um imóvel, rural ou urbano, encontra-se em região já ecologicamente deteriorada ou comprometida por ação ou omissão de terceiros, dispensável ficaria sua preservação e conservação futuras (e, com maior ênfase, eventual restauração ou recuperação). Tal tese equivaleria, indiretamente, a criar um absurdo cânone de isonomia aplicável a pretenso direito de poluir e degradar: se outros, impunemente, contaminaram, destruíram, ou desmataram o meio ambiente protegido, que a prerrogativa valha para todos e a todos beneficie.

  13. Não se pode deixar de registrar, em obiter dictum, que causa no mínimo perplexidade o fato de que, segundo consta do aresto recorrido, o Secretário de Planejamento Municipal e Urbanismo, C.A.B.L., a quem coube assinar o Alvará de construção, é o próprio engenheiro responsável pela obra do hotel.

  14. Recurso Especial de M.A.M. não provido. Recursos Especiais da União e do Ministério Público Federal providos.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso do particular e deu provimento aos recursos da União e Ministério Público Federal, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília, 08 de setembro de 2009(data do julgamento).

    MINISTRO HERMAN BENJAMIN

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 769.753 - SC (2005⁄0112169-7)

    RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
    RECORRENTE : UNIÃO
    RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
    RECORRENTE : M.A.M.
    ADVOGADO : CÍCERO HARTMANN E OUTRO(S)
    RECORRIDO : OS MESMOS
    INTERES. : MUNICÍPIO DE PORTO BELO SC

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recursos Especiais interpostos, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da República, contra acórdão, proferido por maioria, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado:

    ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELA UNIÃO. CONSTRUÇÃO DE HOTEL. MUNICÍPIO DE PORTO BELO. ZONA DE PROMONTÓRIO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NON AEDIFICANDI. LICENÇA NULA. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO. DESFAZIMENTO DA OBRA.

  15. O empreendimento está localizado em área de promontório, considerada de preservação permanente pela legislação estadual (Lei nº 5.793⁄80 e Decreto nº 14.250⁄81) e pela legislação municipal (Lei Municipal nº 426⁄84), e, por conseqüência, área non aedificandi, razão pela qual a licença concedida pela FATMA é nula, visto que não respeitou critério fundamental, a localização do empreendimento.

  16. A FATMA não possuía competência para autorizar construção situada em terreno de marinha, Zona Costeira, esta considerada como patrimônio nacional pela Carta Magna, visto tratar-se de bem da União, configurando interesse nacional, ultrapassando a competência do órgão estadual.

  17. Ante ao princípio da prevenção, torna-se imperiosa a adoção de alguma espécie de avaliação prévia ambiental.

  18. Os interesses econômicos de uma determinada região devem estar alinhados ao respeito à natureza e aos ecossistemas...

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