Acórdão nº REsp 809565 / RJ de T3 - TERCEIRA TURMA

Data22 Março 2011
Número do processoREsp 809565 / RJ
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 809.565 - RJ (2006⁄0006464-3)

RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
R.P⁄ACÓRDÃO : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : M.J.R.
ADVOGADO : ILAN GOLDBERG E OUTRO(S)
RECORRIDO : E.D.T.B.L.L.
ADVOGADO : RICARDO MELCHIOR DE BARROS RANGEL E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO CIVIL. ACORDO EXTRAJUDICIAL. QUITAÇÃO PLENA. VALIDADE. AÇÃO OBJETIVANDO AMPLIAR INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO.

  1. Na hipótese específica dos autos, a partir do panorama fático traçado pelo TJ⁄RJ, constata-se que, no momento da assinatura de acordo para indenização da recorrente em virtude de atropelamento por ônibus de propriedade da recorrida, formalizado por instrumento público, aquela: (i) estava internada num hospital, mas dispunha de pleno discernimento sobre os atos da sua vida civil; (ii) estava representada por um advogado, tendo negociado previamente os valores envolvidos no negócio, levando em conta o risco de improcedência de eventual ação contra a recorrida, ante à possível caracterização de culpa exclusiva da vítima; (iii) ouviu a leitura dos termos do acordo, realizada por funcionário do cartório.

  2. A quitação plena e geral, para nada mais reclamar a qualquer título, constante do acordo extrajudicial, é válida e eficaz, desautorizando investida judicial para ampliar a verba indenizatória aceita e recebida. Precedentes.

  3. A internação em hospital para recuperação de acidente se enquadra na denominada incapacidade transitória, sem previsão expressa no CC⁄16, mas que encontrava amplo respaldo na doutrina e na jurisprudência e que contempla todas as situações em que houver privação temporária da capacidade de discernimento. O exame dessa incapacidade deve ser averiguado de forma casuística, levando-se sempre em conta que a regra é a capacidade; sendo a incapacidade exceção.

  4. Não se pode falar na existência de erro apto a gerar a nulidade relativa do negócio jurídico se a declaração de vontade exarada pela parte não foi motivada por uma percepção equivocada da realidade e se não houve engano quanto a nenhum elemento essencial do negócio – natureza, objeto, substância ou pessoa.

  5. Em sua origem, a ilicitude do negócio usurário era medida apenas com base em proporções matemáticas (requisito objetivo), mas a evolução do instituto fez com que se passasse a levar em consideração, além do desequilíbrio financeiro das prestações, também o abuso do estado de necessidade (requisito subjetivo). Ainda que esse abuso, consubstanciado no dolo de aproveitamento – vantagem que uma parte tira do estado psicológico de inferioridade da outra –, seja presumido diante da diferença exagerada entre as prestações, essa presunção é relativa e cai por terra ante à evidência de que se agiu de boa-fé e sem abuso ou exploração da fragilidade alheia.

  6. Ainda que, nos termos do art. 1.027 do CC⁄16, a transação deva ser interpretada restritivamente, não há como negar eficácia a um acordo que contenha outorga expressa de quitação ampla e irrestrita, se o negócio foi celebrado sem qualquer vício capaz de macular a manifestação volitiva das partes. Sustentar o contrário implicaria ofensa ao princípio da segurança jurídica, que possui, entre seus elementos de efetividade, o respeito ao ato jurídico perfeito, indispensável à estabilidade das relações negociais.

  7. Recurso especial a que se nega provimento.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Vasco Della Giustina, acompanhando a divergência, por maioria, negar provimento ao recurso especial. Vencido o Sr. Ministro Relator Sidnei Beneti. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, V.D.G. e Massami Uyeda. Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

    Brasília (DF), 22 de março de 2011(Data do Julgamento)

    MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    Relatora

    RECURSO ESPECIAL Nº 809.565 - RJ (2006⁄0006464-3)

    RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
    RECORRENTE : M.J.R.
    ADVOGADO : ILAN GOLDBERG E OUTRO(S)
    RECORRIDO : E.D.T.B.L.L.
    ADVOGADO : RICARDO MELCHIOR DE BARROS RANGEL E OUTRO(S)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI(Relator):

  8. - Na origem, M.J.R. propôs ação de responsabilidade civil contra E.D.T.B.L.L., alegando que sofreu sérias lesões e sequelas permanentes, em razão de atropelamento causado por ônibus de propriedade da empresa ré, tendo sido induzida a erro ao assinar "Escritura Declaratória", pela qual recebeu a quantia de R$ 13.000,00 (treze mil reais), renunciando a qualquer pleito futuro. Requereu, desse modo, a rescisão da aludida escritura, com efeito de termo de quitação, com a condenação da empresa de transportes ao pagamento de indenização por danos estéticos e pensão mensal vitalícia no valor de dois salários mínimos.

  9. - O pedido foi julgado procedente pela sentença da lavra do Dr. MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES, da 34ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, declarando inválida a transação celebrada entre as partes e condenando a ré a pagar à autora indenização por danos morais no valor de R$ 13.000,00 (treze mil reais) e por dano estético no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), além de pensão no valor equivalente ao rendimento da autora, na forma e no tempo que se constatar em perícia na fase de liquidação. (fls. 457⁄469)

  10. - O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, Relator o Des. MARIO ROBERT MANNHEIMER, deu provimento à Apelação do ré, por Acórdão assim ementado (fls. 516⁄517):

    Responsabilidade Civil. Atropelamento de pedestre por ônibus. Validade do acordo feito entre as partes, mediante o qual a empresa de ônibus pagou à vítima a importância correspondente a 100 (cem) salários mínimos, tendo esta dado quitação geral.

    Embora o acordo tivesse sido firmado quando a vítima ainda se encontrava internada em hospital em decorrência do atropelamento, o laudo pericial arrimado em boletins hospitalares, concluiu que a mesma, no dia da assinatura do acordo, mostrava-se lúcida, orientada, portanto com condições de discernir sobre os atos de sua vida civil, não encontrando respaldo no conjunto probatório sua afirmação de que não sabia que estava assinando um termo de quitação.

    Embora a importância paga pela Ré em decorrência da transação seja consideravelmente menor do que a indenização a que a Autora faria jus em conseqüência das seqüelas sofridas, não se pode considerar a prestação como desproporcional de forma a caracterizar a ocorrência de lesão, tendo em vista que os depoimentos colhidos no inquérito policial apontavam para a ocorrência de culpa exclusiva da vítima, o que acarretaria a improcedência de eventual ação indenizatória, circunstância que se constituiu em fator preponderante para a celebração do acordo.

    Conhecimento e provimento da Apelação.

  11. - Na intenção de fazer prevalecer o voto vencido proferido pelo Des. MIGUEL ANGELO BARROS, a autora interpôs Embargos Infringentes, os quais foram improvidos, também por votação majoritária, por Acórdão da 10ª Câmara Cível do TJRJ (Rel. o Des. GILBERTO DUTRA MOREIRA), cuja ementa ora se transcreve (fls. 574⁄575):

    "Embargos Infringentes. Ação de responsabilidade civil, em razão de atropelamento da embargante ônibus de propriedade da ré, na qual sofreu várias lesões, pretendendo a rescisão de escritura declaratória em que recebeu a quantia de R$ 13.000,00 (treze mil reais), além de indenização por danos estéticos e morais e pensão vitalícia no valor de 02 (dois) salários mínimos.

    Sentença que julgou procedente o pedido, condenando a ré a pagar indenização por danos morais em R$ 13.000,00 (treze mil reais), por dano estético em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e pensão mensal equivalente ao rendimento da autora.

    Apelação da ré invocando a lucidez da autora, que a transação fez coisa julgada entre as partes, que a prova testemunhal comprova a culpa exclusiva da vítima, pretendendo, ao menos, seja considerada a culpa concorrente e que seja considerado o laudo pericial no sentido de que a incapacidade foi apenas temporária.

    Recurso provido, por maioria, dando provimento ao recurso e julgando improcedente o pedido, sob fundamento de que a autora estava lúcida e que o acordo estabelecido entre as partes é válido.

    Voto vencido em razão do entendimento de ter sido a autora ludibriada e correta a sentença.

    Embargos infringentes buscando a prevalência do voto vencido.

    Autora que, em atropelamento, sofreu graves lesões nas pernas e braços.

    Inexistência de qualquer prova no sentido de ter sido a mesma afetada em seu estado mental.

    Acordo para ressarcimento firmado pelas partes no valor de R$ 13.000,00, equivalentes a 100 (cem) salários mínimos vigentes à época, adequado à hipótese.

    Declaração de vontade entre a vítima gozando de plena capacidade mental e no exercício de seus direitos civis e a empresa ré, de forma válida, fazendo lei entre as partes.

    Desprovimento do recurso, por maioria, vencidos os eminentes Desembargadores Revisor Sylvio Capanema e Wani Couto, que lhe davam provimento".

  12. - Rejeitados os Embargos de Declaração (fls. 585⁄589), interpõe a autora Recurso Especial, com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional, alegando divergência jurisprudencial com julgados desta Corte, de que é exemplo o REsp 326.971⁄AL, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ 11.6.2002, no qual se decidiu que o recibo fornecido pelo lesado deve ser interpretado restritivamente, significando apenas a quitação dos valores que refere, sem obstar a propositura de ação para alcançar a integral reparação dos danos sofridos com o acidente. (fl. 597)

  13. - Inadmitido o recurso pela Terceira Vice Presidência do TJRJ (fls. 644⁄645), ascenderam os autos a esta Corte por força do provimento dado pelo E. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO ao Agravo de Instrumento n. 701.560⁄RJ (fls. 232⁄233 dos autos do Agravo).

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 809.565 - RJ (2006⁄0006464-3)

    VOTO (vencido)

    O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI...

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