Acórdão nº HC 191243 / MT de T6 - SEXTA TURMA

Data24 Maio 2011
Número do processoHC 191243 / MT
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 191.243 - MT (2010⁄0216120-6)

RELATOR : MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP)
R.P⁄ACÓRDÃO : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : W.C.J.B. E OUTRO
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO
PACIENTE : HELMUTE AUGUSTO LAWISCH

EMENTA

HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CONTINUIDADE DELITIVA. CONDENAÇÃO DEFINITIVA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. DEPÓSITO DE BEM FUNGÍVEL. TESE NÃO SUSCITADA PERANTE AS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DOSIMETRIA DA PENA. MAUS ANTECEDENTES. INQUÉRITOS E PROCESSOS EM CURSO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 444⁄STJ. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA EM NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDA.

  1. Hipótese em que a Defesa sustenta, após o trânsito em julgado da condenação, serem atípicas as condutas imputadas ao paciente. Contudo, tal tese não foi suscitada perante as instâncias originárias, não sendo examinada pelo Juiz de primeiro grau ou pelo Tribunal de origem, o que configura inadmissível supressão de instância.

  2. Embora a apelação devolva ao Tribunal toda a matéria objeto de controvérsia, não é possível formular habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça arguindo, somente aqui, qualquer tese, sem antes levar o tema a debate das instâncias ordinárias. Tal interpretação afronta o princípio do duplo grau de jurisdição.

  3. Inquéritos e processos em curso não podem ensejar o aumento da pena base, sob pena de violação do princípio da presunção de não culpabilidade, não servindo para valorar negativamente os antecedentes, a personalidade ou a conduta social do réu. Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça.

  4. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, concedido para reduzir a reprimenda imposta ao paciente a 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e 38 (trinta e oito) dias-multa, mantidos os demais termos do acórdão.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo no julgamento após voto-vista da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura conhecendo em parte e, nessa parte, concedendo a ordem, no que foi acompanhada pelos Srs. Ministros Og Fernandes e V.D.G., e a retificação de voto do Sr. Ministro Haroldo Rodrigues, no mesmo sentido, a Turma, por maioria, conheceu parcialmente da ordem de habeas corpus e, nesta parte, a concedeu, nos termos do voto da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, que lavrará o acórdão. Vencido o Sr. Ministro Relator." Votaram com a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura os Srs. Ministros Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ⁄CE), Og Fernandes e V.D.G. (Desembargador convocado do TJ⁄RS).

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Brasília, 24 de maio de 2011(Data do Julgamento)

    Ministra Maria Thereza de Assis Moura

    Relatora

    HABEAS CORPUS Nº 191.243 - DF (2010⁄0216120-6)

    RELATOR : MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP)
    IMPETRANTE : W.C.J.B. E OUTRO
    IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO
    PACIENTE : HELMUTE AUGUSTO LAWISCH

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP) (Relator):

    Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em benefício de H.A.L., pelo qual se alega constrangimento ilegal por parte do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO.

    Narra a impetração que o paciente foi denunciado em dois processos, a saber:

    1. Processo n. 1997.36.00.002468-0⁄MT, como incurso no art. 168, § 1º, III, do Código Penal — denúncia recebida em 8 de maio de 1997 (fls. 17); e

    2. Processo n. 1997.36.00.003684-5⁄MT, como incurso no art. 168, § 1º, II, do Código Penal — denúncia recebida em 4 de julho de 1997 (fls. 22).

    No primeiro processo a denúncia foi assim oferecida (fls. 18⁄19):

    [...]

    O ora denunciado, na qualidade de proprietário e representante legal da empresa S.A.G.L., celebrou com a CONAB - COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO, na data de 31.08.95, contrato de Depósito para Guarda e Conservação de Produtos vinculados a empréstimos do Governo Federal-EGF, assumindo o encargo de fiel depositário de 15.163.600 Kg de Milho em Grãos, a granel, relativos à safra 93⁄94.

    Ocorre que, em vistoria realizada em 16.02.96, por preposto da CONAB, restou comprovado o desvio de 3.659.244 Kg do mencionado produto, relativo à mesma safra.

    Elaborada nova vistoria em 17.04.96, constatou-se desvio de mais 1.724.260 Kg do Milho total depositado, elevando a diferença total desviada para o montante de 5.383.304 Kg do citado produto.

    Tais fatos foram efetivamente confirmados pelo Laudo pericial que se vê às fls. 217⁄223 e conforme farta documentação acostada.

    Em depoimento prestado à Delegacia de Polícia Federal, o ora denunciado informa que desde fevereiro de 1996 a sua empresa está impedida de receber produtos vinculados à política de garantia de preços mínimos e disse ainda, que houvera informado ao Gerente do Banco do Brasil, Agência Lucas do Rio Verde⁄MT, que se prontificava a repor o estoque, fatos que induzem em confissão tácita.

    Diante desses fatos, não resta dúvida de que a propriedade efetiva do milho não revela quem é verdadeiramente o lesado. O error in eligendo cometido pela instituição bancária, como mandatário da CONAB, na escolha do fiel depositário, importa na responsabilização civil pela devolução do bem dado em garantia, de modo que esta torna-se a efetivamente lesada; atraindo, a meu ver a competência para Justiça Federal.

    Assim, comprovadas a autoria e a materialidade dos fatos supra narrados, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer seja recebida e autuada a presente Denúncia contra H.A.L. pela incidência comportamental prevista no artigo 168, § 1º, III do Código Penal, instaurando-se, por consequência, a competente Ação Penal, citando-se o mesmo para interrogatório e demais atos processuais até sentença final condenatória, ouvindo-se as testemunhas ao final arroladas, sobre os fatos aqui narrados, tudo ciente este órgão. (grifo nosso)

    E no segundo (fls. 20⁄21):

    [...]

    Consta dos autos que o Denunciado celebrou com o Banco do Brasil S⁄A, mandatário da CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento, Cédula Rural Pignoratícia, nº 93⁄00255-6 EGF COV, no valor de Cr$ 517.936.679,00, crédito deferido e realizado de acordo com a Política de Garantia de Preços Mínimos, consoante Dec. Lei nº 79⁄66, visando o financiamento para estocagem do produto oferecido em garantia.

    O Denunciado, armazenador e fiel depositário, nos termos da referida cédula, recebeu em depósito, para guarda e conservação, 1.491.540 Kg de milho em grãos, da safra 92⁄93, conforme conhecimentos de depósitos⁄warrant e Certificados de Classificação, anexados aos autos.

    Ocorre que funcionário do Banco do Brasil S⁄A, em vistoria realizada em 20⁄06⁄96, na empresa S.A.G.L., de propriedade do Denunciado, constatou diferença de 1.245.932 Kg, no estoque do milho que estavam depositadas (sic) naquele local.

    O mandatário da CONAB, Banco do Brasil S⁄A, informou que em 29⁄06⁄96, notificou o Denunciado concedendo ao mesmo prazo para que regularizasse a situação, efetuando o pagamento em espécie do produto desviado, ou repondo o mesmo, o que não ocorreu.

    Pela vistoria realizada em 20⁄06⁄96 e pelo Laudo de fiscalização juntado às fls. 121 dos presentes autos, comprovam o desvio dos grãos que se encontravam depositados no armazém de propriedade do Denunciado.

    Ao ser interrogado, na fase policial, o Denunciado reconheceu haver a diferença de 1.245.953 Kg no estoque e que tal diferença se deu em razão de transilagem efetuada pela empresa por orientação do Banco do Brasil, tendo sido retirado do armazém 2.100.000 Kg de produto deteriorado e incorporado ao estoque 900.000 Kg de produto novo, safra 95⁄96 de produção própria do Denunciado.

    No entanto, os produtos pertenciam ao mandatário e o Denunciado não poderia removê-lo sem a expressa autorização do Banco do Brasil S⁄A, eis que a cédula em referência dispões que não poderia gravar de qualquer ônus em favor de terceiros, nem arrendar, ceder, transferir ou qualquer forma de alienar os bens constitutivos da garantia.

    Diante do exposto, encontram-se comprovadas a autoria e materialidade do delito, não restando dúvidas de que o Denunciado cometeu o ilícito penal previsto no artigo 168, II, do CPB.

    Dessa forma, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, seja recebida e autuada a presente DENÚNCIA, instaurando-se a competente ação penal, citando-se o Denunciado para interrogatório e demais termos do processo, sob pena de revelia, até sentença final condenatória, intimando-se a testemunha abaixo arrolada para depor sobre os fatos aqui narrados, sob as penas da lei, de tudo ciente este Órgão. (grifo nosso)

    A defesa requereu a reunião dos referidos processos, o que foi deferido, nos autos do Processo n. 1997.36.00.003684-5, pelo Juiz da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, ao reconhecer a continuidade delitiva (fls. 23⁄24).

    Após a instrução processual, sobreveio, em 4 de abril de 2005, a sentença, que assim consignou, no que interessa, quanto aos motivos da condenação (fls. 30⁄33):

    [...]

    Não havendo excludentes da tipificação, da ilicitude do ato ou da culpabilidade do agente ativo, impõe-se a sua condenação nas penas previstas para o delito descrito no art. 168, § 1º, III, do Código Penal, uma vez caracterizada a apropriação indébita e a causa especial de aumento de pena decorrente de o Réu ter recebido o produto em razão de regular contrato de depósito celebrado em observância de sua profissão de empresário do ramo de armazéns gerais e ofício como fiel depositário.

    Quanto às circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, constata-se que a culpabilidade do Acusado mostra-se sujeita a elevado grau de reprovabilidade, sendo certa a sua responsabilidade de zelar e entregar de forma regular o produto que lhe fora confiado no âmbito de um programa governamental federal. Os antecedentes, segundo o contido às fls. 273⁄274 (processo nº 1997.36.00.003684-5), evidenciam...

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