Decisão Monocrática nº 2008/0183400-2 de T4 - QUARTA TURMA

Número do processo2008/0183400-2
Data06 Junho 2011
ÓrgãoQuarta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.080.966 - SP (2008/0183400-2) (f)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

RECORRENTE : G.D.B.M.D.E.L.

ADVOGADA : M.M.V. E OUTRO(S)

RECORRIDO : G.C.E.P.S.

ADVOGADO : CANDIDO RANGEL DINAMARCO E OUTRO(S)

RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO E PROCESSO CIVIL. SUPOSTA VIOLAÇÃO DO ART.

535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 20, §§ 3º E 4º, DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO 211/STJ. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO SUMULAR 5/STJ. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. NÃO CABIMENTO.

ENUNCIADO SUMULAR 7/STJ. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO.

DECISÃO

Trata-se de recurso especial, interposto por GD DO BRASIL MÁQUINAS DE EMBALAR LTDA., com apoio no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que acolheu os embargos infringentes opostos por G.C.E.P.S., para reconhecer a nulidade da cláusula discutida e negar provimento à apelação da locadora.

A ementa do aresto restou redigida nos seguintes termos:

"Locação. Imóvel não residencial. Fixação de aluguel mensal e com reajuste anual pelos índices do IGPM, mas estabelecimento de

cláusula adicional em que, no 18° mês de locação, far-se-ia acerto dos valores pagos de modo a que cada mês fosse correspondente a US$ 100,000 (cem mil dólares norte-americanos), pagando a locatária a diferença em dois dias. Discussão sobre a validade da cláusula.

Despejo por falta de pagamento, declaratória de nulidade de cláusula contratual e embargos à execução. Procedência da declaratória e improcedência das demais ações. Recurso da locadora provido e improvido aquele da locatária, por maioria de votos, vencido o Relator Sorteado e que negou provimento a todos os recursos. Oferta de embargos infringentes em relação à parte em que houve

divergência. Rejeição da preliminar argüida em relação aos efeitos e extensão da apelação da embargada admitida pela Turma Julgadora.

Princípio da unicidade do recurso e da sentença, cuidando-se de matéria comum a todos os processos e com soluções interligadas.

Consideração da diferença a ser paga como aluguel atrelado à

variação cambial. Ostensiva ofensa ao artigo 17 da Lei n° 8.245/91.

Irrelevância da subscrição das partes em face da prevalência da norma de ordem pública. Nulidade reconhecida. Embargos infringentes acolhidos, acolhido o voto vencido na apelação.

O princípio da unirecorribilidade restou observado e, nada obstante afastados os dois outros recursos interpostos pela locadora, não há como cindir a sentença quando julgados todos os processos e com discussão da mesma matéria, ou seja, a validade ou não da cláusula de atrelamento do aluguel à variação cambial. De mais a mais, o primeiro recurso enfrenta todos os fundamentos da sentença e pede sua reforma total, sendo, assim, observados os requisitos e

pressupostos para devolução integral do julgamento ao Tribunal.

O fato das partes firmarem a estimativa do aluguel em moeda corrente nacional, com reajuste anual pela variação dos índices do IGPM, não significa que a cláusula adicional em que se estipula que, depois do 18° mês, far-se-ia ajuste para que cada mês pago fosse

correspondente a US$ 100,000,00 seja mera garantia adicional ou vantagem distinta do fruto da locação. Enquadra-se a cobrança como sendo contraprestação pelo uso do bem imóvel, ou seja, de aluguel.

A vinculação do aluguel mensal ao equivalente a US$ 100,000,00 importa em atrelamento do valor locativo à variação cambial, o que é vedado pelo artigo 11 da Lei n° 8.245/91. O princípio da autonomia da vontade verga-se às normas de ordem pública e não prevalece frente aos objetivos do legislador, pouco importando as condições das partes, consideradas como empresas de grande porte e

assessoradas por advogados de nomeada. A nulidade é absoluta." Diante desse desate, foram opostos embargos de declaração por G.D.B.M.D.E.L. (fls. 1161/11670, nos quais alegou omissão no exame quanto à necessidade da observância dos princípios da boa-fé negocial e contratual, nos termos dos artigos 113 e 422 do Código Civil.

Além disso, sustentou que, "ao contrário do que restou consignado no v. acórdão ora embargado, não há que se falar em qualquer ofensa ao artigo 17 da Lei 8.245/91, já que a Cláusula impugnada não é de correção de aluguel, mas de pagamento de diferenças a cada período contratual, tomando-se como simples referencial a moeda

estrangeira."

Ressaltou, outrossim, que "não se está diante de correção mensal, mas sim de correção anual, com previsão de três revisões que fazem referência ao dólar, porém como pagamento sempre em reais" e que "revisões são perfeitamente possíveis, nos moldes do artigo 78, parágrafo único, da Lei de Locação."

Por fim, afirmou que a condenação ao pagamento de honorários

advocatícios em 35% do valor da causa importa em ofensa ao artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, segundo o qual os honorários serão fixado entre 10% e 20% do valor da condenação, bem como viola o princípio do equilíbrio e da justiça entre as partes.

Os aclaratórios foram rejeitados ao argumento, em síntese, de que "não há qualquer omissão ou contradição, cuidando-se, na verdade, de embargos opostos apenas para fins de prequestionamento, limitando-se a embargante a manifestar inconformismo aos fundamentos expostos no v. acórdão, o que não é admissível na seara do recurso específico" (fl. 1172).

Nas razões do recurso especial (fls. 1178/1192), sustenta a

recorrente que o acórdão recorrido teria violado os artigos 535, inciso II, e 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, 113 e 422 do Código Civil e 17 da Lei nº 8.245/91.

Alega que o aresto guerreado incorreu em omissão em face da falta de enfrentamento "dos argumentos trazidos pela recorrente quanto à necessidade da observância dos princípios da boa-fé negocial e contratual, elemento primordial para o julgamento da demanda." No ponto, salienta a recorrente que, "tratando-se de questões essenciais ao correto deslinde da controvérsia, impunha-se o

acolhimento integral dos embargos, com menção explícita do Tribunal a quo sobre cada um dos dispositivos legais cujo prequestionamento se pleiteou."

Afirma, no mérito, que o disposto no artigo 17 da Lei nº 8.245/91, que veda a estipulação do aluguel em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo, não se aplica ao caso em questão. Nesse sentido, assevera que a "cláusula impugnada não é de correção de aluguel, mas de pagamento de diferenças a cada período contratual, tomando-se como simples referencial a moeda estrangeira."

Argumenta, ainda, que "não se está diante de correção mensal, mas sim de correção anual, com previsão de três revisões que fazem referência ao dólar, porém com pagamento sempre em reais", nos moldes do artigo 78, par. único, da Lei de Locação.

Além disso, sustenta a recorrente que o Decreto-lei nº 857/69 "tem o condão de estabelecer o curso forçado da moeda nacional e não impede a indexação com base em moeda estrangeira" e que, "conforme o entendimento pacífico deste C. Superior Tribunal, a interpretação da Lei 8.880/94 não veda a celebração de pactos em moeda estrangeira, mas sim a estipulação de seu pagamento em outra moeda que não a nacional."

Por outro lado, ressalta que "a minuta do contrato, cuja cláusula se pretende anular, partir da própria TV Globo, que apôs, no contrato, o carimbo do seu departamento jurídico", a evidenciar a ocorrência de afronta ao princípio da boa-fé negocial e contratual.

A esse respeito, afirma que "o pedido da TV Globo de desconstituição dessa cláusula contratual, cláusula essa que foi longamente e amplamente negociada, na presença de seus advogados e representantes importa, data venia, em jogar para escanteio a boa-fé e desprezar a máxima de que a ninguém é permitido extrair benefícios da própria torpeza, não podendo tal pretensão ser albergada pelo Poder

Judiciário."

Por fim, aduz que os honorários advocatícios foram fixados em patamar superior a 20% (vinte por cento) do valor da condenação, em ofensa ao disposto no artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, e ao princípio do equilíbrio e da justiça entre as partes.

O recurso foi objeto de contrarrazões (fls. 1204/1257).

Após o exame de admissibilidade, os autos subiram para melhor análise deste Superior Tribunal de Justiça.

É o relatório.

Inicialmente, não merece prosperar a alegação de ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil, por omissão quanto à necessidade da observância dos princípios da boa-fé negocial e contratual, uma vez que o acórdão recorrido utilizou fundamentação suficiente para solucionar a controvérsia. A título de ilustração, confiram-se trechos do aresto:

Deixou-se claro que 'a denominada escala móvel nas obrigações de aluguel observa os limites oficiais e ao indexador permitido pelo ordenamento, pouco importando que as partes sejam economicamente consideradas como empresas de grande porte ou que sempre estejam assessoradas por advogados ou escritórios de advocacia de nomeada.

O principio da autonomia da vontade, na transformação do Estado Liberal para o Estado Social, não é absoluto e torna-se cada vez mais relativo, nunca prevalecendo quando depara pela frente com normas de ordem pública. 'No exame de qualquer negócio jurídico contratual o juiz avalia se a operação realizada com o contrato se coloca, nalguma sua faceta, em conflito com os objetivos

fundamentais e valores de natureza ética, social, econômica, pelos quais se rege o ordenamento jurídico, ou até com as contingentes escolhas políticas do legislador - por outras palavras, se os interesses privados prosseguidos com o contrato violam o interesse publico, o interesse geral da coletividade (Roppo,...

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