Acórdão nº REsp 1251566 / SC de T2 - SEGUNDA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141)
EmissorT2 - SEGUNDA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Especial

RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.566 - SC (2011⁄0097154-7)

RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
RECORRENTE : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
ADVOGADO : CLARISSE PIRES DA COSTA E OUTRO(S)
RECORRIDO : L.S.G. E OUTRO
ADVOGADO : EURIDES FRANCISCO DE RÉ

EMENTA

ADMINISTRATIVO. FGTS. ART. 20 DA LEI N. 8.036⁄90. HIPÓTESES DE LEVANTAMENTO DOS VALORES DEPOSITADOS NA CONTA VINCULADA AO FUNDO. ROL EXEMPLIFICATIVO. POSSIBILIDADE DE SAQUE, EM CASO DE REFORMA DE IMÓVEL, AINDA QUE NÃO FINANCIADO NO ÂMBITO DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. PRECEDENTES. INTERPRETAÇÃO QUE ATENDE AOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

  1. A quaestio iuris gira em torno da verificação das hipóteses de levantamento de valores depositados em conta vinculada ao FGTS, de acordo com o art. 20 da Lei n. 8.036⁄90. A Caixa Econômica Federal alega que é incabível a utilização de saldo do FGTS para pagamento de reforma de imóvel não financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação, já que o rol de hipóteses de saque estaria previsto em numerus clausus.

  2. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que o art. 20 da Lei n. 8.036⁄90 apresenta rol exemplificativo, por entender que não se poderia exigir do legislador a previsão de todas as situações fáticas ensejadoras de proteção ao trabalhador, mediante a autorização para levantar o saldo de FGTS. Precedentes. partindo dessa premissa, dois outros pontos devem ser resolvidos in casu.

  3. Primeira questão. Esta Superior Corte tem entendimento firmado de que, com base no art. 35 do Decreto n. 99.684⁄90, que regulamentou o art. 20 da Lei n. 8.036⁄90, permite-se utilizar o saldo do FGTS para pagamento do preço de aquisição de moradia própria, ainda que a operação tenha sido realizada fora do Sistema Financeiro da Habitação, desde que se preencham os requisitos para ser por ele financiada. Precedentes.

  4. Segunda questão. O caso concreto trata de situação ainda mais específica: utilização do FGTS para reformar imóvel adquirido fora do SFH.

  5. O ponto de partida, certamente, deve ser a letra da lei, não devendo, contudo, ater-se exclusivamente a ela. De há muito, o brocardo in claris cessat interpretatio vem perdendo espaço na hermenêutica jurídica e cede à necessidade de se interpretar todo e qualquer direito a partir da proteção efetiva do bem jurídico, ainda que eventual situação fática não tenha sido prevista, especificamente, pelo legislador. Obrigação do juiz, na aplicação da lei, em atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro). Mas, quando a lei não encontra no mundo fático suporte concreto na qual deva incidir, cabe ao julgador integrar o ordenamento, mediante analogia, costumes e princípios gerais do direito.

  6. A matriz axiológica das normas, ao menos a partir da visão positivista, é o conjunto de regras elencadas na Constituição, entendida como o ápice do que se entende por ordenamento jurídico. Mais ainda: sob a ótica pós-positivista, além das regras constitucionalmente fixadas, devem-se observar – antes e sobretudo – os princípios que, na maioria das vezes, dão origem às próprias regras (normogênese). Logo, é da Constituição que devem ser extraídos os princípios que, mais que simples regras, indicam os caminhos para toda a atividade hermenêutica do jurista e ostentam caráter de fundamentalidade.

  7. Na resolução do caso concreto, os princípios se aproximam mais dos ideais de justiça (Dworkin) e de direito (Larenz), sendo imprescindível que se os busquem em sua fonte primordial: a Constituição. O primeiro deles – a dignidade da pessoa humana (art. 1º da CF⁄88) –, é considerado, mesmo, um sobreprincípio, já que constitui não só um norte para a produção e aplicação de novas regras, mas fonte comum a todos os demais princípios. A partir da dignidade da pessoa humana, a Carta Magna elencou inúmeros outros direitos, nos arts. 5º e 6º, este último que engloba a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Ainda mais especificamente, a CF⁄88 garante como direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, entre outros que visem à melhoria de sua condição social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

  8. Técnicas de interpretação constitucional. Tais dispositivos devem ser lidos em conjunto, visando à realização ótima de todos os bens e valores da Constituição e, ao mesmo tempo, não negar nenhum deles (princípio da concordância prática), e objetivando a unidade do Texto Fundamental, já que as normas constitucionais não são isoladas, mas preceitos integrados em um sistema unitário. Além disso, o direito à moradia e ao FGTS (como mecanismo de melhoria da condição social do sujeito jurídico), visam, não a outra finalidade, mas à direta e efetiva garantia da dignidade da pessoa humana, solução que atende à eficácia integradora da Constituição. Ainda mais: à luz do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, a ponderação dos bens jurídicos em questão revela que não há como prosperar o argumento de que o FGTS (direito do trabalhador) não pode ser utilizado para a reforma de imóvel destinado ao atendimento de uma proteção constitucional (direito à moradia), em consonância com o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana, simplesmente pelo fato de que a legislação infraconstitucional não previu especificamente essa hipótese.

  9. Interpretação teleológica da Lei n. 8036⁄90: admitiu-se o levantamento dos valores de FGTS, nas hipóteses em que algum direito fundamental do fundiário estivesse comprometido, por exemplo: suspensão ou interrupção do contrato laboral (direito ao trabalho), acometimento de doença grave (direito à saúde) e mesmo a garantia do pagamento de prestações de financiamento habitacional (direito à moradia).

  10. Reformas que visam à substituição de paredes de madeira por de alvenaria e instalação de redes elétrica, hidráulica e sanitária, além de consistirem benfeitorias extremamente necessárias à conservação (Código Civil, art. 96, § 3º) e normal uso do bem imóvel, visam à concretização das garantias constitucionalmente previstas de moradia, segurança e saúde. Ou seja: objetivam conceder aos recorridos existência digna, conforme lhes garante a Carta Magna.

  11. Por isso, têm direito ao saque do FGTS, ainda que o magistrado deva integrar o ordenamento jurídico, em razão de lacuna na Lei n. 8.036⁄90, com base nos princípios de interpretação constitucional da eficácia integradora e da unidade da Constituição, da concordância prática e da proporcionalidade em sentido estrito.

  12. Recurso especial não provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:

    "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque."

    Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Castro Meira, Humberto Martins (Presidente) e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília (DF), 07 de junho de 2011.

    MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES , Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.566 - SC (2011⁄0097154-7)

    RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
    RECORRENTE : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
    ADVOGADO : CLARISSE PIRES DA COSTA E OUTRO(S)
    RECORRIDO : L.S.G. E OUTRO
    ADVOGADO : EURIDES FRANCISCO DE RÉ

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Trata-se de recurso especial (e-STJ fls. 238⁄241) interposto contra acórdão assim ementado (e-STJ fl. 224):

    ADMINISTRATIVO. FGTS. LEVANTAMENTO DO SALDO DE CONTA VINCULADA. HONORÁRIOS.

  13. A perícia concluiu tratar-se de residência simples, além de salientar a necessidade das reformas para a manutenção digna da moradia familiar. Deve, pois, ser mantida por seus próprios fundamentos. Ademais, deixou a CEF de rebater os fundamentos da sentença.

  14. Nas ações ou execuções versando sobre FGTS, propostas em data posterior à edição da MP 2.164, publicada em 27⁄07⁄2001, a qual incluiu o art. 29-C na Lei 8.036⁄90, não cabe a condenação em honorários advocatícios. Precedentes deste Tribunal e do STJ.

    Opostos embargos de declaração, foram eles julgados nestes termos (e-STJ fl. 235):

    PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. PREQUESTIONAMENTO.

    Tendo em vista o disposto nas Súmulas 282 e 356 do STF e 98 do STJ, são parcialmente acolhidos os embargos de declaração tão-somente para fins de prequestionamento.

    A Caixa Econômica Federal, ora recorrente, sustenta violação do art. 20 da Lei n. 8.036⁄90. Alega, em síntese, que é incabível a utilização de saldo do FGTS para pagamento de reforma de imóvel não financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação.

    Não foram apresentadas contrarrazões (e-STJ fl. 248).

    Recurso admitido na origem.

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.566 - SC (2011⁄0097154-7)

    EMENTA

    ADMINISTRATIVO. FGTS. ART. 20 DA LEI N. 8.036⁄90. HIPÓTESES DE LEVANTAMENTO DOS VALORES DEPOSITADOS NA CONTA VINCULADA AO FUNDO. ROL EXEMPLIFICATIVO. POSSIBILIDADE DE SAQUE, EM CASO DE REFORMA DE IMÓVEL, AINDA QUE NÃO FINANCIADO NO ÂMBITO DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. PRECEDENTES. INTERPRETAÇÃO QUE ATENDE AOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

  15. A quaestio iuris gira em torno da verificação das hipóteses de levantamento de valores depositados em conta vinculada ao FGTS, de acordo com o art. 20 da Lei n. 8.036⁄90. A Caixa Econômica Federal alega que é incabível a utilização de saldo do FGTS para pagamento de reforma de imóvel...

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