Decisão Monocrática nº 2010/0217166-8 de CE - CORTE ESPECIAL

Data31 Maio 2011
Número do processo2010/0217166-8
ÓrgãoCorte Especial (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.372.268 - MG (2010/0217166-8)

RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES

AGRAVANTE : ESTADO DE MINAS GERAIS

PROCURADOR : M.C.A.R. E OUTRO(S)

AGRAVADO : SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO - SAAE

ADVOGADA : L.D.C.M. E OUTRO(S)

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. EXPEDIÇÃO DE CERTIFICADOS DE REGISTRO E LICENCIAMENTO DE VEÍCULOS DE PROPRIEDADE DE AUTARQUIA MUNICIPAL. SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO - SAAE. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO INTERNO QUE ERA, ATÉ O ANO 2007, CONSIDERADA PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO ENTE IMUNE AO IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES - IPVA. IMPOSTO REGULARMENTE PAGO EM 2008, APÓS REGULAR NOTIFICAÇÃO.

ALTERAÇÃO DE CRITÉRIOS JURÍDICOS POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO

TRIBUTÁRIO REFERENTE AO EXERCÍCIO DE 2008. ART. 146 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA. ERRO DE DIREITO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA N. RESP 1.130.545/RJ. SÚMULA N. 83 DO STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO

PROVIDO.

DECISÃO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Estado de Minas Gerais contra decisão que inadmitiu seu recurso especial aos fundamentos de que: (i) há no acórdão fundamento que não foi atacado nas razões do recurso especial e que é suficiente para sua manutenção; e (ii) o dissídio jurisprudencial não foi demonstrado.

Em resumo, o agravante alega que seu recurso especial satisfaz os requisitos de admissibilidade e que não se encontram presentes os óbices apontados na decisão agravada.

Referido recurso especial foi interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, cuja ementa é a seguinte:

MANDADO DE SEGURANÇA. LICENCIAMENTO DE VEÍCULO. IPVA EM ATRASOS POR PERÍODOS ANTERIORES. Se os veículos foram licenciados, com

reconhecimento de imunidade nos anos anteriores, a relação pode receber declaração diversa, mas não pode ser causa de consideração de inadimplência para expedição de certificado de licenciamento, se, em tais períodos, foi o mesmo concedido.

No recurso especial (fls. 79 e seguintes), alega-se que o acórdão do TJ/MG, além de divergir da jurisprudência do STJ, como indica o REsp n. 664.689/RJ, viola o artigo 131, § 2º, da Lei n. 9.503/1997 - Código de Trânsito Brasileiro, por se considerar que o certificado de licenciamento só pode expedido após a quitação dos débitos relativos ao Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores - IPVA. Argúi que, "sabendo-se que compete à Administração rever seus próprios atos (Súmula n. 473 do STF), certamente que, a partir do momento em que se verificou que a anterior expedição dos CRLV havia se dado de maneira indevida (vez que pendente o pagamento do IPVA daqueles outros exercícios), nada impedia que, constatado o

procedimento equivocado, a restrição voltasse a existir, até mesmo porque, insista-se, quanto àqueles períodos, até o momento, não houve o recolhimento do tributo" (fl. 83).

Em contrarrazões (fls. 99 e seguintes), o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de São Lourenço - SAAE suscita que o recurso não merece conhecimento, em razão de ausência de similitude fático-jurídica entre os acórdãos confrontados; porque a análise da pretensão recursal depende de reexame fático-probatório; e por se considerar ausente o prequestionamento do artigo de lei apontado como violado.

Autos conclusos em 28 de janeiro de 2011.

É o relatório. Passo a decidir.

O Serviço Autônomo de Água de Esgoto do Município de São Lourenzo impetrou mandado de segurança contra ato do Chefe da Administração Fazendária de São Lourenzo, no qual objetiva receber os Certificados de Registro e Licenciamento de seus veículos, referente ao ano de 2008, por ter, regularmente, pago o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores - IPVA do respectivo exercício. Aduz que não é lícito a retensão dos CRLV para obrigá-lo ao pagamento dos débitos tributários de IPVA dos anos anteriores, mormente porque está discutindo, em outro mandamus, a extensão da imunidade tributária constitucional.

Em primeiro grau, houve denegação do mandado de segurança, por ausência de direito líquido e certo (fl. 41), o que deu origem ao recurso de apelação, cujo julgamento resultou no acórdão objeto do recurso especial.

O voto condutor do acórdão a quo tem, no que interessa e com grifo nosso, o seguinte teor:

[...]

A se admitir que, em outro processo, se questiona sobre imunidade tributária, sendo esta o único fundamento deste pedido de segurança, lógico que ocorreria litispendência. No entanto, há argumento de alta relevância, que nada tem a ver com a questão da imunidade.

Segundo consta dos autos, até 2007, o licenciamento de veículos da Impetrante era feito sem exigência de tributo, alterando a situação em 2008. Ora, se a Impetrante atendeu a exigência em 2008, pode até ser considerada devedora pelos tributos anteriormente não

recolhidos. No entanto, abusivo é considerar o não recolhimento anterior de tributos como inadimplência causadora de impedimento de expedição de certificado, quando a própria Impetrada, certo ou errado, reconhecendo implicitamente a imunidade, não criava óbice ao licenciamento.

Assim, com a vênia devida, entendo que, pelas razões acima, o mandado deve ser concedido para que se devolva à Impetrante os respectivos certificados, com o licenciamento de trânsito dos veículos na forma reclamada, sem definição sobre a existência de dívida e da imunidade tributária alegada.

O artigo de lei que se reputa violado, o § 2º do art. 131 da Lei n.

9.503/1197, tem o seguinte teor:

Art. 131. O Certificado de Licenciamento Anual será expedido ao veículo licenciado, vinculado ao Certificado de Registro, no modelo e especificações estabelecidos pelo CONTRAN.

[...]

§ 2º O veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da

responsabilidade pelas infrações cometidas.

Como se nota, houve expressa discussão a respeito da necessidade de pagamento dos débitos pretéritos do IPVA para o fim de obter-se o certificado de licenciamento anual do veículo; assim, ante o teor do art. 131, caput e § 2º, verifica-se o prequestionamento do artigo de lei apontado como violado.

Nota-se, ainda, que as razões do recurso especial suscitam, expressamente, a impossibilidade de fornecimento do CRLV/2008 à recorrente, devedora do IPVA, de tal sorte que não há espaço para a aplicação da Súmula n. 283 do STF.

De resto, cumpre anotar que o contexto fático delineado no acórdão a quo é suficiente para a solução da controvérsia, não se necessitando de reexame fático-probatório para se decidir a pretensão recursal.

Assim, o recurso especial, em tese, mereceria conhecimento pela hipótese de cabimento da alínea "a" do permissivo constitucional, embora a existência de dissídio jurisprudencial não tenha sido comprovada, em razão da ausência de similitude fático-jurídica.

É que a peculiaridade de a administração tributária ter extendido ao recorrente a imunidade tributária nos exercícios anteriores afasta a similitude fático-jurídica entre os acórdãos recorrido e paradigma.

Porém, no caso concreto, à luz da jurisprudência pacífica do STJ e da Súmula n. 83 do STJ, que também se aplica à hipótese da alínea "a" do inciso III do art. 105 da CF-1988 (v.g.: AgRg no Ag

1.002.799/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 11/12/2008), a pretensão recursal não merece prosperar.

Conforme consta do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e é confirmado pelo Estado de Minas Gerais, o

recorrente, até 2007, era considerado pela autoridade fazendária como imune ao IPVA; e, em 2008, quando procedida à alteração do posicionamento administrativo, embora tenha pago o imposto do exercício corrente (ano de 2008), foi-lhe negado o certificado de licenciamento em razão de débitos anteriores.

O procedimento de lançamento tributário, conforme preceitua o art.

142 do Código Tributário Nacional - CTN, serve à verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, à

determinação da matéria tributável, ao calculo do montante do tributo devido, e à identificação do sujeito passivo.

Tem-se, então, que, conforme os critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa até o ano de 2007, a propriedade de veículo automotor pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto de São Lourenço - SAAE era considerada imune à tributação pelo IPVA.

Critérios esses que foram alterados, de ofício pela administração tributária, quando do lançamento tributário referente ao ano de 2008.

Ora, o art. 145 do CTN é taxativo:

Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:

I - impugnação do sujeito passivo;

II - recurso de ofício;

III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149.

E o parágrafo único do art. 149 o complementa: "a revisão do

lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública".

Não se pode esquecer que, nos termos do art. 146 do Código

Tributário Nacional - CTN, "a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua

introdução".

Nesse linha, deve-se reconhecer o acerto do que fora decidido pelo Tribunal de origem, pois a alteração dos critérios jurídicos até então adotados pela autoridade tributária, que implicou no

entendimento de que a propriedade dos veículos do recorrente não estava sujeita à hipótese de imunidade tributária, não pode

retroagir para alcançar os lançamentos anteriores à novel

interpretação. É o que resulta do princípio da proteção à confiança.

Entendimento esse pacífico desde à época do extinto Tribunal Federal de Recursos, como faz prova o teor da Súmula n....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT