Acórdão nº REsp 1227965 / SC de T2 - SEGUNDA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistro HERMAN BENJAMIN (1132)
EmissorT2 - SEGUNDA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Especial

RECURSO ESPECIAL Nº 1.227.965 - SC (2011⁄0001949-0)

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : N.B. E OUTROS
ADVOGADO : ANDRÉ LUIZ ARANTES SCHEIDT E OUTRO(S)
RECORRENTE : ESTADO DE SANTA CATARINA
PROCURADOR : M.J.D. E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERES. : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA
PROCURADOR : V.A.F. E OUTRO(S)

EMENTA

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FAIXA DE FRONTEIRA. TRANSFERÊNCIA A NON DOMINO. DESAPROPRIAÇÃO. BEM PERTENCENTE À UNIÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 INEXISTENTE. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ADEQUAÇÃO DA VIA E COMPETÊNCIA CONFIRMADAS. PRESCRIÇÃO NÃO INCIDENTE. COISA JULGADA COM EFICÁCIA PRECLUSIVA. INAPLICABILIDADE. ANULAÇÃO DO REGISTRO E RESTITUIÇÃO DE VALORES. RECURSOS NÃO PROVIDOS.

  1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público contra o INCRA, o Estado de Santa Catarina e dos particulares. Narra que o INCRA propôs em 1976 Ação de Desapropriação de imóvel localizado em faixa de fronteira, transitada em julgada.

  2. O parquet alega nulidade dos registros imobiliários em razão dos imóveis serem, desde sempre, de propriedade da União (áreas devolutas em faixa de fronteira). A sentença acolheu a pretensão in totum. O acórdão recorrido deu provimento parcial apenas ao apelo de A.L.A.S. para excluir da condenação os valores levantados a título de honorários sucumbenciais.

  3. Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. Nesse sentido: REsp 927.216⁄RS, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 13⁄8⁄2007; e REsp 855.073⁄SC, Primeira Turma, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 28⁄6⁄2007.

  4. "O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público" (Súmula 329⁄STJ), assim entendido em sentido amplo, ou seja, o Erário, bem pertencente, de modo indireto, a toda a sociedade, o que envolve, portanto, interesse difuso da coletividade. Precedentes do STJ.

  5. No julgamento dos EREsp 1.003.032⁄PR, a Primeira Seção fixou entendimento que admite a discussão de domínio em ação de desapropriação, desde que a controvérsia acerca do tema se estabeleça entre expropriante e expropriado, evitando-se que sejam pagas indenizações por terrenos que já pertençam à União. No caso dos autos, a) a Ação de Desapropriação expressamente ressalvou que não debateria domínio naquela oportunidade – que é viável em razão da controvérsia circunstancial e jurídica sobre o tema; b) os recorrentes não se desincumbiram do ônus de demonstrar eventual discussão ali realizada; c) não existe coincidência (tres eadem) entre a Ação de Desapropriação e a Ação Civil Pública proposta; d) precedente específico e longamente fundamentado afasta a coisa julgada e sua eficácia preclusiva, indicando prevalência do princípio da justa indenização (REsp 1.015.133⁄MT, Segunda Turma, Ministra Eliana Calmon, designado p⁄ acórdão Ministro Castro Meira, DJe 23⁄4⁄2010).

  6. Não há prescrição para os bens públicos. Nos termos do art. 183, §3º, da Constituição, ações dessa natureza têm caráter imprescritível e não estão sujeitas a usucapião (Súmula 340⁄STF, art. 200 do DL 9.760⁄1946 e art. 2º do CC). Construção feita também com base na imprescritibilidade de atos nulos, de ações destinadas ao ressarcimento do Erário e de ações de declaração de inexistência de relação jurídica – querela nullitatis insanabilis. Precedentes do STJ.

  7. "As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos Estados, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha inerte ou tolerante em relação aos possuidores" (Súmula 477⁄STF). Tal posição, somada à impossibilidade de usucapir bem público, serve de norte a legitimar a pretensão do recorrido, porque autorizado o debate na Ação Civil Pública sobre a titularidade de bens que sempre pertenceram à União, antes e depois de 1946.

  8. O acórdão abordou explicitamente a questão sob o enfoque das ratificações realizadas pelos Estados da Federação, desde que antecedessem requerimento submetido a juízo específico dos órgãos competentes. Porém, tal pedido não foi constatado pelo acórdão ou mencionado no Recurso Especial. Revisitar essa premissa esbarra na Súmula 7⁄STJ.

  9. Recursos Especiais não providos.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento aos recursos, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília, 02 de junho de 2011(data do julgamento).

    MINISTRO HERMAN BENJAMIN

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.227.965 - SC (2011⁄0001949-0)

    RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
    RECORRENTE : N.B. E OUTROS
    ADVOGADO : ANDRÉ LUIZ ARANTES SCHEIDT E OUTRO(S)
    RECORRENTE : ESTADO DE SANTA CATARINA
    PROCURADOR : M.J.D. E OUTRO(S)
    RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
    INTERES. : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA
    PROCURADOR : V.A.F. E OUTRO(S)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recursos Especiais interpostos contra acórdão assim ementado:

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. TERRAS SITUADAS EM FAIXA DE FRONTEIRA. BEM PERTENCENETE À UNIÃO. TRANSFERÊNCIA A "NON DOMINO". NULIDADE DOS TÍTULOS E DO REGISTRO IMOBILIÁRIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES LEVANTADOS A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

    . A condição de litisconsorte passivo necessário do Estado da Federação decorre do art. 3°, caput e § 1°, da Lei n° 9.871⁄99.

    . O julgamento de ação de desapropriação não faz coisa julgada material acerca da questão dominial, que pode ser objeto de ação própria, nos termos do art. 20 do Decreto-lei n.º 3.365⁄41.

    . O Ministério Público detém legitimidade para ajuizar ação civil pública visando ao reconhecimento da titularidade dominial da União sobre área expropriada por força do art. 129, III, da CF e do art. 1º, VI, da Lei n.º 7.347⁄85.

    . Legitimidade passiva caracterizada pelo interesse jurídico no resultado da ação em que se discute a nulidade da sentença que constitui título para o procurador da causa e a devolução pelos expropriados de valores recebidos nas ações de desapropriações.

    . A competência estabelecida no art. 102, I, "f", da Constituição Federal, alcança apenas aquelas causas e conflitos capazes de pôr em risco o equilíbrio federativo (isto é, quando houver situação que possa configurar instabilidade no equilíbrio federativo ou mesmo que rompa com a harmonia que deve prevalecer nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal).

    . São imprescritíveis as ações que versem sobre bens públicos, com características de inalienabilidade e indisponibilidade, não sujeitas à aquisição por usucapião (Súmula nº 340 do STF, art. 200 do Decreto-lei nº 9.760⁄46, art. 2º do novo Código Civil e art. 183, § 3º da CF).

    . Desde a Lei nº 601⁄1850, quando foram criadas as chamadas "terras devolutas", foi reservada uma faixa de terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros em uma zona de 10 léguas, a qual, desde a Constituição Federal de 1891 (art. 64), sempre pertenceu à União. De fato, ainda que as Constituições de 1934 e 1937 tenham criado a faixa de segurança, com extensão de 100 e 150 km, nunca houve dúvida séria quanto ao domínio da União em relação à faixa de 66 km ao longo da fronteira do Brasil.

    . A boa-fé dos posseiros que receberam a titularidade dominial por concessão do Estado não prevalece ao direito público inalienável.

    . A ratificação das alienações e das concessões de terras já feitas pelos Estados na Faixa de Fronteiras autorizada pela Lei n.º 4.947⁄66 depende de requerimento da parte interessada, que deve ser instruído com alguns documentos específicos, a fim de instruir processo administrativo do INCRA, verificando-se se foram atendidas as condições previstas no Decreto-lei nº 1.414⁄75.

    . Constatada a nulidade das alienações realizadas a "non domino" pelo Estado do Paraná de áreas localizadas em faixa de fronteira pertencente à União Federal, cabível a devolução dos valores levantados pelos expropriados a título de indenização em processo de desapropriação.

    . É devida a devolução da verba honorária recebida em ação de desapropriação que tem por objeto imóvel situado em faixa de fronteira.

    . Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir.

    . Apelações improvidas. Apelação do réu A.L.A.S. parcialmente provida (fls. 388-416⁄STJ).

    Os Embargos de Declaração foram desacolhidos (fls. 430⁄STJ).

    Os recorrentes Nicola Balzan, M.P.Z.B. e A.L.A.S. alegam, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. , 81, 82, inc. III, 333, inc. I, 366, 474 e 535 do CPC; 11 da Lei 4.504⁄64; 18, §2º, da LC 76⁄93; 34 e 35 do DL 3.365⁄1941; 1º da Lei 7.347⁄1985; 1.245, §2º, do CC; 252 da Lei 6.015⁄1973, e 5º do DL 9.760⁄46. Afirmam que a eficácia preclusiva da coisa julgada impede o debate sobre a titularidade do bem em desapropriações. Aduzem que a legitimidade para representação da União é de exclusividade do INCRA, não havendo interesse na intervenção do MP. Registram a inadequação da via procedimental, porque objetiva a cassação de decisão transitada em julgado sem a propositura de Ação Rescisória perante o Tribunal competente, no prazo legal e sem a discussão em ação discriminatória. Ressaltam que não foi proposta ação para anular o registro de propriedade do bem. Apontam que o título foi concedido pelo Estado antes do Decreto 9.760⁄1946, aplicando-se a ressalva do art. 5º.

    O Estado de Santa Catarina também alega violação dos arts. 1º, inc. IV da Lei 7.347⁄85; 81, parágrafo único, incs. I e II, do CDC; do DL 20.910⁄1931. Afirma a ilegitimidade ativa do parquet. Aduz...

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