Decisão Monocrática nº 2009/0205253-9 de CE - CORTE ESPECIAL

Data13 Junho 2011
Número do processo2009/0205253-9
ÓrgãoCorte Especial (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.243.884 - SC (2009/0205253-9)

RELATOR : MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI

AGRAVANTE : UNIÃO

AGRAVADO : NOVA GRÃOS COMÉRCIO DE CEREAIS LTDA E OUTRO

ADVOGADO : PAULO SANTIAGO

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TERRENO DA MARINHA.

TRANSFERÊNCIA DE IMÓVEL CONSTRUÍDO SOBRE TERRENO EM REGIME DE MERA OCUPAÇÃO. COBRANÇA DE LAUDÊMIO. LEGALIDADE. DECRETO-LEI 2.398/87, ART. 3º. PRECEDENTES DAS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. AGRAVO CONHECIDO PARA, DESDE LOGO, DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

DECISÃO

  1. Trata-se de agravo de instrumento de decisão que deixou de admitir recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, nos autos de demanda visando à declaração de nulidade de processo demarcatório, decidiu que (i) "a cobrança de laudêmio referente à transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre

    benfeitorias neles construídas, (...) é devida somente nas

    transmissões onerosas do domínio útil do bem objeto de aforamento" (fl. 121) e (ii) "inexistindo comprovação de que o imóvel objeto dos autos seria aforado, é caso de negar provimento ao recurso da União, mantendo-se afastada a cobrança de laudêmio" (fl. 122). Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 128/132). Nas razões do recurso especial (fls. 134/140), a recorrente aponta ofensa ao art. 3º do Decreto-Lei 2.398/87, pois "a transferência onerosa sobre

    benfeitorias construídas em terrenos da União é fato gerador para a cobrança do laudêmio" (fl. 138).

  2. Não prospera as preliminares levantadas pelos agravados, já que o agravo de instrumento atende satisfatoriamente os requisitos de admissibilidade.

  3. Acerca da controvérsia dos autos, reporto-me ao voto proferido no REsp 1.222.761/SC (DJe de 25/02/2011), julgado pela 1ª Turma, no qual fui relator:

  4. Dispõe o art. 3º do Decreto-Lei 2.398/87:

    "Art. 3º Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos." A interpretação desse dispositivo tem sido objeto de controvérsia no âmbito da 1ª Seção. Há julgados entendendo que a referência a "direitos sobre benfeitorias neles construídas" (a) diz respeito apenas a construções sobre terrenos de marinha cujo aforamento está devidamente formalizado em nome do alienante; e há outra corrente segundo a qual (b) diz respeito a construções sobre qualquer terreno de marinha, mesmo em regime de mera ocupação. De acordo com primeira linha de entendimento são os seguintes julgados:

    ADMINISTRATIVO. TERRENO DA MARINHA. LAUDÊMIO. ENFITEUSE. NÃO

    OCORRÊNCIA. DECRETO-LEI 2.398/87. NÃO PAGAMENTO. MERA OCUPAÇÃO.

    RECURSO NÃO PROVIDO.

  5. A enfiteuse ou aforamento, modalidade de direito real sobre coisa alheia, consiste na divisão do domínio em direto, exercido pelo proprietário ou senhorio, e útil, transmitido ao enfiteuta ou foreiro, que fica obrigado ao pagamento de uma pensão anual ou foro.

  6. Tratando-se de direito real de caráter perpétuo, o domínio útil é passível de transação onerosa, hipótese em que, caso não seja exercido o direito de opção pelo senhorio direto, será devido pelo enfiteuta o pagamento do laudêmio.

  7. O art. 3º do Decreto-Lei 2.398/87 dispõe que o pagamento de laudêmio sobre terreno da União, correspondente a 5% do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias nele realizadas, somente é devido na hipótese de constituição de enfiteuse.

  8. Não tendo havido na hipótese dos autos a enfiteuse, mas a mera ocupação de terreno da Marinha, conforme restou destacado pelas instâncias ordinárias, não há como submeter a alienação do imóvel ao prévio pagamento de laudêmio. Precedente do STJ.

  9. Recurso especial não provido.

    (REsp 1.128.194/SC, 1ª Turma, Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 22/09/2010)

    PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC.

    INOCORRÊNCIA. BENS PÚBLICOS. LAUDÊMIO. MERA TOLERÂNCIA. OCUPAÇÃO DE TERRENO DE MARINHA. INEXISTÊNCIA DE DESDOBRAMENTO DA POSSE, DE CONTRATO OU DE TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO ÚTIL A TÍTULO ONEROSO.

    NÃO-CABIMENTO DE LAUDÊMIO.

  10. Os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.

  11. Pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo qual, em caso de ocupação irregular de terreno de marinha por mera tolerância da União, é incabível a cobrança de laudêmio pela transferência da detenção. Precedente: REsp 926.956/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 17.12.2009.

  12. Recurso especial provido.

    (REsp 1.108.953/SC, 2ª T., Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 10/09/2010)

    Adotando a segunda linha de entendimento, a 1ª Turma, no

    julgamento do REsp 1.143.801/SC (Relator p/ Acórdão Min. Luiz Fux, DJe de 13/09/2010), por maioria, decidiu que "a transferência onerosa de quaisquer poderes inerentes ao domínio de imóvel da União condiciona-se ao prévio recolhimento de laudêmio ". Este julgado restou assim ementado:

    PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TRANSMISSÃO DE OCUPAÇÃO. PAGAMENTO DE LAUDÊMIO. LEGALIDADE.

    ARTIGO 3.º, DO DECRETO-LEI N.º 2.398, DE 21.12.1987.

  13. O artigo 3.º, do Decreto-lei n.º 2.398, de 21 de dezembro de 1987, dispõe que:

    "Art. 3° Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos." 2. Consectariamente, a transferência onerosa de quaisquer poderes inerentes ao domínio de imóvel da União condiciona-se ao prévio recolhimento de laudêmio. Isto porque, não obstante o instituto do laudêmio estivesse intimamente vinculado ao domínio útil, a novel lei ampliou-o para alcançar, também, a transferência onerosa de qualquer direito sobre benfeitorias construídas em imóvel da União, bem como a cessão de direitos a ele relativos.

  14. In casu, a parte autora alega ser proprietária de dois imóveis situados em terrenos de marinha e que se viu obstada de lavrar as competentes escrituras de venda e compra dos referidos imóveis, os quais são utilizados em regime de ocupação, porque lhe fora exigido o pagamento de taxa de laudêmio, aduzindo, assim, ser incabível tal cobrança, por não se tratar de hipótese de transferência do domínio útil do imóvel, vinculada ao aforamento ou à enfiteuse, mas

    tão-somente de cessão de direito, por tratar-se de mera ocupação, não sujeita à cobrança de laudêmio.

  15. É lícito à norma erigir figuras assemelhadas sujeitas ao

    laudêmio, posto obedecido o princípio da legalidade e a

    indisponibilidade dos bens ou faculdades inerentes à titularidade do domínio público.

  16. Recurso especial conhecido e provido, divergindo do E. Relator.

    Na mesma linha decidiu também a 2ª Turma no REsp 1.128.333/SC, Min. Herman Benjamin, DJe de 30/09/2010:

    DIREITO ADMINISTRATIVO. OCUPAÇÃO DE IMÓVEL LOCALIZADO EM TERRENO DE MARINHA. ALIENAÇÃO DE CONSTRUÇÃO. INCIDÊNCIA DO LAUDÊMIO.

  17. Pela ocupação de imóvel da União, localizado em terreno de marinha, é devida apenas a taxa prevista no art. 127 do Decreto-Lei 9.760/1946.

  18. Diferente, contudo, é a situação em que o ocupante pretende transferir a terceiros, mediante alienação a título oneroso,

    apartamento construído no referido imóvel. Nesse contexto, viável a cobrança de laudêmio, conforme expressamente previsto no art. 3º do Decreto-Lei 2.398/1987, que deu nova redação ao art. 130 do

    Decreto-Lei 9.760/1946, e nos arts. e do Decreto 95.760/1988.

  19. Inaplicável o entendimento de que o laudêmio somente pode ser cobrado na transferência do imóvel aforado, nos termos do art. 686 do Código Civil, porque os imóveis localizados em terreno de marinha encontram-se sujeitos ao regime jurídico administrativo, sendo disciplinados por legislação específica, total ou parcialmente derrogatória dos princípios e dos institutos de Direito Privado.

  20. Recurso Especial provido.

    O Ministro Herman Benjamin, que defendia a primeira corrente, nessa oportunidade modificou seu ponto de vista pelas razões assim alinhadas:

    Em primeiro lugar, penso que não é o caso de aplicar, genericamente, o art. 686 do Código Civil, tendo em vista que o instituto da ocupação de terreno de marinha está inserido no regime jurídico administrativo, o qual, conforme a melhor doutrina, pode se utilizar de institutos do Direito Privado, com adaptações em função das peculiaridades do caso concreto e dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.

    É exatamente essa a hipótese dos autos.

    Se no Direito Civil a cobrança do laudêmio somente existe quando houver transferência do domínio útil, é necessário averiguar a disciplina conferida pela legislação específica de Direito

    Administrativo.

    Em princípio, sobre o imóvel da União, localizado em terreno de marinha, incide anualmente a taxa de ocupação (art. 127 do

    Decreto-Lei 9.760/1946).

    Ocorre que o fato gerador do laudêmio não é a simples ocupação do imóvel em terreno de marinha, mas, sim, a transferência do

    apartamento construído no referido imóvel, mediante alienação a título oneroso. Não se pode cogitar, por essa razão, de bis in idem.

    Sabendo-se que as relações submetidas ao regime jurídico de Direito Administrativo devem ser disciplinadas por lei, a cobrança do laudêmio nesse caso somente terá respaldo se respeitar o princípio da legalidade.

    Veja-se, então, o que dispõe o art. 3º do Decreto-Lei 2.398/1987: Art. 3° Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor...

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