Acórdão nº RHC 24193 / SC de T6 - SEXTA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131)
EmissorT6 - SEXTA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Ordinario Em Habeas Corpus

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 24.193 - SC (2008⁄0165735-0)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
RECORRENTE : ADILSON MARIANO
ADVOGADO : CYNTHIA MARIA PINTO DA LUZ
RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE OUTRO MEIO DE TRANSPORTE. VEREADOR. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. FALTA DE JUSTA CAUSA. AFERIÇÃO. MATÉRIA IMPRÓPRIA À VIA ELEITA. IMUNIDADE MATERIAL. NÃO INCIDÊNCIA. ATOS ESTRANHOS À ATIVIDADE PARLAMENTAR. LIDERANÇA, INCITAÇÃO E PARTICIPAÇÃO EM MANIFESTAÇÕES POPULARES EM VIA PÚBLICA. IMPEDIMENTO DO FUNCIONAMENTO DO TRANSPORTE PÚBLICO.

  1. Aferir se o ora recorrente com sua conduta contribuiu para a realização do tipo penal demanda revolvimento fático-probatório não condizente com o âmbito angusto do habeas corpus, notadamente se, como na espécie, já há condenação, confirmada em grau de apelação. Seria transformar o writ em indevido sucedâneo recursal.

  2. A imunidade material dos parlamentares, bem assim dos vereadores, não se aplica a atos de liderança, incitação e participação em manifestações públicas, causadoras de impedimento ou dificuldade no funcionamento de transporte público, conforme a sentença condenatória, mas somente a opiniões, palavras e votos no exercício do mandato ou a ele relacionado, dentro ou fora da casa legislativa, no raio territorial do município.

  3. Recurso ordinário não provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Og Fernandes e V.D.G. (Desembargador convocado do TJ⁄RS) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ⁄CE).

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Brasília, 31 de maio de 2011(Data do Julgamento)

    Ministra Maria Thereza de Assis Moura

    Relatora

    RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 24.193 - SC (2008⁄0165735-0)

    RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
    RECORRENTE : ADILSON MARIANO
    ADVOGADO : CYNTHIA MARIA PINTO DA LUZ
    RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

    RELATÓRIO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:

    Trata-se de recurso ordinário interposto por A.M. contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (HC nº 2008.013921-9), assim ementado:

    "HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA POR NÃO CONSTITUIR O FATO CRIME. VEREADOR. IMUNIDADE MATERIAL. RELATIVIDADE ANTE AS CONDIÇÕES IMPOSTAS PELO ART. 29, VIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, CUJO ATENDIMENTO, NO CASO, DEPENDE DE AVALIAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. INVESTIGAÇÃO ACERCA DO DOLO DO AGENTE IMPOSSIBILITADA PELA MESMA RAZÃO. WRIT NÃO CONHECIDO.

    "O trancamento da ação penal pela via habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade." (STJ, HC n. 59190⁄SP, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 22-8-06)." (fl. 56)

    Segundo narra o arrazoado e pode se colher dos documentos que guarnecem os autos, o ora recorrente foi condenado a 1 ano e 3 meses de reclusão, no regime inicial aberto, por prática descrita no art. 262, caput c⁄c o art. 71, ambos do Código Penal, pena que foi substituída por duas restritivas de direitos.

    Durante a tramitação da apelação, fez a defesa impetrar ordem de habeas corpus, visando o trancamento da ação penal, o que foi denegado no Tribunal de origem, conforme o acórdão transcrito.

    No presente recurso ordinário, insiste o recorrente na tese de que, na qualidade de Vereador da cidade de Joinville⁄SC, tem imunidade (art. 29, VIII da Constituição Federal), por suas palavras, opiniões e votos e ainda em relação a assuntos sujeitos à consideração funcional, desde que ocorridos no âmbito do Município, o que é o caso dos autos, pois teria apenas se manifestado favoravelmente ao inconformismo das pessoas que fizeram manifestação na via pública, contra abusividades que teriam ocorrido no transporte coletivo daquele Urbe.

    Aduz ser incontroversa a "condição de edil do Paciente e de que sua atuação na fadada manifestação popular estava diretamente correlacionada com o reajuste das tarifas de transporte coletivo urbano e que, em momento algum, os atos do Vereador dissociaram-se deste mister." (fl. 72)

    Acrescenta que esta ação penal decorre da representação criminal feita pelas próprias empresas de transporte público de Joinville⁄SC, em represália à atuação do recorrente, como vereador, que atua para melhorar a vida dos usuários de ônibus.

    Afirma que a constatação da imunidade não depende de provas, sendo possível reconhecê-la no caso concreto, notadamente porque a sua atuação na manifestação foi na condição de edil, amparado, pois pela Constituição Federal, não tendo havido, por outro lado, demonstração inequívoca de que teria dado causa à interrupção dos serviços de transporte e à destruição de vários ônibus. A mera participação na manifestação, como político, não pode ser bastante para colocá-lo na condição de réu e, muito menos, de condená-lo.

    Sustenta ainda que o "fato de a manifestação ter acontecido, não apenas em Joinville, mas em Florianópolis e em outras capitais importantes do país, combatendo os reajustes das tarifas de transporte público especialmente por iniciativa de estudantes secundaristas e universitários, denota o caráter político e reivindicativo da manifestação popular, não significando que o Paciente tenha colocado em risco a integridade física dos usuários de transporte coletivo ou a dos manifestantes, impedido a circulação dos ônibus ou mesmo que tenha havido dolo, ou seja, a vontade de agir neste sentido." (fl. 81)

    Pede a reforma do acórdão recorrido para trancar a ação penal (processo nº 038.03.013622-6) da Comarca de Joinville⁄SC, em face da imunidade constitucional do art. 29, VIII.

    Admitido o recurso, opina o Ministério Público Federal pelo seu improvimento, em parecer que guarda a seguinte ementa (fl. 109⁄110):

    RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE MEIO DE TRANSPORTE PÚBLICO (ART. 262, DO CP). VEREADOR DENUNCIADO POR HAVER LIDERADO E PARTICIPADO, PESSOAL E ATIVAMENTE, DE MANIFESTAÇÕES DESTINADAS A IMPEDIR E DIFICULTAR O FUNCIONAMENTO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE PÚBLICO E COLETIVO MUNICIPAL. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, SOB A ALEGATIVA DE NÃO SEREM PUNÍVEIS OS ATOS PRATICADOS PELO ACUSADO, PORQUANTO AMPARADOS PELA IMUNIDADE PARLAMENTAR PREVISTA NO ART. 29, VIII, DA CF. DESCABIMENTO. A INVIOLABILIDADE CONCERNENTE AO EXERCÍCIO DA VEREANÇA CIRCUNSCREVE-SE AOS CHAMADOS CRIMES DE OPINIÃO, CATEGORIA NA QUAL NÃO SE INSERE A INFRAÇÃO DO ART. 262, DO CP, CUJO COMETIMENTO NÃO SE PERFAZ MEDIANTE SIMPLES USO DE OPINIÕES, PALAVRAS E VOTOS DO EDIL. PARECER PELO CONHECIMENTO E PELO IMPROVIMENTO DO RECURSO.

    Segundo apurado no sítio eletrônico desta Corte, a causa encontra-se em grau de embargos de divergência, opostos contra acórdão que negou provimento ao agravo, manejado contra a não admissão do recurso especial na origem, que foi interposto contra o acórdão da apelação, onde confirmada a condenação de primeiro grau.

    É o relatório.

    RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 24.193 - SC (2008⁄0165735-0)

    EMENTA

    PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE OUTRO MEIO DE TRANSPORTE. VEREADOR. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. FALTA DE JUSTA CAUSA. AFERIÇÃO. MATÉRIA IMPRÓPRIA À VIA ELEITA. IMUNIDADE MATERIAL. NÃO INCIDÊNCIA. ATOS ESTRANHOS À ATIVIDADE PARLAMENTAR. LIDERANÇA, INCITAÇÃO E PARTICIPAÇÃO EM MANIFESTAÇÕES POPULARES EM VIA PÚBLICA. IMPEDIMENTO DO FUNCIONAMENTO DO TRANSPORTE PÚBLICO.

  4. Aferir se o ora recorrente com sua conduta contribuiu para a realização do tipo penal demanda revolvimento fático-probatório não condizente com o âmbito angusto do habeas corpus, notadamente se, como na espécie, já há condenação, confirmada em grau de apelação. Seria transformar o writ em indevido sucedâneo recursal.

  5. A imunidade material dos parlamentares, bem assim dos vereadores, não se aplica a atos de liderança, incitação e participação em manifestações públicas, causadoras de impedimento ou dificuldade no funcionamento de transporte público, conforme a sentença condenatória, mas somente a opiniões, palavras e votos no exercício do mandato ou a ele relacionado, dentro ou fora da casa legislativa, no raio territorial do município.

  6. Recurso ordinário não provido.

    VOTO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA(Relatora):

    Como é cediço, somente se reconhece, em sede de habeas corpus, a ausência de justa causa para a ação penal, determinando o seu trancamento, quando há flagrante constrangimento ilegal, demonstrado por prova inequívoca e pré-constituída de não ser o denunciado o autor do delito, não existir crime, encontrar-se a punibilidade extinta por algum motivo ou pela ausência de suporte probatório mínimo a justificar a propositura de ação penal.

    Gustavo Henrique Badaró, no seu Direito Processual Penal, Tomo I, Elsevier Editora, São Paulo, 2008, págs.71⁄72, discorrendo sobre a justa causa para a ação penal, afirma:

    A justa causa passa a pressupor a existência de um suporte probatório mínimo, consistente na prova da existência material de um crime e em indícios de que o acusado seja o seu autor. A ausência de qualquer um destes dois elementos autoriza a rejeição da denúncia e, em caso de seu recebimento, faltará justa causa para a ação...

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