Acórdão nº HC 127904 / SC de T5 - QUINTA TURMA

Data03 Maio 2011
Número do processoHC 127904 / SC
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 127.904 - SC (2009⁄0021651-0)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : MICHAEL P WOICIECHOVSKI
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PACIENTE : IVAN CEGATTA

EMENTA

HABEAS CORPUS. ABUSO DE AUTORIDADE (ARTIGOS 3º, ALÍNEA "I", E 4º, ALÍNEA "A", AMBOS DA LEI 4.898⁄1965). PACIENTE PATROCINADO POR DEFENSOR DATIVO. ALEGADA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO CAUSÍDICO PARA APRESENTAR RAZÕES DE RECURSO DE APELAÇÃO. INDIGITADA IRREGULARIDADE DE CERTIDÃO NA QUAL SE ATESTOU QUE O ADVOGADO NÃO COMPARECEU AO CARTÓRIO APÓS CONTATOS TELEFÔNICOS. MATÉRIAS NÃO APRECIADAS PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT QUANTO AO PONTO.

  1. As questões referentes à alegada nulidade do feito ante a ausência de intimação pessoal do advogado dativo para apresentar as razões do apelo interposto, e à apontada irregularidade da certidão que informou não ter ele comparecido ao cartório após contatos telefônicos, não foram objeto de análise perante a Corte de origem, o que impede a sua apreciação diretamente por este Superior Tribunal de Justiça, sob pena de atuação em indevida supressão de instância.

  2. Ainda que assim não fosse, é imperioso consignar que, atualmente, até em casos de nulidade absoluta, doutrina e jurisprudência têm exigido a comprovação de prejuízo para que o vício possa ser reconhecido.

  3. Desse modo, eventual eiva decorrente da falta de intimação pessoal do defensor dativo para apresentar as razões de recurso de apelação somente poderia ser reconhecida caso evidenciado o dano à defesa do paciente, o que não restou caracterizado na espécie, já que outro causídico designado pelo Juízo singular arrazoou devidamente o apelo interposto, possibilitando o seu julgamento pelo Tribunal de origem.

    APONTADA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO COMUM PARA PROCESSAR E JULGAR O PACIENTE POR CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. COMARCA EM QUE NÃO HÁ JUIZADO ESPECIAL INSTALADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

  4. Defende-se na impetração que o delito de abuso de autoridade imputado ao paciente seria da competência dos Juizados Especiais Criminais, razão pela qual a respectiva ação penal não poderia ter sido processada e julgada pela 2ª Vara Criminal da comarca de Itajaí⁄SC.

  5. No entanto, tanto na sentença condenatória quanto no acórdão que a confirmou consignou-se inexistir unidade jurisdicional formal do Juizado Especial Criminal na comarca de Itajaí⁄SC, incumbindo tal competência à 1ª e 2ª Varas Criminais, de forma alternada.

  6. Não havendo na comarca de Itajaí⁄SC Juizado Especial instalado, nada impede que as infrações de menor potencial ofensivo sejam processadas e julgadas pelo Juízo comum, consoante a legislação de organização judiciária local.

    RECURSO DE APELAÇÃO JULGADO PELA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. IRRESIGNAÇÃO QUE DEVERIA SER APRECIADA POR TURMA RECURSAL. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL.

  7. Ainda que se trate de infração de menor potencial ofensivo, tendo o feito tramitado perante a Justiça Comum, ante a inexistência de Juizado Especial instalado na comarca, não há que se falar em competência da Turma Recursal para apreciar o recurso de apelação interposto contra a sentença condenatória, já que este, pelo princípio da perpetuatio jurisdictionis, deve ser examinado pelo órgão jurisdicional hierarquicamente superior que, no caso concreto, é uma das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

    ALEGADA NULIDADE DO FEITO PELA INOBSERVÂNCIA DO RITO PREVISTO NA LEI 9.099⁄1995. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. ADOÇÃO DO PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO, MAIS BENÉFICO AO ACUSADO. INOCORRÊNCIA DE MÁCULA.

  8. Conquanto o princípio do devido processo legal compreenda a garantia ao procedimento tipificado em lei, não se admitindo a inversão da ordem processual ou a adoção de um rito por outro, não se pode olvidar que as regras procedimentais não possuem vida própria, servindo ao regular desenvolvimento do processo, possibilitando a aplicação do direito ao caso concreto.

  9. Assim, a eventual inversão de algum ato processual ou a adoção do procedimento ordinário em detrimento de rito especial só podem conduzir à nulidade do processo se houver prejuízo às partes.

  10. Na hipótese em apreço, a não realização de audiência preliminar não acarretou qualquer prejuízo à defesa do paciente, notadamente em razão de o crime a ele imputado ser de ação pública incondicionada, cujo processamento e julgamento não podem ser obstados ante a composição civil dos danos entre o autor do fato e a vítima.

  11. Igualmente, não se pode cogitar de mácula no feito pelo não oferecimento de defesa preliminar antes do recebimento da denúncia, e pela realização do interrogatório do paciente antes da oitiva das testemunhas de acusação e de defesa, uma vez a adoção do rito comum ao caso concreto trouxe maiores possibilidades de defesa ao réu, que pôde arrolar mais testemunhas do que permitido na Lei 9.099⁄1995.

    MEDIDAS DESPENALIZADORAS PREVISTAS NA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. AFIRMADA INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À SUA CONCESSÃO AO PACIENTE, QUE PREENCHERIA OS REQUISITOS LEGAIS PARA A SUA OBTENÇÃO. MANIFESTAÇÃO CONTRÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E PRONUNCIAMENTO JUDICIAL INDEFERINDO O PLEITO DEFENSIVO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADOS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA OU DE TERATOLOGIA.

  12. A concessão de transação penal e de suspensão condicional do processo ao acusado de infração de menor potencial ofensivo pressupõem o preenchimento dos requisitos legais, explicitados, respectivamente no § 2º do artigo 76, e no caput do artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais.

  13. Na espécie, ao ofertar a denúncia o Ministério Público deixou de ofertar transação penal e suspensão condicional do processo ao paciente ao argumento de que as medidas não seriam recomendáveis, dada a existência de outras duas acusações pela suposta prática de delitos da mesma natureza, tendo o Juízo de origem concordado com a negativa de propositura das medidas despenalizadoras.

  14. Muito embora o paciente não tenha sido previamente condenado por crimes de abuso de autoridade, não há dúvidas de que possui contra si duas acusações por delitos de tal natureza, circunstâncias que justificam a não concessão das benesses pelo órgão ministerial, sob o fundamento de que seriam inadequadas ao caso concreto.

    ALEGADA FALTA DE DEFESA DO PACIENTE EM RAZÃO DAS RAZÕES RECURSAIS APRESENTADAS POR NOVO ADVOGADO DATIVO NOMEADO PARA PATROCINAR O PACIENTE. NULIDADE NÃO CARACTERIZADA. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

  15. Nos termos do enunciado 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, "no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu".

  16. O caso dos autos não pode ser enquadrado como hipótese de falta de defesa, pois, consoante as várias peças processuais acostadas ao mandamus, o paciente viu-se assistido por causídico nomeado para patrocinar a sua defesa durante todo o curso do processo.

  17. Ao contrário do que alegado na impetração, não se verifica a insuficiência no conteúdo das razões do recurso de apelação apresentadas, já que o advogado designado concentrou-se em arguir a incompetência da 2ª Vara Criminal da comarca de Itajaí para processar e julgar o paciente, a nulidade do feito pela inobservância do rito previsto na Lei 9.099⁄1995, e a necessidade de aplicação dos benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo.

  18. Desse modo, a simples falta de menção ao mérito da ação penal nas razões recursais ofertadas não é suficiente para tornar a peça inepta, ou demonstrar a inexistência de defesa efetiva do acusado.

  19. Ademais, constata-se que o impetrante quedou-se em demonstrar qual teria sido o prejuízo resultante do teor da contrariedade ao recurso ministerial apresentado, cingindo-se a afirmar, num juízo de mera especulação, que a posterior condenação do paciente teria decorrido da insuficiência das contrarrazões ofertadas, razão pela qual é inviável o reconhecimento da nulidade apontada.

  20. Writ parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegada a ordem.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do pedido e, nessa parte, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ), Laurita Vaz e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

    Brasília (DF), 03 de maio de 2011. (Data do Julgamento).

    MINISTRO JORGE MUSSI

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 127.904 - SC (2009⁄0021651-0)

    IMPETRANTE : MICHAEL P WOICIECHOVSKI
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
    PACIENTE : IVAN CEGATTA

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de I.C., apontando como autoridade coatora a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que, ao julgar a Apelação Criminal n. 2007.004956-0, negou provimento ao recurso, mantendo a condenação do paciente à pena de 22 (vinte e dois) dias de detenção, substituída por uma sanção restritiva de direitos consistente em prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos, pela suposta prática dos delitos previstos nos artigos 3º, alínea "i", e 4º, alínea "a", ambos da Lei 4.898⁄1965.

    Noticia o impetrante que foi nomeado defensor dativo do paciente por ocasião do interrogatório judicial, tendo patrocinado a sua defesa durante toda a ação penal, inclusive interpondo recurso de apelação contra a sentença condenatória no prazo legal.

    Assevera que, conquanto estivesse exercendo a função de advogado nomeado pelo Juízo, não foi intimado para apresentar as razões do apelo interposto, tendo sido...

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