Acórdão nº HC 158968 / RJ de T6 - SEXTA TURMA

Número do processoHC 158968 / RJ
Data17 Março 2011
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 158.968 - RJ (2010⁄0003084-1)

RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES
IMPETRANTE : R P L
ADVOGADO : MARLY MARY GONCALVES DA SILVA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE : R P L (PRESO)

EMENTA

HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. MAJORANTE PREVISTA NO ART. 226, II, DO CÓDIGO PENAL. PACIENTE OSTENTA A CONDIÇÃO DE PADRINHO DAS VÍTIMAS. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. DELITOS PRATICADOS ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 12.015⁄09. APLICAÇÃO DAS PENAS REFERENTES AO ESTUPRO DE VULNERÁVEL, EM VIRTUDE DA CONSIDERAÇÃO DE CRIME ÚNICO. VIABILIDADE. COMBINAÇÃO DE LEIS. TESE AFASTADA PELA DOUTA MAIORIA DESTA CASA DE JUSTIÇA. CRIME CONTINUADO. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DO PERCENTUAL OPERADO. PRÁTICA DELITIVA QUE PERDUROU DURANTE VÁRIOS ANOS. DESCABIMENTO.

  1. De acordo com o art. 226, II, do Código Penal, nos crimes contra a dignidade sexual, a pena é aumentada de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.

  2. Na hipótese, o paciente é padrinho das vítimas, intitulando-se perante elas como um segundo pai. Assim, o vínculo emocional estabelecido durante vários anos e também o fato de as vítimas trabalharem para ele aos finais de semana, auxiliando na organização de festas infantis, atraem a incidência da majorante inserida no art. 226 da Lei Penal.

  3. No crime continuado, o critério utilizado para determinação da quantidade de exasperação devida, entre os patamares de 1⁄6 (um sexto) e 2⁄3 (dois terços), guarda estreita relação ao número de infrações cometidas.

  4. Pela leitura dos autos, constata-se que as condutas delituosas foram praticadas quase que diariamente, ao longo de vários anos. Com base nessas informações, não há razões para modificar o percentual de 2⁄3 (dois terços).

  5. A tese da possibilidade da combinação de leis, antes prevalente na Sexta Turma desta Corte, foi rejeitada pela maioria dos membros da Terceira Seção quando do julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 1.094.499⁄MG.

  6. Ordem denegada.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento após voto-vista Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, denegando a ordem de habeas corpus, a retificação de votos dos Srs. Ministros Og Fernandes e Haroldo Rodrigues no mesmo sentido, e a ratificação do voto do Sr. Ministro Celso Limongi, concedendo em parte a ordem de habeas corpus, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencido o Sr. Ministro Celso Limongi. Os Srs. Ministros Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ⁄CE) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Brasília, 17 de março de 2011 (data do julgamento).

    MINISTRO OG FERNANDES

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 158.968 - RJ (2010⁄0003084-1)

    RELATÓRIO

    O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de R. P. L., contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rio de Janeiro, que deu parcial provimento ao apelo defensivo.

    Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, contra duas vítimas, cometidos diversas vezes em continuidade delitiva.

    Ao final da instrução, sobreveio sentença condenando-o à pena total de 70 (setenta) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado.

    Irresignada, interpôs apelação, à qual se deu parcial provimento para, reconhecida a existência de crime único entre as figuras previstas nos artigos 213 e 214 do Código Penal, reduzir a sanção do paciente ao montante de 45 (quarenta e cinco) anos de reclusão – a reprimenda foi fixada em 22 (vinte e dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão em face de cada uma das vítimas.

    Foram opostos – e rejeitados – embargos de declaração.

    Na origem, foram inadmitidos os recursos especial e extraordinário, o que desafiou a interposição dos respectivos agravos de instrumento.

    Pretende a impetração que, em razão da Lei n. 12.015⁄2009, seja decotada da reprimenda a causa de aumento do art. 226, inciso II, do Código Penal, tendo em vista que "o paciente não pode ser considerado parente em nenhuma linha disciplinada nas relações de parentesco", pois ele é apenas "padrinho de batismo de uma das menores" (fl. 06).

    Destaca que "a figura do padrinho de batismo de cunho religioso, somente conhecido socialmente na religião Católica" (fls. 6). Salienta que o paciente "não é ascendente, padrasto, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor, ou empregador das vítimas (...), não possuindo nenhuma autoridade sobre elas" (fls. 7).

    Aduz, ainda, que, a partir das novas modificações no capítulo dos crimes contra a dignidade sexual, "deixou de existir o concurso material (artigo 69) do Código Penal, devendo desta forma ser revista a aplicação da pena base" (fl. 08).

    Em 20.1.2010, a liminar foi indeferida pelo Presidente, Ministro César Asfor Rocha.

    Após prestadas as informações, o Ministério Público Federal (Subprocurador-Geral Moacir Mendes Sousa) opinou pela concessão parcial da ordem, nos termos desta ementa (fls. 167⁄168):

    HABEAS CORPUS. ESTUPRO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DE APELAÇÃO. PLEITO DE DECOTE DA MAJORANTE PREVISTA NO ARTIGO 226, II, DO CÓDIGO PENAL. PADRINHO. AGENTE NÃO INCLUÍDO DENTRE AQUELES COM AUTORIDADE AUTORIZAR A MAJORAÇÃO. REVISÃO DA PENA-BASE PARA APLICAR O ARTIGO 71, DO CÓDIGO PENAL. REPRIMENDA INCORRETAMENTE APLICADA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

    Não é demasiado pensar-se que a figura do padrinho, pela natureza reverencial com que é contemplada na cultura brasileira, possa ser incluída na expressão “qualquer outro título” contida no artigo 226, II, do Código Repressivo.

    Andou bem o v. acórdão atacado, pois entendeu que a condição de padrinho de batismo da vítima ostentada pelo réu foi razão suficiente para a majoração da pena operada, tendo em vista que o acusado se prevaleceu “...da proximidade e confiança propiciadas pela condição de padrinho para consecução da empreitada criminosa, devendo, pois, incidir a causa de aumento do art. 226, II, do CP.”

    Não há, por conseguinte, como ser decotada da pena-base a causa de aumento prevista do no artigo 226, II, do Código Penal, haja vista a sua legal incidência na hipótese sob apreciação.

    Quanto à continuidade, não tem razão o impetrante, tendo em vista que a fixação da pena em tal hipótese, leva em conta a quantidade de delitos que compõe a série.

    No caso, segundo o acórdão os crimes perduraram por longos anos, não sendo demasiado adotar o percentual máximo.

    Relativamente ao concurso material, é possível seu reconhecimento entre as duas séries, pois se tratavam de vítimas diferentes, não sendo possível na via estreita do habeas corpus aferir a ocorrência de continuidade delitiva entre as práticas delituosas contra as diversas vítimas.

    Ademais, sequer há possibilidade de considerar mais benéfico ao réu o reconhecimento da continuidade entre as duas séries de crimes, levando-se em conta o que determina o parágrafo primeiro do artigo 71, do Código Penal, quando a pena pode até triplicar.

    Parecer pela concessão parcial da ordem.

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 158.968 - RJ (2010⁄0003084-1)

    VOTO

    O SR. MINISTRO OG FERNANDES (Relator): Volta-se a impetração contra a majorante prevista no art. 226, II, do Código Penal, dispositivo que guarda esta redação:

    Art. 226. A pena é aumentada:

    I - de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;

    II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;

    Segundo a combativa defesa, o vínculo estabelecido entre paciente e vítimas não se enquadraria em nenhuma das hipóteses acima elencadas. Isso porque o fato de o paciente ser padrinho estaria ligado a questões religiosas, mais especificamente à fé Católica.

    Conquanto seja sedutora a tese versada na impetração, tenho que estão com razão as instâncias ordinárias. Vejamos:

    Pelo que se tem dos autos, o paciente se aproximou das vítimas (duas irmãs) "desde quando eram pequenas (...), adquirindo confiança da mãe (...), sendo padrinho de batismo de uma delas" (fls. 13).

    Por oportuno, colho o relato de uma das menores, que bem ilustra a questão (fls. 15⁄16):

    A vítima M.D. declarou que conhece o réu desde que tinha sete anos de idade e o conheceu na creche em que ficava. Narrou que o réu fazia festas beneficentes para a creche, se tornou amigo de sua mãe e aos dez anos foi batizada pelo réu, passando a frequentar sua casa. Informou que o réu começou a lhe dar 'selinhos' e dizia que era normal, pois era como se fosse seu segundo pai. Narrou que o réu ia 'conversando, enrolando e pedindo para fazer as coisas com ele'. Afirmou que o réu insistia até que a declarante cedesse. Informou que inicialmente ocorreu o sexo oral e depois o vaginal e anal, fato que se iniciou com onze anos e perdurou até mais ou menos maio de 2007, quando a vítima possuía dezesseis anos. Declarou que os fatos passaram a ocorrer diariamente, mais na casa do ré e também na sua casa. Informou a vítima que teve medo de falar para sua mãe e para a ex-mulher do réu, que era sua madrinha de consagração. Afirmou que se sentia 'meio obrigada' a praticar os atos quando decidiu parar de ir à casa do réu este lhe 'ameaçou', dizendo que contaria sobre a relação para Fátima e que a declarante tinha dívidas com ele. Disse, ainda, que ajudava o réu nas festas, ganhava presentes e não gostava das relações sexuais...

    Pela leitura do trecho acima transcrito, percebe-se que as vítimas possuíam laço afetivo duradouro com o ora paciente. Ele...

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